segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Casa comum, nossa responsabilidade / Common home, our responsibility / Hogar común, nuestra responsabilidad

“[...] corra a retidão como um rio, a justiça como um ribeiro perene! Amós 5.24
Vivemos um tempo de crise. Essa afirmação tem uma aceitação unânime em todos os campos de ação humana. O discurso de que vivemos sob a ameaça de uma catástrofe global tem sido uma constante em termos ecológicos, sociais, políticos e econômicos. Para o teólogo alemão Jürgen Moltmann, uma das origens dessa crise está na compreensão de Deus como um sujeito absoluto, que resultou no inevitável entendimento do mundo como objeto, de modo que a insistência em uma transcendência de Deus esvaziou a compreensão de sua imanência. “O monoteísmo do sujeito absoluto desmundanizou mais e mais a Deus, e o mundo se secularizou com mais intensidade”, disse no livro Dios em la criación.
Para outro teólogo, Andrés Torres Queiruga, essa tendência faz com que “Deus apareça para muitos como inimigo da vida humana, como ameaça para sua autonomia e impedimento de sua realização. Nessa linha, e por lógica elementar, acaba convertendo-se no inimigo total, que não deixa nada, porque ocupa tudo” (no livro Recuperar a criação). Deste modo, é possível afirmar que a dinâmica da vida autêntica não tem como se firmar na contemporaneidade fundada na ideia de um Deus imutável e indiferente. Se queremos redescobrir o valor da vida, é preciso voltar-se para a concepção do Deus criador a partir da validade da própria criação: “Deus decidiu criar o mundo: é este o fato fundamental, e nele deve-se fundar nossa reflexão. [...] Se Deus criou o mundo, é porque, apesar de tudo, o mundo vale a pena”, diz Queiruga.
A célebre frase de Irineu “a glória de Deus é o homem vivo”, deve ser compreendida na continuidade da mesma, que afirma que a vida humana se realiza na contemplação de Deus. Diante do quadro de crise na qual se encontra o mundo, chegou o momento de se fazer uma escolha: cuidar de nossa casa comum. Para Moltmann, “não se trata de uma crise passageira, e sim de uma catástrofe lenta, mas segura, em que serão destruídos os seres vivos mais fracos por primeiro, e então os mais fortes e, não por último, inclusive os seres humanos”, diz ele em outro livro, A vinda de Deus. Essa crise é provocada pela civilização que se constitui a partir da técnica e da ciência e que provoca o esgotamento da natureza a partir da exploração pelo homem. “Esta crise é mortal não só para o homem [...] é também mortífera para o entorno natural”. Moltmann reconhece ainda que “a moderna sociedade industrial provocou um desequilíbrio no organismo ‘terra’ e está a caminho da morte ecológica universal, caso não possamos alterar esse desenvolvimento [...] A catástrofe ecológica em progresso é universal e não faz distinções. Ela ameaça da mesma forma a natureza, os seres vivos e sistemas de vida e os seres humanos. Ela coloca a humanidade dividida sob a unidade do perigo. Ela põe humanidade e natureza numa comunhão de necessidade”.
Isso demanda uma conversão radical das orientações fundamentais dos modos de produção e consumo, bem como da dinâmica político-econômica das sociedades industriais, uma vez que a crise ecológica se estabelece a partir de uma crise que envolve também as relações de poder. Tanto a crise ecológica como a que envolve os estados modernos surgem no âmbito de uma cultura marcada pela cristandade. E isso exige uma atitude crítica por parte de todos, notadamente daqueles que professam a fé cristã, o que implica um novo olhar sobre a criação.
É preciso encarar o mundo como realidade contingente, na qual se compreende a existência e tudo o que está implicado nela. Deve levar em conta que tanto a realidade concebida como objeto quanto a subjetividade humana são criações divinas. Deve situar o conhecimento no âmbito da relativização, conquanto se refere também ao que não é dado a conhecer, ao invisível, ao qual ainda não se tem acesso. Deve ser solidária ao sofrimento da natureza e desenvolver a esperança da redenção de toda a criação. Deve estar a serviço da naturalização do homem, como um retorno ao cuidado com a natureza em termos de autocompreensão e como interpretação do mundo tendo a natureza como marco fundador. Para Leonardo Boff, isso implica uma nova cosmovisão em que a noção de mundo precisa abarcar a totalidade como a um organismo vivo articulado com o universo inteiro. Trata-se de uma cosmovisão ecológica que enfatiza a imanência de Deus, que está presente em todos os processos vitais e que orienta a vida a partir de uma ordem cada vez mais complexa e carregada de propósitos. Veja-se o livro Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Deus e mundo “estão abertos um ao outro. Encontram-se sempre mutuamente implicados”, diz Leonardo Boff.

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