quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Solidariedade e esperança em meio ao caos / Solidarity and hope in the chaos / La solidaridad y la esperanza en medio del caos

Passei dois dias em Nova Friburgo após a tragédia que se abateu sobre a cidade, juntamente com Solange (Veja fotos no site da Orla Oceânica >>). Já se passavam seis dias do temporal e a buscar de corpos estava ainda longe de acabar. Até aquele momento, aquilo que tem sido considerado o maior acidente brasileiro ultrapassava a marca de 700 mortos em toda a região serrana. A decisão de ir foi rápida. Pastor Carlito me ligou no sábado à noite perguntado pela minha disponibilidade. Eu, que já tinha convocado os irmãos para levantar doações, coloquei-me a serviço prontamente.
O encontro foi combinado para segunda-feira, pela manhã, num mercado atacadista que fica no caminho para lá. Um grupo saiu da Primeira Igreja Batista de São José dos Campos para fazer o levantamento das necessidades a fim de que a igreja providenciasse as ações futuras. Pastor Tom, Max, Hyper e Miguel saíram bem cedo de sua cidade, enfrentaram a estrada para o Rio e chegaram em Niterói por volta das 11 horas. No mercado, o primeiro sinal de que Deus estava conosco. Nossa conversa sobre o que levar despertou a curiosidade de Carlos e da Suelita, moradores das redondezas, que vieram para fazer alguma coisa pelas vítimas das enchentes, mesmo sem nunca terem estado lá. Ouviram a conversa e perguntaram se podiam ajudar. Eles haviam comprado leite em pó, copos descartáveis e material de higiene pessoal. Juntamos aos alimentos que compramos, trocamos informações de contato, nos despedimos e seguimos para Nova Friburgo.
A viagem foi cercada de expectativa, não sabíamos o que nos esperava. Partimos em dois carros. Paramos em um posto para abastecer com o máximo de combustível e seguir para lá. Meu carro estava abarrotado de donativos, mal sobrava espaço para mim e Solange. Os irmãos da Orla Oceânica me surpreenderam com tanta generosidade. O Fernandes, sua esposa Carla e suas meninas Luísa e Joana, saíram de carro em busca de mais coisa. Até o Emilson e a esposa, que vieram para nos visitar pela manhã, se envolveram. Somos uma igreja bem pequena e iniciante, com um grupo de pouco mais de 15 pessoas. Isso para mim foi fantástico.
Nova Friburgo fica a duas horas de carro de Niterói. Chegamos lá por volta das três da tarde e o cenário foi o mesmo por toda a serra. Muita queda de barreira e desvios em meia pista. Ali também já dava para sentir o tráfego de caminhões de donativos que chegam de outras igrejas e de veículos pesados enviados por algumas prefeituras vizinhas para ajudar na limpeza. Quando nos aproximamos do centro da cidade, ficamos preocupados ao ver pessoas usando máscaras para se protegerem da poeira que havia. A gente já podia ver o que nos esperava: lixo e entulho por toda parte, ruas tomadas de lama e muitos pontos de deslizamento por todo lado.
A primeira parada foi na Igreja Batista Central. Encontramos uma igreja mobilizada para atender às pessoas que vinham em busca de água, roupas e alimentos. Descarregamos o meu carro ali. Só ficaram as fraldas descartáveis, que já tinham endereço certo. Além de levar os donativos – que não eram muitos diante de tanta carência –, nossa missão era de dar uma palavra de consolo e encorajamento às equipes de voluntários que estavam nas igrejas prestando auxílios às vítimas da enchente. Por isso que parar ali logo no começo foi importante para nós. Era um local estratégico para a logística da distribuição das doações. Ouvimos muitas histórias de perda e dor. Encontramos com o pastor Daniel, o executivo das igrejas batistas da região, que trabalhava incansavelmente para dar conta dos pedidos que chegavam a todo instante.
Oramos com aqueles irmãos e seguimos para a Comunidade Cristã, uma grande igreja que concentrou uma quantidade maior de doações de alimento e que, por causa disso, abastecia os helicópteros que levavam cestas básicas para as localidades sem acesso. Eles estavam ao lado de uma escola que servia de abrigo e ainda acolhiam 70 pessoas que perderam suas casas. A pastora Lyane nos informou de como estava o ânimo das equipes de voluntários depois de seis dias de luta e que a única coisa que lhes servia de ânimo era a esperança de que Deus iria proporcionar dias melhores. Reunimos a todos ali, o pastor Tom e eu demos uma palavra de encorajamento e o Miguel orou, com todos de mãos dadas. A esposa do pastor Herdy nos abraçou chorando, disse-nos que era a primeira vez, desde o início da tragédia, que alguém chegava até eles para orar e lhes dar uma palavra de ânimo. Ao sair, chegou mais um caminhão com doações e logo eu e toda a equipe fizemos uma corrente de solidariedade para descarregar os donativos.
