quinta-feira, 18 de julho de 2019

Fidelidade / Faithfulness / Fidelidad


O tema da fidelidade faz falta nesses tempos líquidos. A fidelidade é a qualidade daquele que é fiel. E pessoas fiéis a seus princípios, valores e planos são raras atualmente. A palavra tem origem no latim fides, que poderia significar tanto algo que é digno de confiança quanto a adesão de alguém a um princípio religioso ou a uma crença. Trata-se da virtude necessária para desenvolver relacionamentos, mas também para caracterizar uma conduta que dá sustentação para realizar negócios e até para construir planos futuros.
Muitos confundem com lealdade, com bom caráter e até com um modo religioso de ser. Porém, fidelidade é mais do que é isso. Para o filósofo Andrés Comte Sponville, aquela pessoa que é portadora dessa grande virtude é alguém em primeiro lugar fiel a si mesmo. “O espírito fiel é o próprio espírito”, diz ele. A fidelidade nunca é um valor isolado, nem mesmo algo que você possa escolher possuir entre tantos outros valores. Antes, ela dá causa a outras virtudes e valores necessários para a nossa existência como pessoas e para a nossa convivência com outros.
Por essa razão, ela se torna o fator que nos identifica como pessoas. É a fidelidade de si para consigo. Isso envolve tanto um exercício de memória, que nos remete aos valores e princípios que orientam nossas escolhas, mas também um aprendizado, que faz com que se priorize determinadas ações em detrimento de outras. Certa vez, Montesquieu afirmou: “O fundamento de meu ser e de minha identidade é puramente moral: ele está na fidelidade à fé que jurei a mim mesmo. Não sou realmente o mesmo de ontem; sou o mesmo unicamente porque eu me confesso o mesmo, porque assumo um certo passado como sendo meu, e porque pretendo, no futuro, reconhecer meu compromisso presente como sempre meu”.
A infidelidade é o apagamento dessa memória constitutiva, que faz com que os valores sejam diluídos provocando instabilidade, falta de segurança e desencanto com a vida. O que seria da Justiça se não fosse a fidelidade do justo? O que seria do amor se não fosse a fidelidade dos amantes? O que seria da paz se não fosse a fidelidade dos pacificadores? O que seria da verdade se não fosse a fidelidade dos que têm compromisso com ela?
Na narrativa bíblica, a fidelidade aparece como uma qualidade divina. Deus se apresenta como um Deus fiel, que mantém sua aliança, que é digno da confiança. Nada pode mudar essa qualidade, nem mesmo o pecado ou a apostasia. Deus sempre se mantém fiel ao que ele é e ao que prometeu, e age desse modo porque ama. O amor é a atitude que motiva a sua bondade. Esse amor fiel se transforma num convite para orientar a vida de acordo com os propósitos e mandamentos divinos.
A fidelidade divina torna-se um paradigma para avaliar a relação do homem com o sagrado. Pessoas fiéis são confiáveis, amáveis e admiradas por isso. O Novo Testamento apresenta a fidelidade como uma das características do fruto do Espírito Santo presente na vida do que crê (Gálatas 5.22). Isso lembra que Deus capacita pessoas, por meio do seu Espírito, a serem fiéis, uma vez que temos muita dificuldade de agir desse modo por nós mesmos. Jesus contou a parábola em que elogia a atitude dos servos fiéis, que foram capazes de agir de forma prudente mesmo na ausência de alguém que lhes vigiasse. A recompensa de Jesus para os servos fiéis é a bênção abundante, como participantes da alegria divina: “Muito bem, servo bom e fiel! Você foi fiel no pouco; eu o porei sobre o muito. Venha e participe da alegria do seu senhor! (Mateus 25.23).
Ser fiel em tempo de crise se constitui um grande desafio. A história de Israel foi marcada por sucessivos atos de infidelidade e de arrependimentos. Um dos escritores que se ocupou com esse tema na Bíblia de forma contundente foi o profeta Oseias, que encarnou a mensagem da graça a um povo que precisava resgatar o sentido da fidelidade no seu modo de se relacionar com Deus, uns com os outros e com o mundo.
Oseias exerceu seu ministério profético entre os anos 752-722 a.C. no território compreendido pelo que ficou conhecido como reino do norte. A nação israelita tinha se dividido após o reinado de Salomão. Das doze tribos que constituíam Israel, dez se uniram ao norte e mantiveram o nome e duas formaram uma nova nação ao sul, chamada de Judá. Israel tornou-se um estado instável, governado por líderes opressores e corruptos. Durante o reinado de Jeroboão II, começou uma sucessão de atentados e golpes de estado que fragilizaram a vida moral, política e econômica dos israelitas, resultando na dominação dos assírios e o período de cativeiro.
Oseias começou a profetizar numa época em que Israel experimentava uma certa estabilidade econômica. As lideranças israelitas se tornaram gananciosas, explorando os mais pobres e desenvolvendo uma espiritualidade distante dos ensinamentos da tradição hebraica. A maneira como Oseias sente o chamado para exercer o ministério profético difere de todos os demais profetas do Antigo Testamento. Ele teve que encarnar o que Deus estava sentindo em relação aos problemas sociais a partir do seu próprio casamento.
Curiosamente, o nome Oseias quer dizer “salvação”. Ele é reconhecido na Teologia como o profeta da graça, da compaixão, pois sua mensagem revela um profundo amor de Deus não correspondido pelo seu povo. O tema da fidelidade perpassa todo o conteúdo do livro. Primeiramente, dando ênfase à fidelidade de Deus ao seu amor pelo seu povo; depois, chamando as pessoas a um arrependimento e à retomada de uma prática da fidelidade; mas também podemos falar da fidelidade do profeta à sua mensagem, mesmo em meio a circunstâncias tão controversas no casamento com uma mulher infiel.
Oseias é reconhecido na literatura judaica, sobretudo o Talmude, como o maior profeta de sua geração. Seu livro está incluído na coletânea dos profetas menores, sendo o primeiro e maior deles. Sua mensagem é marcada pela denúncia a toda forma de opressão, de repreensão aos líderes corruptos e ignorantes que conduziam o povo à ruína. Ele também contesta a maneira como as pessoas desenvolviam sua espiritualidade e praticavam a religião de forma superficial e hipócrita. Entretanto, ele também anuncia o amor de Deus, que sempre se mostra fiel e misericordioso. Ele chama o povo ao conhecimento de Deus, não de uma forma intelectual, mas como acolhida ao seu amor.

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