sábado, 14 de outubro de 2017

Sacerdócio universal dos crentes / Universal Priesthood of Believers / Sacerdocio universal de los creyentes

Mas vós sereis chamados sacerdotes do Senhor, e vos chamarão ministros de nosso Deus [...]” (Isaías 61.6).
O sacerdócio universal de todos os crentes é um dos mais caros princípios da Reforma Protestante. É uma espécie de confrontação com a divisão que o cristianismo ocidental havia construído na Idade Média de separação entre clérigos e leigos no interior da igreja.
Esse princípio se baseia na descoberta de que a Bíblia apresenta Jesus como o grande sacerdote, o único mediador entre Deus e os homens. E a mesma Bíblia também diz que todos aqueles que seguem a Jesus em fé e praticam seus ensinos partilham do seu sacerdócio. A Bíblia diz: Mas vós sois [...] o sacerdócio real (1 Pedro 2.9) e e nos fez reino, sacerdotes para Deus(Apocalipse 1.6).
O Novo Testamento não fala de uma ordem sacerdotal para a igreja. Ela ficou restrita ao templo judaico. O clericalismo é um dos maiores equívocos desenvolvidos pela cristandade. Foi Tertuliano, no final do século II, que se referiu aos líderes da igreja pela primeira vez como “sacerdotes”. Eram eles que tinham o dever de ofício de ministrar a eucaristia como um sacrifício.
Ao analisar as implicações da justificação pela fé e a graça salvadora, Lutero aprofundou sua compreensão de que a salvação não é um mérito humano, mas um dom divino a todo aquele que acolhe a obra de Cristo consumada na cruz. Essa graça é libertadora de todo pecado, do medo da morte e da condenação eterna, como também expressa a justiça divina sobre toda a criação. Isso confere uma condição de plena liberdade ao que crê.
Numa obra de 1520, intitulada A liberdade do cristão, Lutero afirmou que “somos sacerdotes; isto é muito mais que ser reis, porque o sacerdócio nos torna dignos de aparecer diante de Deus e rogar pelos outros”. E disse mais: “Tu perguntas: ‘Que diferença haveria entre os sacerdotes e os leigos na cristandade, se todos são sacerdotes?’ A resposta é: as palavras ‘sacerdote’, ‘cura’, ‘religioso’ e outras semelhantes foram injustamente retiradas do meio do povo comum, passando a ser usadas por um pequeno número de pessoas denominadas agora ‘clero.’ A Escritura Sagrada distingue apenas entre os doutos e os consagrados, chamando-os de ministros, servos e administradores, que devem pregar aos outros a Cristo, a fé e a liberdade cristã. Já que, embora sejamos todos igualmente sacerdotes, nem todos podem servir, administrar e pregar.”
Embora seja uma ideia revolucionária para o seu tempo (o século XVI), o princípio do sacerdócio universal traz em si algumas implicações que precisam ser levadas em consideração hoje. Alguns o veem como a base do individualismo evangélico e outros o consideram como uma expressão da ideia da autonomia do sujeito trazida pela racionalidade moderna, já presente no pensamento da Reforma Protestante. Mas há algo mais.
Primeiramente, o fato de que os cristãos em geral são sacerdotes se constitui em um privilégio, e não uma exclusividade. Por sermos sacerdotes, temos acesso a Deus com liberdade, mas isso não nos faz melhores ou piores do que as demais pessoas. Isso deve despertar em nós ma espiritualidade mais humanizadora.
Em segundo lugar, o sacerdócio universal tem uma dimensão comunitária. Não somos sacerdotes de nós mesmos. Somos sacerdotes uns dos outros. Ninguém pode ser cristão sozinho. Formamos a communio sanctorum – a comunhão dos santos. A Bíblia nos ensina que o Espírito Santo capacita a todos com dons a fim de que possam ministrar uns aos outros a graça recebida.
Em terceiro lugar, todos os crentes – inclusive pastores e ministros – são leigos. A palavra não se refere a uma pessoa indouta ou desconhecedora. Ela deriva do grego laós, que quer dizer povo. Somos todos participantes do povo de Deus. E, mais do que isso, acolhidos como filhos do mesmo pai. Isso não impede que haja liderança e liderados, apenas lembra que o papel do líder é servir aos demais.
Toda vez que algum líder religioso se arvora com uma autoridade sobre os demais seguidores da fé, o princípio do sacerdócio universal é vilipendiado. O Senhor não colocou na igreja uns com poderes superiores a outros, nem mesmo uns com autoridade sobre os demais. Antes, a vida de fé deve ser desfrutada de forma harmoniosa entre todos aqueles que comungam da mesma graça.

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