A luta pela defesa das liberdades individuais e contra as
arbitrariedades do Estado é uma aspiração antiga. Norberto Bobbio, em A era dos direitos, fala de algumas
ondas que marcaram a construção histórica desse desejo, que se transformou na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, que surgiu em 10 de dezembro de
1948. Ela diz em seu artigo 1º: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais
em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade.”
Falar em Direitos Humanos é tratar de uma construção
histórica que vem sendo realizada há muito tempo pela humanidade. É possível
situar a origem da preocupação com Direitos Humanos em 539 a.C., quando Ciro, O Grande, conquistou a
cidade da Babilônia. Uma das suas ações para a consolidação do grande império
persa foi o modo como tratou os escravos. Em um decreto, ele condenou o
trabalho forçado e respeitou todas as crenças. Esse decreto, juntamente com
outros, foi registrado num cilindro de barro conhecido hoje como o Cilindro de Ciro, que é considerado mundialmente como
a primeira carta dos Direitos Humanos. Suas determinações são semelhantes aos
quatro primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU.
Essa atitude influenciou os povos de um modo geral,
inclusive a civilização greco-romana, que foi responsável pelas primeiras
formulações do chamado Direito Natural. Entre as contribuições do Direito
Natural greco-romano para a noção de Direitos Humanos estão as concepções
éticas em relação à busca da felicidade e do bem-estar, como também a noção da
política como a arte de se construir a vida em comunidade visando ao bem comum.
Entretanto, as grandes transformações no cuidado com a dignidade
humana como um direito a todos os indivíduos vão acontecer com a aproximação entre
a mensagem cristã e o pensamento ocidental, entre a tradição judaico-cristã e a
tradição greco-romana, o que aconteceu a partir do século II da era cristã.
Podemos alistar três momentos históricos significativos dessa aproximação.
O primeiro momento foi a compreensão de que todos somos
iguais perante Deus. Partindo do princípio de que Deus não faz acepção de
pessoas, a ideia de que fomos criados de um mesmo modo por um mesmo Deus,
independente de cor da pele, etnia, classe social e sexualidade, foi uma grande
revolução para o pensamento da época. A partir da modernidade, esse princípio
será substituído pela ideia de que todos somos iguais perante a lei.
O segundo momento foi com a Reforma Protestante, que
defendeu o princípio da laicidade do Estado, em substituição aos sistemas de
poder dominados pelo clero. O Estado é uma construção que tem a participação de
todos e deve ter suas ações voltadas para o bem de todos. Nesse Estado laico, a
educação é para todos, o cuidado com a saúde deve ser um serviço do Estado a
todos, e as leis devem garantir a liberdade de expressão da fé. Embora esses
critérios não tenham sido perseguidos igualmente pelos Estados onde se deu a
Reforma Protestante, nem as confissões protestantes tenham desenvolvido a mesma
compreensão política, pelo menos a ideia inicial havia sido lançada.
O terceiro momento, já no século XX, corresponde ao período
em que se começou a atribuir o prêmio Nobel da Paz a pessoas que se destacaram
na defesa da cultura de paz. Desde então, a grande maioria dos premiados têm
sido de pessoas religiosas atuantes em suas comunidades, comprometidas com a promoção
da paz, não armamentista e não violenta. Dois grandes exemplos dessa luta são o
líder hindu Mahatma Gandhi e o pastor batista Martin Luther King Jr, ambos vitimados
durante a luta que empreenderam em favor da paz.
Em todos esses momentos, o que se depreende é que a
realização da fé na esfera pública está e sempre esteve intimamente relacionada
à defesa dos Direitos Humanos. Não há como imaginar a vivência da fé que ignora
a necessidade do outro. Os Direitos Humanos, na concepção de quem assume uma
vida de fé, têm rosto que é o do mais vulnerável, da vítima, do que sofre, do
oprimido. Uma vivência de fé que não se abre para o que provoca dor, pobreza,
desigualdade de oportunidades ou mesmo para a discriminação do outro é
alienante e não serve para nada, a não ser para perpetuar as estruturas de
dominação, de exploração e de cerceamento da liberdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário