Fim de ano e começo de
ano novo são sempre assim. Muitos desejos, muitos planos, porém pouca reflexão
sobre o que ficou para trás. Uma geração que aprendeu a valorizar o instante
vivido tem muita dificuldade em estabelecer metas para o futuro exatamente por
que tem dificuldade de olhar para seu passado de forma crítica. Isso é fazer
história, a história de sua própria vida.
Nesse exercício de
olhar criticamente para as marcas do que ficou, percebo que muitas vezes já
pensei em desistir. E fiz isso de fato. A minha história é feita de muitas
desistências. Muitos dos meus desejos ficaram no esquecimento, muitos planos
tiveram que ser cancelados, muitas metas foram refeitas para dar lugar ao que
se vive na realidade. E não tenho vergonha de ter pensado em desistir por
tantas vezes. A desistência, em certos casos, não é sinônimo de fracasso, mas
de amadurecimento.
O problema é que a
gente olha para o futuro como um lugar para onde estamos indo, em que nossas
escolhas, motivadas por sonhos e desejos, vão pavimentar o caminho até lá. Essa
é uma ideia cujo sentido se esvazia diante das contingências da vida, das
exigências do próprio caminhar, da necessidade de mudança que se faz como uma
constante.
Olhar para o futuro a
partir dos nossos desejos é um forte apelo para a angústia. Só dá para ter um
olhar para o futuro a partir da esperança. E quando a gente fala de esperança
no futuro, só dá para ter sentido quando ela está vinculada à fé. Quando se olha
para o futuro apenas a partir dos nossos desejos, isso gera frustração. É o
futuro visto como um fim em si mesmo. Quando se olha para o futuro a partir da
esperança que brota da fé, isso muda nossas perspectivas. Isso é assim porque a
vida de fé é uma imersão na história, ampliando horizontes, mobilizando a vida
toda como abertura rumo ao novo, ao desconhecido, um convite a experimentar
sempre um novo início.
Por que, então,
alimentamos tantos desejos? Já reparou como são os desejos para um ano novo feliz?
“Muito dinheiro no bolso, saúde pra dar e vender”. Tem gente que deseja fazer
um novo curso, mudar de vida, acertar na mega-sena da virada, encontrar um novo
amor, emagrecer. E a gente nota que desejar essas coisas de sempre envolve um
processo mais complexo do que se imagina.
Os epicuristas
afirmavam que só se pode desejar aquilo que já se tem. Platão dizia que o
desejo é sempre uma questão de carência. Para
Aristóteles, corajoso é aquele que vence seus desejos, pois a maior virtude e
vencer a si mesmo. Na verdade, os desejos têm a ver com
uma representação do que se considera como meio de satisfação, de realização,
de alívio das tensões de suprimento de uma carência.
A palavra “desejo” tem
origem em desiderare, que significa deixar de olhar os astros. É um
despojar-se, uma perda que impulsiona uma tomada de decisão. Como já não é
possível guiar-se pelos astros, toma-se a decisão de guiar-se por si mesmo. O
desejo, então, comporta em si mesmo uma ambiguidade. É uma potência de decidir
quando se reconhece carente.
Para Santo Agostinho,
desejo é transgressão, é autorrealização, é querer a si mesmo, deixando Deus do
lado de fora. Entretanto, para Espinosa, desejo é conatus, força de
existir, movimento que nasce das relações entre seres que sofrem afecções. Ter
desejos é sinal de humanidade. Ele esconde uma vitalidade que aspira o
mistério, que só se encontra pela fé. Pior do que ter desejos é não ter
desejos. Como diria Nietzsche, “o homem prefere querer o nada a não querer”.
Quero arriscar um
desejo para o ano novo. Ele não é propriamente meu, mas que o torno parte da
minha consciência. Ele está na Bíblia. É o desejo que alimentemos a esperança
de um futuro de alegria e paz. Se você preferir a Bíblia, então leia: “Que o Deus da esperança os encha de
toda alegria e paz, por sua confiança nele, para que vocês transbordem de
esperança, pelo poder do Espírito Santo.” Romanos 15.13.
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