quarta-feira, 30 de março de 2016

Carta aos brasileiros: crise, impeachment e democracia / Crisis, impeachment and democracy / Crisis, impeachment y la democracia

Estamos assistindo, nestes últimos dias, ao agravamento de uma crise política que afeta a vida de todos os brasileiros. Crise essa que envolve a articulação de forças e o exercício do poder no Brasil.
O quadro de polarização a que se chegou cria grupos opostos que se hostilizam, além de provocar um clima de instabilidade na convivência das famílias, dos grupos sociais, em escolas, prestação de serviços e até em grupos religiosos.
Essa polarização é alimentada por atores que têm a responsabilidade de gerenciar os fatos ligados à vida pública. De um lado, vemos a atuação de forças conservadoras, formada pelos que detém o controle dos meios de produção e de informação, que sempre dominaram o cenário político, firmados em um desejo – que é legítimo – de buscar o desenvolvimento voltado para o lucro e o ganho de capital.
De outro lado, vemos a atuação de segmentos mais progressistas, representados por forças de esquerda, que defendem uma perspectiva de desenvolvimento calcado na melhoria das condições de vida – que também é legítimo –, acessível a todos e voltada para as reformas sociais que visam corrigir as desigualdades econômicas entre os brasileiros.
Essa polarização não é nova. Ela acompanha a formação do estado brasileiro desde a instalação do regime republicano, que já nasceu com o fim de fortalecer os setores ligados aos meios de produção predominantes, que na época se concentravam na cultura do café e na pecuária. Essa polarização passa ainda pela formação da mentalidade industrial e urbana que influenciou a república brasileira a partir da década de 1930. Para que essa mentalidade se consolidasse, foi preciso enfrentar um longo processo de conquistas trabalhistas e de configuração do espaço urbano que reflete claramente hoje os polos opostos. Um processo que ainda se encontra em curso.
Esse processo tem acontecido de forma lenta, visto que exige investimentos e ações que esbarram nessa polarização, o que tem impedido o avanço de políticas públicas ligadas às necessidades das pessoas menos favorecidas, como a habitação, a terra para produzir alimentos, o saneamento básico, a educação, a saúde, a previdência, a geração de emprego e a distribuição de renda.
Depois de um período longo de ditadura, o Brasil estabeleceu o Estado Democrático de Direito, de tal modo que já são 24 anos – desde o impeachment do presidente Collor, o primeiro de toda a América Latina – de conquistas democráticas. Nesse período, observou-se um conjunto acentuado de conquistas sociais, com a ampliação do nível de emprego, o controle da inflação e a diminuição da miséria. São conquistas alcançadas a partir da luta em favor da democracia.
A defesa da democracia é o único modo através do qual podemos ver direitos respeitados, conquistas sociais consolidadas e a liberdade garantida. O que temos assistido é um retrocesso aos tempos em que havia uma prática política voltada para interesses de determinados setores dominantes, marcada por articulações e tramas que visavam chegar ao poder por meio de um golpe. A tentativa de usar um expediente legal sem base jurídica por lideranças envolvidas em denúncias de corrupção é, no mínimo, uma atitude suspeita.
Nesta hora, é preciso uma tomada de consciência crítica que seja capaz de reconhecer as conquistas atuais, mas também de que seja capaz de constatar que ainda conservamos na sociedade resquícios de um tempo marcado por uma política de apadrinhamentos, pela busca do poder por outras vias diferentes do voto, pela prática de conchavos e facilitações com o uso do dinheiro público.
Nesse momento crucial de nossa história, é preciso que se posicione de forma a se distanciar de tal polarização, independentemente da consciência ideológica que se defenda, a fim de encontrar um equilíbrio.
É hora de se lutar pelo respeito ao voto com a convicção de que este deve ser sempre o único caminho para que se tenha acesso ao poder. É hora de enfatizar o Estado Democrático de Direito, com o emprego justo e correto dos instrumentos legais para a garantia do exercício independente dos poderes constituídos. É hora de defender e apoiar a investigação dos crimes cometidos contra a coisa pública tendo em vista o desmantelamento dos esquemas que sempre favoreceram a corrupção. É hora de defender o direito à livre manifestação e à liberdade de opinião por um Brasil mais justo, não importa o lado em que se encontre. É hora de haver entendimento entre os poderes constituídos a fim de que seja possível o diálogo e a construção de soluções para a grave crise econômica que atinge diretamente à classe trabalhadora.
É preciso fazer um apelo à consciência dos cidadãos de bem, para que haja bom senso e discernimento neste momento. Que o diálogo seja possível em lugar das expressões de ofensa, preconceito e ódio. É preciso fazer um apelo ainda a que, independente de crença ou ideologia, se estabeleça um movimento de intercessão pela superação daquilo que nos aflige como povo e nação. Aos não religiosos, que promovam uma mentalidade voltada para a promoção da paz e o bem comum como ideais maiores. Aos religiosos, que invoquem a bênção divina sobre mentes e corações para que a concórdia prevaleça, tendo em vista os mesmos ideais.
Nesse quadro de crise que nos encontramos, somos todos brasileiros, estamos no mesmo barco. Se fracassarmos naquilo que há de mais nobre em nós, que é a capacidade de refletir e de agir com bom senso, todos sofreremos as consequências.

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