Seguimos para o bairro de São Geraldo, que foi muito afetado pelas chuvas, onde se encontra a Quinta Igreja Batista. O pastor Alex tinha acabado de sair para mais atendimentos. Estava ali a irmã Mirian, liderando os voluntários que preparavam as cestas básicas. Ela nos disse que naquele momento as coisas estavam mais calmas. Nos primeiros dias, a igreja teve que servir como lugar para receber os corpos, ao mesmo tempo em que acolhia muitos desabrigados e os donativos que conseguiam chegar. Mesmo em meio ao caos, eles conseguiram colocar ordem até a chegada dos bombeiros, dois dias depois, que se surpreenderam com a forma de organização. A ajuda foi distribuída para outros pontos da localidade. Os desabrigados foram para uma igreja presbiteriana e a farmácia foi para uma igreja pentecostal. Na igreja batista ficou a distribuição dos donativos, cujo exemplo de organização foi levado para outros postos de distribuição. Nos reunimos para orar depois de ouvir tantas histórias de perdas. Cada pessoa que estava ali era um exemplo vivo de fé e coragem. Foi nessa hora que Mirian chorou e nos disse que ela também tinha perdido a sua casa e que estava ali por um milagre, com toda a sua família salva. Nossa única doação ali foram as fraldas descartáveis. Ao retornar para o centro da cidade, fomos informados que o caminho estava bloqueado. Moradores de uma comunidade carente em risco fecharam um ponto da estrada que ameaçava desabar. Mesmo assim seguimos viagem. No ponto onde havia sido feito o bloqueio, a polícia já tinha chegado fortemente armada. Um clima pesado de tensão tomou conta, mas conseguimos passar com tranquilidade sob a orientação da polícia. O lanche foi na charmosa padaria da cidade, que não tinha quase nada para vender. Retornamos à Igreja Batista Central e ali passamos a noite.
No dia seguinte, fomos à Segunda Igreja Batista onde funcionava o polo de distribuição das igrejas. Em conversa com o pastor Godói, uma ideia prevaleceu: o problema maior não são mais os desabrigados de hoje, mas o resultado social da tragédia. Alguma coisa já teria que ser pensada para as famílias que em poucos dias poderiam retornar para suas casas e para os pequenos empreendedores que perderam seus equipamentos de confecção. Nova Friburgo é um centro produtor de moda íntima. De cada quatro peças de roupa consumidas no Brasil, uma vem de lá. E a maioria é fabricada por autônomos. Muitos deles perderam seu meio de sustento. O que fazer? Quem sabe a formação de um fundo de amparo ao pequeno empreendedor? Só Deus para dar a direção.
Visitamos em seguida o bairro de Nova Suíça, onde se encontra a igreja do pastor Daniel. Ali a realidade é outra. A chuva não provocou grandes estragos, mas ali estava o resultado social da tragédia. Subimos de carro até uma comunidade controlada pelo tráfico. Chegamos até a casa da irmã que abriga uma frente missionária da igreja. Logo um pequeno grupo de pessoas nos cercou pensando que tínhamos donativos, mas entramos para a casa da irmã para conversar. As histórias lembravam o Ensaio sobre a cegueira, de Saramago. Soubemos que tiveram a ousadia de parar um caminhão do exército para saquear os donativos. Oramos e Solange deixou balas e biscoitos com a irmã para o lanche servido à tarde para as crianças do lugar. Ao descermos o morro, a polícia vinha escoltando uma pick-up com doação de água mineral.
Dali fomos para Sumidouro, cidade distante uns 70 quilômetros. Minha preocupação era encontrar com o pastor Benilton. Ele não estava, mas fomos recebidos pelo irmão Calil, presidente da Câmara Municipal. A chuva tinha deixado alguns mortos na zona rural e isolado algumas comunidades. O acesso era feito por helicópteros que faziam pouso e decolagem constantemente a partir do estádio municipal, próximo da igreja batista. Fizemos nossa refeição improvisada, oramos e voltamos para Nova Friburgo. A equipe ficou mais um pouco na Comunidade Cristã para passar a noite e ajudar no que fosse necessário. Eu e Solange voltamos para casa. Era tarde quando saímos dali, tínhamos o coração quebrantado por tanta dor que vimos e ouvimos. Para nós, resta apenas a certeza de que Deus está no controle dando forças para seguir adiante.

Um comentário:

  1. Parabéns para vocês pela atitude que eu havia criticado no dia 13/01/2011 (no meu blog http://seroquedevoser.blogspot.com/ intitulada de AJUDA REAL!!!. Pois não havia nenhum grande líder evangélico se manifestando, de modo concreto na ajuda. Vi muitos pedidos de oração, porém, ajuda digna daquele povo estava faltando.
    Acredito que estamos dando um grande exemplo para muitos de nossa fé. É hora de nos unir para ajudar o todo, independente de quem seja.
    Não vamos parar de ajudar este povo muito sofrido da região serrana do Rio de Janeiro, pois irão precisar de ajuda por um período considerado. Não podemos deixar cair no esquecimento esse feito.
    Meus parabéns mais uma vez.
    Rogério Alencar

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