Nós nos acostumamos a chamar os acontecimentos com dimensões catastróficas, dolorosos, acompanhados de muitas vítimas, diante dos quais nos sentimos impotentes, de tragédia. Na verdade, a palavra tragédia tem sua origem na Grécia antiga. Quer dizer literalmente “canto dos bodes”, talvez uma referência direta a Dionísio, o deus grego meio homem, meio bode, ou ao gemido desses animais quando vão para o sacrifício. O fato é que o trágico está ligado ao aniquilamento do ser, quando as coisas perdem sentido, quando a esperança se vai. Uma filosofia do trágico tem a ver com a reflexão sobre aquilo que provoca a calamidade e os resultados sobre a vida humana.
A tragédia se constituiu num gênero de drama entre os gregos. Por volta do século IV a.C., havia festivais e concursos para a apresentação dessas peças teatrais. Alguns autores se tornaram famosos, como Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Algumas de suas peças foram perpetuadas no tempo. Eram frutos de uma poética invejável, desenovolvida desde tempos remotos, com cânticos – ditirambos – dedicados a Dionísio, divindade grega ligada às orgias. Normalmente, representavam um conflito entre o herói e uma força superior, um esforço de superação de si e o desafio diante do sagrado, através do autoconhecimento.
A tragédia tornou-se uma inspiração para a filosofia platônica. Mas foi Aristóteles que desenvolveu um saber teórico a respeito dessa forma de arte, vendo nas representações o seu efeito catártico, a purgação da emoção dos espectadores. Para ele, a tragédia era uma forma elegante de tratar dos atos de grandeza do herói. Uma representação da vida – mimesis – que desperta a compaixão e o horror diante das terríveis dilacerações do herói trágico e o infortúnio que o destino lhe reserva. Com isso, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo de suas paixões – catarse.
A filosofia estoica também foi influenciada pela tragédia, que serviu para demonstrar os efeitos que a paixão humana provoca e a necessidade do cuidado de si. Sêneca se referiu a várias peças para tratar do desespero humano, principalmente daqueles que se deixam guiar por suas paixões, sem lhes impor limites.
Foi com a influência cristã que a tragédia perdeu sua força. Com a ascensão do cristianismo, a principal representação passou a ser a do drama da cruz, a fim de levar o homem à experiência do encontro com Deus. Nem mesmo o Novo Testamento emprega essa palavra. Foi só na Modernidade que se desenvolveu uma reflexão sobre o trágico. Até o século XVIII, a tragédia foi estudada como arte poética a partir da concepção aristotélica. Mas foi com Schelling, Hegel, Schopenhauer e Nietzsche que se pode elaborar uma filosofia do trágico, tendo como base o conteúdo da tragédia.
É possível perceber um aspecto ontológico na tragédia, uma vez que está relacionada com o ser em si, com a essência de nossas contradições e o conflito que é inerente ao homem. Com a Modernidade, principalmente no século XIX, passou-se a construir uma visão do trágico que faz parte de uma visão do mundo. Nietzsche trabalhou a questão do trágico e da tragédia ao deslocar o tema do campo poético para a filosofia como forma de pensamento que elabora uma visão trágica do mundo. Ele mesmo afirmou: “Sou o primeiro filósofo trágico; os próprios gregos ainda foram moralistas.”
Para Nietzsche, a visão trágica do mundo se constitui numa alternativa ética, uma afirmação integral da vida para além do bem e do mal. A natureza humana comporta em si mesma dois impulsos, os quais ele chama de apolíneo e dionisíaco, como ideais oníricos. O apolíneo tem a ver com a contemplação do mundo imaginado e sonhado como perfeita harmonia, de beleza. O dionisíaco, por sua vez, corresponde a uma exaltação do trágico, uma referência ao modo como Dionísio renasce da destruição. Segundo o mito, Dionísio foi esquartejado pelos Titãs após nascer. Atena resgatou o seu coração e o entregou a Zeus, seu pai, que o engoliu e o fez nascer de novo. O impulso dionisíaco é o que nos devolve a nossa natureza e nos leva ao aniquilamento do sonho, para dar lugar a um novo sonho. É a concepção ativa do devir. Essa é a ideia do trágico. Nem mesmo um herói é capaz de escapar desse conflito entre o que se quer e o que se pode. Por isso que, segundo Nietzsche, a tragédia nos deixa um “consolo metafísico [...] de que a vida, no fundo das coisas, apesar de toda a mudança das aparências fenomenais, é indescritivelmente poderosa, e cheia de alegria.”
A calamidade é tragédia porque ela nos lembra quem somos e nos devolve à nossa realidade. O mundo de beleza e harmonia construído pelo homem não é seguro. Nem mesmo o mais poderoso é capaz de resistir aos efeitos desastrosos de uma catástrofe. E é isso que nos leva a indagar quem somos e o que fazemos. Ela nos ajuda a pensar em nós mesmos e a buscar um cuidado de si. O trágico também nos ajuda a pensar no outro, a sentir a dor do outro e, com isso, purgar a nossa própria dor. É o que nos leva a ser solidários e somar forças para ajudar o outro na sua superação, porque também é a superação de nós mesmos. O trágico nos remete ainda a Deus, quando nos perguntamos por ele e buscamos nele forças para superar a perda e o sofrimento. É o que lembra que somos criaturas e não criador, que somos homens e não deuses, que temos um pai amoroso pronto para nos acolher com amor, sarar nossas feridas e nos dar forças para recomeçar.
