A pergunta “quem é você?” é própria do contexto do
ocidente principalmente na modernidade. Aristóteles já havia definido o
princípio da identidade, em que “o que é, é”, o que se distingue do princípio da
contradição. O resultado será a afirmação do sujeito centrado em si mesmo do
pensamento moderno e a fragmentação do mesmo na pós-modernidade. A pergunta
remete ao conhecimento de si, como algo que precisa ser dissecado e analisado.
Fernando Pessoa define bem essa angústia que resulta dessa desintegração do
sujeito ao dizer: “Eu me vejo e estou sem mim, conheço-me e não sou eu [...]
começo a conhecer-me. Não existo.”
A primeira resposta a essa pergunta é que você é
uma pessoa. A palavra pessoa vem do latim persona,
que, por sua vez, corresponde ao grego prósopon.
Tem o sentido original relativo àquilo que aparece aos olhos, o que se pode
ver. É o mesmo que rosto, a face visível, o que o outro vê em nós ou a imagem
que o outro tem da gente. Isso vai além do aspecto estético e da aparência. Implica
as relações com o outro e consigo mesmo. Envolve a consciência com que são percebidos
e vivenciados os valores aceitos pela sociedade que estão presentes na cultura.
Como pessoas, somos dotados de liberdade e de
vontade, podemos fazer escolhas e agir conforme a nossa consciência. Porém, o
aspecto moral da nossa condição humana nos leva a ser confrontados com os
valores, as virtudes e as normas que existem na vida em companhia de outros. É isso
que estimula comportamentos e práticas tendo em vista o estabelecimento de
virtudes e sanções que definem o que é bem ou mal dentro da dinâmica da vida
social.
Somos o tempo todo marcados por um conflito entre
liberdade e responsabilidade. A nossa condição de liberdade é que nos permite
compreender e interpretar as circunstâncias vividas. Ao mesmo tempo, a nossa
condição de responsabilidade, nossas ações são determinadas a partir das
relações com o outro, que nos interpela com exigências e necessidades que
demandam escolhas e deliberações de aceitação ou rejeição. Esse outro é um
intruso que se manifesta como meu semelhante e compete comigo pela busca de
reconhecimento e autenticidade.
Jacques Lacan procurou esclarecer essa questão ao
afirmar que não há o eu sem o outro. As perguntas definidoras dessa relação: “quem
sou eu em relação ao outro?” e “quem é o outro diante de mim?” O eu e o outro
se confundem a ponto de dar lugar a outra indagação: “que garantia tenho de que
sou eu mesmo e não o outro?”
Como pessoas, representamos e interpretamos papéis.
Somos habilidosos nisso e é o que Nietzsche compreendeu como dissimulação. É a
representação como arte, que conduz o “parecer” ao “ser”. Sempre nos permitimos
nos enganar e a representar como atores de uma grande tragédia: a vida. “Se
alguém quer parecer algo, por muito tempo e obstinadamente, afinal lhe será
difícil ser outra coisa”, afirmou Nietzsche, lembrando da hipocrisia como a
arte grega da representação cênica.
Jesus tratou disso ao chamar as pessoas a um
exercício de análise de si, uma vez que não há como estar diante de Deus sem
que se seja o que é. Como um retorno a si, Jesus faz um apelo ao desejo de
tornar-se quem é, sem dissimulações. Isso implica um processo de autorrealização
que envolve a tomada de consciência de que se é um projeto inacabado, que a
vida é marcada por desencontros e que estamos num processo com muitos
recomeços. O convite “vinde a mim” é o apelo para essa conversão de si, de um
estado de engano e de sabotagem a uma vida em que se cultiva aquilo que se é,
do jeito que Deus criou para ser, tal como Jesus o foi.
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