“Assim
como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo.” João 17.18
A Bíblia aponta para o fato de que a
vida humana é transitória, uma passagem de um realidade limitada para uma outra
que é do campo da promessa divina, onde reside a nossa esperança. Os heróis da fé
são aqueles que viveram essa experiência de transição. Eles estavam em busca de
uma pátria perfeita. Se tivessem olhado para trás e para as circunstâncias
vividas, teriam desistido e retornado. Mas, “em vez disso, esperavam eles
uma pátria melhor, isto é, a pátria celestial. [...]” (Hebreus 11.16).
Meus
antigos pastores ensinavam que o cristão é “um cidadão de duas pátrias”. Uma,
terrena, na qual vivemos de forma limitada, em meio a lutas e sofrimento; a
outra distante, no além, celeste, onde desfrutaremos as promessas divinas. Uma presente
e outra futura. Alguns podem até encontrar nessa explicação para a negação e
até a fuga do mundo. Ao contrário, a noção de uma pátria terrena e outra futura
traz em si o chamado a uma ruptura com as circunstâncias que nos prende a um
estado de conformação com o mundo.
Essa
forma de compreensão dá lugar à ideia de que a pátria futura é onde se
encontram todos os nossos desejos e aspirações, assim como comporta a ideia de
que a pátria terrena é lugar de construção, onde treinamos aqui o que sonhamos
ter plenamente lá. É a nossa utopia e é para lá que caminhamos.
Isso quer
dizer que, se almejamos a justiça, já temos aqui a oportunidade de exercitá-la.
Se almejamos paz, já podemos promovê-la aqui. Se almejamos a verdade, já a
buscamos aqui. Se desejamos o amor, já podemos praticá-lo aqui. Trata-se,
portanto, de uma relação dialética em que já podemos experimentar aqui tudo o
que ainda não alcançamos de forma plena visto que se apresentam a nós como
aspiração e como promessa.
O céu não
é um lugar de fuga, mas é onde depositamos nossa esperança de realização. O
cuidado com a cidade terrena é a antecipação dos valores, ainda que
provisoriamente, que acreditamos encontrar no céu plenamente. No céu está a
promessa, no presente está a realização histórica de forma concreta.
Santo Agostinho,
em A Cidade de Deus, afirma que “dois amores erigiram duas cidades, Babilônia e Jerusalém: aquela é o
amor de si até ao desprezo de Deus; esta, o amor de Deus até ao desprezo de
si”. Ao empregar
um nome bíblico a essas cidades, isso remete ao fato de que Babilônia significa
“lugar de confusão” e Jerusalém, “a visão da paz”. A relação entre essas duas
cidades se confundem, visto que na primeira reside um sentimento egoísta, mas a
segunda chama a uma abertura para Deus e o outro.
Os gregos antigos tinham uma compreensão interessante sobre a política.
Eles acreditavam que era na política onde poderiam construir um caminho para a
felicidade. Para tanto, toda pessoa deveria se ocupar de três coisas: o cuidado
de si, o cuidado da casa e o cuidado da cidade. A política é a arte de cuidar
da cidade como realização humana – a palavra “polis” em grego significa cidade.
Sem esse cuidado, todos os outros estariam comprometidos.
Jesus se preocupou em orientar a ação de
seus discípulos dentro de uma perspectiva histórica e, por essa razão,
política, no sentido de se buscar uma vida que assume a sua relação com o
mundo. Ele disse: “Sejam misericordiosos”,
“Busquem a justiça” e “Promovam a paz”. São esses exercícios, como
práticas de interdições no mundo, que podem fazer com que a mensagem do
evangelho promova a transformação e traga a libertação de todas as formas de
opressão que a vida terrena oferece.
Trazendo essa proposta para os dias
atuais, surge a pergunta: quais seriam as práticas no âmbito da política que
poderiam ser adequadas a uma conduta cristã no mundo? Ouso apontar algumas:
a) Faça a sua parte. Coloque em prática
tudo aquilo que você entende, à luz dos ensinamentos bíblicos, como correto,
justo e bom.
b) Seja produtivo. Trabalhe, produza
riqueza e bens não no sentido de ter para si, mas que permita o bem comum.
c) Estude. Procure informar-se,
atualizar-se e compreender os modos como se dão os regimes de poder em vigor.
d) Seja solidário. Lembre-se que estamos
todos no mesmo barco. Se ele afundar, naufragaremos todos.
e) Esteja ao lado dos mais vulneráveis.
Os poderosos não precisam de apoio.
Não importa a ideologia política, o
evangelho é um chamado a que todos tomemos parte das ações que podem
transformar as condições de vida que estão sob ameaça no mundo. Estar comprometido
com a melhoria da vida de todos é o que há de mais cristão.
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