Estamos assistindo, nestes
últimos dias, ao agravamento de uma crise política que afeta a vida de todos os
brasileiros. Crise essa que envolve a articulação de forças e o exercício do
poder no Brasil.
O quadro de polarização a que se
chegou cria grupos opostos que se hostilizam, além de provocar um clima de
instabilidade na convivência das famílias, dos grupos sociais, em escolas,
prestação de serviços e até em grupos religiosos.
Essa polarização é alimentada
por atores que têm a responsabilidade de gerenciar os fatos ligados à vida
pública. De um lado, vemos a atuação de forças conservadoras, formada pelos que
detém o controle dos meios de produção e de informação, que sempre dominaram o
cenário político, firmados em um desejo – que é legítimo – de buscar o
desenvolvimento voltado para o lucro e o ganho de capital.
De outro lado, vemos a atuação
de segmentos mais progressistas, representados por forças de esquerda, que
defendem uma perspectiva de desenvolvimento calcado na melhoria das condições
de vida – que também é legítimo –, acessível a todos e voltada para as reformas
sociais que visam corrigir as desigualdades econômicas entre os brasileiros.
Essa polarização não é nova. Ela
acompanha a formação do estado brasileiro desde a instalação do regime
republicano, que já nasceu com o fim de fortalecer os setores ligados aos meios
de produção predominantes, que na época se concentravam na cultura do café e na
pecuária. Essa polarização passa ainda pela formação da mentalidade industrial
e urbana que influenciou a república brasileira a partir da década de 1930.
Para que essa mentalidade se consolidasse, foi preciso enfrentar um longo
processo de conquistas trabalhistas e de configuração do espaço urbano que
reflete claramente hoje os polos opostos. Um processo que ainda se encontra em
curso.
Esse processo tem acontecido de
forma lenta, visto que exige investimentos e ações que esbarram nessa
polarização, o que tem impedido o avanço de políticas públicas ligadas às necessidades
das pessoas menos favorecidas, como a habitação, a terra para produzir
alimentos, o saneamento básico, a educação, a saúde, a previdência, a geração
de emprego e a distribuição de renda.
Depois de um período longo de
ditadura, o Brasil estabeleceu o Estado Democrático de Direito, de tal modo que
já são 24 anos – desde o impeachment do presidente Collor, o primeiro de toda a
América Latina – de conquistas democráticas. Nesse período, observou-se um
conjunto acentuado de conquistas sociais, com a ampliação do nível de emprego,
o controle da inflação e a diminuição da miséria. São conquistas alcançadas a
partir da luta em favor da democracia.
A defesa da democracia é o único
modo através do qual podemos ver direitos respeitados, conquistas sociais
consolidadas e a liberdade garantida. O que temos assistido é um retrocesso aos
tempos em que havia uma prática política voltada para interesses de
determinados setores dominantes, marcada por articulações e tramas que visavam
chegar ao poder por meio de um golpe. A tentativa de usar um expediente legal
sem base jurídica por lideranças envolvidas em denúncias de corrupção é, no
mínimo, uma atitude suspeita.
Nesta hora, é preciso uma tomada
de consciência crítica que seja capaz de reconhecer as conquistas atuais, mas
também de que seja capaz de constatar que ainda conservamos na sociedade
resquícios de um tempo marcado por uma política de apadrinhamentos, pela busca do
poder por outras vias diferentes do voto, pela prática de conchavos e
facilitações com o uso do dinheiro público.
Nesse momento crucial de nossa
história, é preciso que se posicione de forma a se distanciar de tal
polarização, independentemente da consciência ideológica que se defenda, a fim
de encontrar um equilíbrio.
É hora de se lutar pelo respeito
ao voto com a convicção de que este deve ser sempre o único caminho para que se
tenha acesso ao poder. É hora de enfatizar o Estado Democrático de Direito,
com o emprego justo e correto dos instrumentos legais para a garantia do
exercício independente dos poderes constituídos. É hora de defender e apoiar a
investigação dos crimes cometidos contra a coisa pública tendo em vista o
desmantelamento dos esquemas que sempre favoreceram a corrupção. É hora de
defender o direito à livre manifestação e à liberdade de opinião por um Brasil
mais justo, não importa o lado em que se encontre. É hora de haver entendimento
entre os poderes constituídos a fim de que seja possível o diálogo e a
construção de soluções para a grave crise econômica que atinge diretamente à
classe trabalhadora.
É preciso fazer um apelo à
consciência dos cidadãos de bem, para que haja bom senso e discernimento neste
momento. Que o diálogo seja possível em lugar das expressões de ofensa, preconceito
e ódio. É preciso fazer um apelo ainda a que, independente de crença ou
ideologia, se estabeleça um movimento de intercessão pela superação daquilo que
nos aflige como povo e nação. Aos não religiosos, que promovam uma mentalidade
voltada para a promoção da paz e o bem comum como ideais maiores. Aos
religiosos, que invoquem a bênção divina sobre mentes e corações para que a
concórdia prevaleça, tendo em vista os mesmos ideais.
Nesse quadro de crise que nos
encontramos, somos todos brasileiros, estamos no mesmo barco. Se fracassarmos
naquilo que há de mais nobre em nós, que é a capacidade de refletir e de agir
com bom senso, todos sofreremos as consequências.
Nenhum comentário:
Postar um comentário