No dia da calamidade, o convite dos Salmos ainda parece ser o melhor caminho: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; serei exaltado entre as nações; serei exaltado sobre a terra.” Salmos 46.10.
A tragédia se constituiu num gênero de drama entre os gregos. Por volta do século IV a.C., havia festivais e concursos para a apresentação dessas peças teatrais. Alguns autores se tornaram famosos, como Ésquilo, Sófocles e Eurípedes. Algumas de suas peças foram perpetuadas no tempo. Eram frutos de uma poética invejável, desenovolvida desde tempos remotos, com cânticos – ditirambos – dedicados a Dionísio, divindade grega ligada às orgias. Normalmente, representavam um conflito entre o herói e uma força superior, um esforço de superação de si e o desafio diante do sagrado, através do autoconhecimento.
A tragédia tornou-se uma inspiração para a filosofia platônica. Mas foi Aristóteles que desenvolveu um saber teórico a respeito dessa forma de arte, vendo nas representações o seu efeito catártico, a purgação da emoção dos espectadores. Para ele, a tragédia era uma forma elegante de tratar dos atos de grandeza do herói. Uma representação da vida – mimesis – que desperta a compaixão e o horror diante das terríveis dilacerações do herói trágico e o infortúnio que o destino lhe reserva. Com isso, o público deveria passar por uma espécie de exorcismo coletivo de suas paixões – catarse.
A filosofia estoica também foi influenciada pela tragédia, que serviu para demonstrar os efeitos que a paixão humana provoca e a necessidade do cuidado de si. Sêneca se referiu a várias peças para tratar do desespero humano, principalmente daqueles que se deixam guiar por suas paixões, sem lhes impor limites.
Foi com a influência cristã que a tragédia perdeu sua força. Com a ascensão do cristianismo, a principal representação passou a ser a do drama da cruz, a fim de levar o homem à experiência do encontro com Deus. Nem mesmo o Novo Testamento emprega essa palavra. Foi só na Modernidade que se desenvolveu uma reflexão sobre o trágico. Até o século XVIII, a tragédia foi estudada como arte poética a partir da concepção aristotélica. Mas foi com Schelling, Hegel, Schopenhauer e Nietzsche que se pode elaborar uma filosofia do trágico, tendo como base o conteúdo da tragédia.
É possível perceber um aspecto ontológico na tragédia, uma vez que está relacionada com o ser em si, com a essência de nossas contradições e o conflito que é inerente ao homem. Com a Modernidade, principalmente no século XIX, passou-se a construir uma visão do trágico que faz parte de uma visão do mundo. Nietzsche trabalhou a questão do trágico e da tragédia ao deslocar o tema do campo poético para a filosofia como forma de pensamento que elabora uma visão trágica do mundo. Ele mesmo afirmou: “Sou o primeiro filósofo trágico; os próprios gregos ainda foram moralistas.”
Para Nietzsche, a visão trágica do mundo se constitui numa alternativa ética, uma afirmação integral da vida para além do bem e do mal. A natureza humana comporta em si mesma dois impulsos, os quais ele chama de apolíneo e dionisíaco, como ideais oníricos. O apolíneo tem a ver com a contemplação do mundo imaginado e sonhado como perfeita harmonia, de beleza. O dionisíaco, por sua vez, corresponde a uma exaltação do trágico, uma referência ao modo como Dionísio renasce da destruição. Segundo o mito, Dionísio foi esquartejado pelos Titãs após nascer. Atena resgatou o seu coração e o entregou a Zeus, seu pai, que o engoliu e o fez nascer de novo. O impulso dionisíaco é o que nos devolve a nossa natureza e nos leva ao aniquilamento do sonho, para dar lugar a um novo sonho. É a concepção ativa do devir. Essa é a ideia do trágico. Nem mesmo um herói é capaz de escapar desse conflito entre o que se quer e o que se pode. Por isso que, segundo Nietzsche, a tragédia nos deixa um “consolo metafísico [...] de que a vida, no fundo das coisas, apesar de toda a mudança das aparências fenomenais, é indescritivelmente poderosa, e cheia de alegria.”
A calamidade é tragédia porque ela nos lembra quem somos e nos devolve à nossa realidade. O mundo de beleza e harmonia construído pelo homem não é seguro. Nem mesmo o mais poderoso é capaz de resistir aos efeitos desastrosos de uma catástrofe. E é isso que nos leva a indagar quem somos e o que fazemos. Ela nos ajuda a pensar em nós mesmos e a buscar um cuidado de si. O trágico também nos ajuda a pensar no outro, a sentir a dor do outro e, com isso, purgar a nossa própria dor. É o que nos leva a ser solidários e somar forças para ajudar o outro na sua superação, porque também é a superação de nós mesmos. O trágico nos remete ainda a Deus, quando nos perguntamos por ele e buscamos nele forças para superar a perda e o sofrimento. É o que lembra que somos criaturas e não criador, que somos homens e não deuses, que temos um pai amoroso pronto para nos acolher com amor, sarar nossas feridas e nos dar forças para recomeçar.
No dia da calamidade, o convite dos Salmos ainda parece ser o melhor caminho: “Aquietai-vos e sabei que eu sou Deus; serei exaltado entre as nações; serei exaltado sobre a terra.” Salmos 46.10.
É isso Irenio, para toda tragédia um pouco de Deus na Pessoa de Cristo! Amém!
ResponderExcluirAbraços
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