Os evangelistas
registraram duas formas de compreender o nascimento de Jesus, uma representada
pela atitude de Herodes e outra que se manifesta na reação dos pastores. São
dois episódios que refletem de forma muito presente a maneira como celebramos até
hoje o Natal, uma voltada para nossos interesses individuais e a outra que
expressa nosso sentido de humanidade.
No primeiro
episódio, Herodes é o protagonista. Ele recebe a informação de que um tal “rei dos
judeus” havia nascido em seus domínios. Ser rei dos judeus não dizia respeito a
um título nobre. Afinal, a nação chamava-se Israel, e o rei de Israel era o
próprio Herodes. A referência aos judeus, porém, despertava um sentimento mais
popular, que reivindicava o desejo de liberdade e de conquistas de direitos.
Além do mais, a notícia veio de visitantes ilustres, homens portadores de uma
nobreza diferente, que se expressava por meio do entendimento, da mística e do
apego ao sagrado. Eram os magos do oriente, que vieram guiados por uma estrela
para conhecer o Deus que se fez menino.
A atitude de Herodes
foi de arrogância. Ele queria encontrar Jesus para demonstrar-lhe seu poder. É a
celebração da ostentação, do orgulho, da vaidade. É o Natal da aparência que
esconde nossa própria miséria humana. Natal em que o nascimento de Jesus é
apenas pretexto para dar lugar à manutenção das condições que sustentam uma
certa condição social. Natal que disfarça a injustiça, a desigualdade, a
dominação, a opressão e até a exploração com ares de confraternização, trocas
de presentes, ações caridosas e banquetes requintados.
No segundo
episódio, os pastores são os protagonistas. Homens simples, dedicados ao
trabalho rural, acostumados ao cuidado com a terra e com a criação. Eles também
são visitados por pessoas especiais, só que anjos que entoam uma canção de
esperança, com o anúncio da chegada do Salvador. Eles são tomados por uma
espiritualidade envolvente, de um sentimento de deslumbramento diante da beleza
do coro de vozes celestiais e a proclamação da boa notícia da forma como Deus
visitava a humanidade. Eles correram para o local do nascimento, uma humilde
estrebaria, tão humilde como eles eram, para celebrar aquele acontecimento
único na história.
Os pastores não
celebraram com festa, presentes, abraços ou votos de felicidades. Eles contaram
o que viram e disseram o quanto estavam felizes por encontrarem Jesus ali entre
eles, como um deles. É o Natal da comunhão, da solidariedade, do encontro. É a
celebração que contagia a todos, que exalta o privilégio que temos de ser
visitados pelo Senhor, de nos sentirmos cuidados por Deus por estarmos juntos,
de sermos encorajados por termos uns aos outros.
Duas formas de
celebrar o Natal. Uma, como entretenimento; outra, como realização humana. Na
primeira, tentativas de preenchermos nosso vazio com as coisas que a gente acha
que poderia proporcionar alguma satisfação. Passada a noite de Natal, tudo
volta a ser como antes. Na segunda, a alegria da descoberta que um outro modo
de ser gente é possível, que se dá por meio de uma espiritualidade autêntica,
em que o outro está incluído, que deseja libertação. Passada a noite de Natal, essa
alegria perdura e nos motiva a buscarmos juntos um mundo mais justo.
Feliz Natal, como
o dos pastores.
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