O conceito de “Novo Normal” está muito presente no debate a respeito do que acontecerá no mundo após o fim da pandemia de Covid-19. A ideia de normalidade está envolvida com conceitos a respeito daquilo que é comum, mas acima de tudo àquilo que está presente em uma certa regularidade. O normal seria aquilo que é esperado dentro de um ambiente conhecido e a partir de determinadas expectativas. Entretanto, essa pandemia deixou claro que a vida é orientada por imprevisibilidades, pelo imponderável e por incertezas.
O sociólogo
português Boaventura de Souza Santos escreveu um livro sobre a cruel pedagogia
do novo Coronavírus, pois confronta a fragilidade das ações humanas em meio ao
que se convencionou chamar de normalidade. Isso nos ajuda a entender que a
normalidade da vida humana é marcada pelo que é excepcional, pela flexibilidade
das possibilidades, pelas nossas vulnerabilidades e pela pluralidade das formas
de existência.
A espécie
humana, que alcançou uma capacidade tecnológica fantástica com as conquistas da
ciência, se viu ameaçada por um vírus invisível. A vida social foi afetada em todos
os níveis. A humanidade deve que parar literalmente. O impacto disso se notou
até mesmo nos controles dos fenômenos sísmicos. Cidades inteiras ficaram com
suas ruas vazias, o comércio fechado e escolas com aulas presenciais suspensas.
O mercado produtivo teve que encontrar meios de realizar o trabalho remoto
provocando grandes mudanças no cenário econômico.
A pandemia
atingiu também a igreja de modo muito direto. Religiosos foram afetados por
colocarem suas vidas em risco para cuidar de pessoas enfermas, mas também por
duvidarem e negarem as informações científicas a respeito da contaminação e das
medidas de prevenção. Igrejas tiveram que seguir os protocolos sanitários para suas
reuniões públicas. A grande maioria fechou seus espaços de culto durante muito
tempo para evitar aglomerações. Por conta disso, tiveram que encontrar outras
formas de conectar pessoas através de meios digitais para continuar servindo na
oração mútua, no aconselhamento, no estudo, na evangelização e até na adoração.
As famílias precisarem
redescobrir o valor da convivência em uma mesma casa. A exigência de ficar em
casa, a necessidade de se trabalhar de home
office e até o estudo remoto despertou a necessidade de se ressignificar os
espaços dentro do lar. O lazer, o entretenimento, o bate-papo e até as reuniões
em família tiveram que acontecer em outras modalidades. De repente, todos em
família precisarem aprender a respeitar e reconhecer o papel do outro e a usar as
novas tecnologias para construir relacionamentos.
A volta ao que
tínhamos como normalidade antes da pandemia não acontecerá de forma fácil. A
retomada do emprego, a recuperação dos conteúdos escolares, a reorganização das
atividades econômicas e até o retorno às atividades regulares da igreja não
acontecerão de forma imediata. Será necessário nos perguntarmos que tipo de
sociedade queremos ser após as perdas e os impactos causados pela pandemia. Não
podemos esquecer que o mundo que tínhamos anteriormente não era perfeito, nem
podemos deixar de levar em conta que famílias inteiras estão fragmentadas pelas
perdas de seus entes queridos, que colegas de trabalho e de turma faleceram ou ficaram
debilitados, que amigos se foram, que igrejas perderam seus membros e até seus
pastores.
Outras grandes
“pandemias” atingem o planeta. O aquecimento global ameaça a vida no planeta
com a morte de indivíduos de todas as espécies, inclusive seres humanos. A
desigualdade social atinge milhões de pessoas em todo o mundo que padecem por
causa de problemas sanitários, atendimento em saúde e fome em função da má
distribuição de renda e pela precariedade de políticas públicas para a
erradicação da miséria. A migração de comunidades inteiras que fogem da guerra,
da violência, da xenofobia, da seca, da fome e do desemprego tem levado a vida
de muitos que perecem em naufrágios e jornadas arriscadas.
Vencer a
pandemia da Covid-19 já se torna uma possibilidade em várias partes do mundo. O
desafio será encontrar respostas para as muitas outras ameaças à vida. O que
está presente nas discussões a respeito da vida na pós-pandemia é a necessidade
que todos nós temos de segurança. Precisamos nos cercar de atitudes que
restaurem o que há de mais humano em nós, que nos ajudem a viver de forma
civilizada no mundo, que nos conduza à construção de novos valores ligados à
solidariedade, à generosidade e à humildade.
Esse debate
deve conduzir cristãos a uma reflexão mais profunda sobre sua experiência de
fé. Que igreja teremos após a pandemia? Como será viver a fé cristã num mundo
com tantas fragilidades? Quais os valores que deverão orientar a missão de
cristãos e cristãs em suas comunidades? São questões que devem orientar novas
condutas, novos modos de ver o mundo e até novas formas de construirmos nossas
relações.
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