“O
Senhor o assiste no leito da enfermidade; na doença, tu lhe afofas a cama.” Salmos 41.3 ARA
Uma antiga tradução em português do Salmo 41.3 diz
que Deus “afofa” a cama dos doentes durante o período de enfermidade. Não é
fofo isso? O curioso é que só essa versão, que é a Revista e Atualizada de
Almeida, apareceu assim. Outra versão antiga chegou a dizer: “tu lhe amaciarás
a cama”. Já a versão mais recente, a
Nova Tradução na Linguagem de Hoje, diz: “Quando estiverem doentes, de cama, o
Senhor os ajudará e lhes dará saúde novamente”. A versão mais corriqueira, que
inclusive se encontra no inglês e no espanhol também, é de que Deus nos
sustenta no tempo da enfermidade e que tem o poder de nos restaurar da doença.
O que levou o tradutor daquela versão chegar àquela
conclusão, a construir a figura de uma pessoa tendo todo cuidado para oferecer
ao doente um leito macio e aconchegante para que suportasse o seu flagelo?
Muitos comentaristas bíblicos ofereceram várias alternativas para a expressão
que se encontra em hebraico. Teve quem disse que Deus torna a cama confortável,
que Ele muda a cama de posição para que o enfermo se levante e até que Deus
transforma a cama do doente em uma cama de saudáveis e curados.
O fato é que os salmos são ricos em poesia e,
especialmente este, falam de uma forma sublime sobre o cuidado de Deus.
Eugene Peterson, em sua versão conhecida como A Mensagem, o reescreveu assim: “Como é feliz aquele que dá alguma
dignidade aos desafortunados: você se sentirá bem — é isso que o Eterno faz. O
Eterno toma conta de todos nós e nos faz resistentes para a vida, afortunados
por estar na terra, livres dos aborrecimentos dos inimigos. Se estamos doentes
e acamados, o Eterno é nosso enfermeiro: ele cuida de nós até a recuperação.”
Exegeticamente falando, os termos hebraicos trazem
duas ideias. A primeira, a de alguém que se encontra deitado atingido por algo
que lhe acomete; a segunda, a de que a ação divina alcança todo tipo de leito e
todo o tipo de enfermidade. Então, Deus pode fazer o que quiser com a cama,
mudá-la de posição, mudar o enfermo de posição e até torná-la desnecessária.
Nesse caso, a ideia de
que Deus afofa a cama do doente com todo o cuidado é a que mais se aproxima do sentido
original.
Podemos encontrar no versículo duas possibilidades. A primeira é a
compreensão de que Deus se coloca como um enfermeiro junto ao doente para
cuidar de seu repouso. A segunda é a afirmação de que Deus transforma toda
situação que nos abate: ele transforma dor em alegria, angústia em esperança,
sofrimento em felicidade. Uma vez que o salmo em si trata da enfermidade e da
adversidade desde o começo, é possível perceber que Deus cuida de nós em meio a
tudo aquilo que nos deixa prostrados.
Para um tempo em que a medicina era tão precária e que a doença
fatalmente terminava em morte, restava ao doente depender unicamente do Senhor.
Para muitos, naquela época, a doença era resultado do pecado ou da
desobediência a Deus. A enfermidade era uma ameaça para o doente, para a
família e para a sociedade. O medo do contágio e a culpabilização do doente
transformavam o enfermo em um solitário. Não havia pior adversidade do que ser
abatido pela doença.
Nesse sentido, a ideia de doença pode ser entendida como uma metáfora
daquilo que nos incomoda, que altera a nossa normalidade e que é algo que
precisamos nos livrar. O desejo primário é de que sejamos libertos
milagrosamente e que a vida volte a uma certa normalidade. Mas Deus sabe que,
na hora da adversidade, o que mais precisamos é de encorajamento para seguir
adiante. Só quem já teve que passar por longos períodos em um leito sabe o
quanto uma cama confortável e adequada é importante.
A ideia de alguém que afofa a cama na hora da enfermidade faz parte do
imaginário popular evangélico do Brasil, por conta dessa tradução que foi
largamente usada pelo segmento pentecostal. E ela faz muito bem. Ajuda a
enfrentar o período da luta, da dor e da enfermidade como um tempo para
descobrir que Deus está ao nosso lado como alguém que cuida.
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