Novas
eleições se aproximam e a gente se surpreende, mais uma vez, com a prática dos
chamados votos de cabresto. Sob novas modalidades, claro. Mas não era para
haver surpresas, dado que já é uma prática antiga. Tão antiga quanto a
democracia. Então, por que a ideia de se cultivar “currais” eleitorais e a
compra de votos persiste numa sociedade que quer ser livre e autônoma?
Aristóteles,
um dos pensadores que formulou o princípio da liberdade política, na qual a
democracia tem sua base, entendeu que isso envolve um tipo de saber que nos
ajuda a agir visando a felicidade e o bem comum. Ele argumentou que todo o
regime político comporta desvios. Os regimes que ele conhecia em sua época
eram: a monarquia, a aristocracia e a politeia. Os desvios correspondentes a
esses regimes eram: a tirania, a oligarquia e a democracia, sendo este último
como “a pior das formas boas, mas a melhor entre as
variedades más”.
Norberto Bobbio, um dos críticos contemporâneos da democracia,
afirmou no livro Igualdade e liberdade
que “os cidadãos de um Estado democrático se tornam, através do sufrágio
universal, mais livres e mais iguais. Onde o direito de voto é restrito, os
excluídos são ao mesmo tempo menos iguais e menos livres.” Votar, por pior que
isso possa parecer, ainda é o modo pelo qual podemos exercer a nossa liberdade
na construção de uma sociedade mais justa.
Quando a gente toma conhecimento de atitudes que violam o direito
ao voto, isso soa como mais uma forma de violação das liberdades. Isso se
agrava ainda mais quando praticado por líderes religiosos, comunitários ou
mesmo do mercado. Nesses casos, tais práticas são marcadas por fisiologismo,
interesses escusos e até de manutenção de esquemas que sempre nutriram a corrupção
e desvios de dinheiro público.
Essas práticas estão presentes na sociedade através do discurso
que se dá popularmente sobre as eleições e o envolvimento com a política.
Tentei arrolar algumas das frases que muita gente anda dizendo e que trazem de
forma implícita uma tentativa de desviar o eleitor do exercício de liberdade na
hora de votar. Veja quais são:
1.
“O voto é meu e faço dele o que quiser.” O voto
não é seu. O voto é da sociedade. Ele não pode ser usado de acordo com a sua
vontade livre, mas para o bem comum. Vale lembrar que voto não tem preço. Tem
consequência. O que se chama hoje de vontade livre é marcado pelo
individualismo e pelo hedonismo, longe do sentido de comunidade. Votar
consciente faz parte do sentido de comunidade.
2. “Vou
anular o meu voto.” Anular o voto corresponde a um voto consciente a menos. Os
maus sabem se organizar para seus empreendimentos. Eles já têm os seus votos
garantidos. A única forma de frear os seus intentos é aumentar o número de
pessoas votando com consciência. Um voto anulado é apenas mais um que abriu mão
de sua responsabilidade de construir uma sociedade mais justa.
3. “Isso nunca
vai mudar.” A mudança é parte da nossa realidade. Estamos sempre mudando. O
problema é que pode ser para pior ou para melhor. Mudanças exigem esforço,
reflexão e escolhas. O momento do voto deve ser o resultado disso. Por isso, faça
um esforço prévio de conhecer o candidato, reflita criticamente sobre a
realidade que a sociedade vive e escolha o candidato que tem uma proposta de
trabalho que corresponda às mudanças que você deseja.
4. “Irmão
vota em irmão.” O cristão sincero não tem que votar em candidatos de sua
religião. Se você é um seguidor de Jesus Cristo, você deve votar em quem tem
compromisso com o sentido de justiça, compaixão, solidariedade e ética que o
evangelho propõe. Nem todo o que se diz irmão tem esse compromisso. E há
pessoas comprometidas com esses ideais que nem religiosas são.
5.
“Pior do que está não fica.” Pior do que está
é permanecer do mesmo jeito, com o mesmo quadro de desigualdade, de violência e
de maldade que estamos inseridos. Não haverá melhoria enquanto houver
continuidade do que sustenta a estrutura e a conjuntura atual.
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