Quando se fala em salvação, três
modos de abordagem vêm à tona. O primeiro se refere ao bem-estar, àquilo que proporciona
prazer e felicidade, às condições de realização e satisfação da pessoa. O segundo
está ligado à libertação, à emancipação do sujeito, às formas em que a liberdade
se concretiza em meio à dinâmica da vida social, ao superar a opressão, a dominação
e a exploração. Já o terceiro é voltado a uma retomada de algo que se perdeu no
passado, a um resgate de uma certa condição perdida por causa de rupturas históricas
ou mesmo de escolhas malsucedidas em algum momento que fizeram com que a
trajetória da vida perdesse seu rumo.
Dessa forma, falar de salvação,
de um modo geral, tem a ver com o bem-estar, com a libertação e com a
restauração do ser humano. E esse cuidado com a salvação está presente em todos
os discursos religiosos na medida em que se buscam caminhos para a construção
relações que proporcionem a dignidade e o valor do ser humano. Entretanto, o modo
como a fé cristã trata o tema de salvação extrapola a dimensão discursiva
presente no fenômeno religioso. A salvação, para o cristianismo, está centrada
na pessoa, obra e ensino do Cristo.
O cristianismo sempre tratou da
salvação como um tema norteador de sua teologia. Ora com um viés moral, ora com
uma preocupação existencial, mas sempre centrada na pessoa de Cristo. Como
argumento moral, a salvação sempre se referiu a uma espiritualidade como fuga
do mundo, como um despojar-se das paixões terrenas tendo em vista a vida futura,
como um “negue-se a si mesmo”. A vida presente é tratada como um ensaio para a
eternidade. Já como uma preocupação existencial, a salvação tem a ver com a abertura
para Deus no sentido de uma comunhão que se reflete no modo como realizamos
nossa vida no mundo, expresso pelo convite amoroso do “vinde a mim”.
O que é a salvação, afinal? O
que significa ser salvo? Somos salvos de quê e para quê? São questões
fundamentais para refletirmos sobre nossa própria condição humana que não
comportam respostas simples. Poderíamos afirmar, em princípio, que a salvação é
a condição de comunhão do homem com Deus e consigo mesmo. Que ser salvo
significa ser o humano que se é diante de Deus que sabe quem somos e diante do
outro que nos interpela constantemente. E que somos salvos de nós mesmos, de
nossa própria perdição, para realizarmos o projeto divino da vida em comunhão
com Deus e com os outros.
Proponho aqui três eixos para
pensar o tema da salvação: a criação, o pecado e o amor. A salvação como
realização do projeto divino de comunhão do homem com Deus, consigo mesmo e com
o outro é algo que se dá historicamente, de forma concreta, dentro da esfera da
realidade humana, propondo transformações e conduzindo a uma realização plena
em Cristo. A salvação não se dá fora deste mundo, mas dentro das condições
intramundanas em que estão em questão quem somos, o que fazemos e como nos
relacionamos.
No eixo da criação, é preciso
rever o modo como podemos compreender o ato criador, não a partir de uma origem,
mas como um projeto salvífico. A Bíblia sempre apresenta a Deus, e o exalta
assim, como criador e salvador. A criação não é um momento estanque da
história. O mesmo que cria natureza e o humano é aquele que está presente e se
manifesta historicamente em meio às relações do homem em seu contexto. O
criador salva porque ele não está de fora da história. Entretanto, sua presença
não é a de um demiurgo, mas como salvador.
No eixo do pecado, não podemos ignorar
o fato de que se trata também de uma realidade histórica, como ruptura de
nossas relações com Deus, conosco, com o outro e com a natureza. O pecado não é
uma mera falta pessoal, não é simplesmente um “errar o alvo” como se tivéssemos
deliberadamente escapado de um roteiro pré-estabelecido. O pecado tem mais a
ver com a nossa condição humana de romper com nossas relações para dar lugar a
uma atitude egoísta, em vez de solidária; a uma visão individualista do mundo,
em vez de comunitária; a uma perspectiva imediatista, em lugar da esperança; a uma
postura acumuladora, em vez de generosa; à competição, em vez de compaixão; ao
ódio, em vez de misericórdia. O pecado, dessa forma, se dá tanto em nível
pessoal como social. É o que nos impede de realizarmos nossa humanidade a
partir de nossa própria realidade cotidiana, da maneira como nos conduzimos
como pessoas no mundo. O gesto salvífico de Deus está em nos alcançar em meio
às consequências do pecado em na vida humana de forma integral, alcançando o
homem todo e em todas as suas relações.
No eixo do amor, encontramos as
narrativas da revelação de Deus na pessoa histórica de Jesus Cristo. Ele é o Salvador
porque encarnou o projeto salvífico de Deus na sua própria pessoa. Fora desse
amor encarnado não há salvação. Não se trata de uma afirmação exclusivista da
salvação, mas de entender que, independentemente do credo religioso que se
professa, da cultura ou da condição sócio-histórica, Jesus Cristo assumiu em si
mesmo as contradições humanas e apontou o caminho da salvação, que é viver como
ele viveu, ser um com ele, assumir a cruz e segui-lo.
Se entendermos a criação como
parte do projeto divino, podemos dizer que o mundo vale a pena. Se entendermos
o pecado como uma ruptura de nossa humanidade, compreendemos como a maldade nos
corrompe e o quanto ela afeta o cuidado divino sobre nós. Se entendermos a
pessoa de Jesus Cristo como realização histórica do amor divino, podemos
avaliar o quanto a salvação é um bem precioso. É possível, então, dizer como os
apóstolos: “Não há salvação em nenhum
outro...” (Atos 4.12).
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