segunda-feira, 22 de abril de 2024

Etarismo e Decolonialidade: o que a Igreja tem a ver com isso / Ageism and Decoloniality: what does the Church have to do with it / Edadismo y decolonialidad: qué tiene que ver la Iglesia con esto

 

A OMS define etarismo, também conhecido pelo termo idadismo, como o conjunto de práticas orientadas por estereótipos, preconceitos e discriminação direcionados a pessoas por questões de idade. A idade é uma das primeiras coisas que percebemos no outro, quando o identificamos como pessoa. Você certamente já ouviu essa frase: “você não tem mais idade para isso”.

No início de março de 2023, viralizou nas redes sociais no Brasil um vídeo em que jovens universitárias criticavam a presença de uma aluna de 40 anos de idade em sua turma. “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”, disse uma delas. Recentemente soube de uma professora universitária que foi demitida aos 50 anos, mas que não consegue mais se inserir no mercado de trabalho por que está velha demais para conseguir um emprego mas nova demais para se aposentar (CAMPEZZI, 2023).

Esse tipo de preconceito está presente nos meios sociais mais do que podemos imaginar. E a igreja não fica de fora desse tipo de prática. Ele pode atingir diferentes faixas etárias, mas as maiores consequências recaem sobre as pessoas mais idosas. Ele surge quando as relações entre as diferentes faixas etárias tipificam umas as outras para causar divisão, promover exclusão, provocar tratamento desigual e injustiças. “O [etarismo] se refere a estereótipos (como pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionados às pessoas com base na idade delas” (OMS, 2021, p. 3).

Esse tipo de preconceito se apresenta como um desencadeador de riscos para a saúde física e mental, para o bem-estar e para o envelhecimento saudável. O etarismo pode ser interpessoal, quando é praticado entre dois indivíduos, como o juízo de que pessoas mais idosas não podem fazer curso superior, por exemplo, ou quando tem que ceder lugar para um idoso ou idosa no transporte público. O etarismo pode ser também autodirigido, quando vagas de emprego são negadas a pessoas com base na idade ou quando alguém sofre preconceito por iniciar um movimento por direitos relativos à sua faixa etária. O etarismo pode ser ainda institucional, quando se refere às leis, regras, normas sociais, políticas e práticas de instituições que restringem as oportunidades e prejudicam pessoas devido à idade.

Em todas as esferas da sociedade, encontramos situações que cerceiam o direito e favorecem o preconceito e discriminação contra os idosos, sobretudo nas organizações que prestam serviços de saúde e assistência aos mais velhos. Um dos problemas mais comuns em todo o mundo é o racionamento à assistência à saúde a pessoas idosas.

O relatório da OMS indica que, a cada duas pessoas, uma pratica algum tipo de violação contra os idosos, em nível mundial. Na Europa, a cada três pessoas, uma afirma ter sido vítima do etarismo. “Para pessoas idosas, o [etarismo] está associado a uma menor expectativa de vida, pior saúde física e mental, recuperação mais lenta de incapacidade e declínio cognitivo. O [etarismo] piora a qualidade de vida das pessoas idosas, aumenta seu isolamento social e sua solidão (ambos os fatores estão associados a graves problemas de saúde), restringe sua capacidade de expressar sua sexualidade e pode aumentar o risco de violência e abuso contra as pessoas idosas” (OMS, 2021, p. 4).

A origem do etarismo está intimamente relacionada ao modo como a modernidade ocidental desenvolveu as suas próprias concepções civilizatórias, voltada para o modo capitalista de produção da riqueza. Um dos conceitos afetados pela racionalidade moderna está vinculado à ideia de novo, compreendido como atual ou moderno, em contraposição ao antigo, velho ou ultrapassado.

Trata-se de uma concepção linear das relações de conhecimento, que implica uma valorização do progresso e do desenvolvimento, com o rechaço dos conceitos fundadores e da própria arqueologia dos saberes. A linearidade do conhecimento e da ciência estabelece uma certa relação de poder que influencia a compreensão das relações humanas, atribuindo ao idoso as ideias de ultrapassados e antiquados.

Essa concepção moderna e ocidental orientou as estratégias de colonização, tratando as Américas, por exemplo, como Novo Mundo. O problema é que nesse “novo mundo” já existia um conjunto de práticas e saberes com base na valorização da ancestralidade.

Um exemplo disso vem dos indígenas Kadiwéu, que habitam em Porto Murtinho, na fronteira entre Brasil e Paraguai. A principal habilidade deles é a arte da pintura corporal e da cerâmica que encantou vários exploradores e pesquisadores, como o italiano Guido Boggiani, no final do século XIX e o antropólogo Claude Lévi-Strauss na década de 1930. O também antropólogo Darcy Ribeiro, que viveu entre os Kadiwéu na década de 1940, classificava a variedade de estilos dos desenhos abstratos e os padrões de pintura de rosto e de corpo dos Kadiwéu como “a mais elaborada manifestação artística dos índios americanos”. Os desenhos são feitos até hoje pelas mulheres, especialmente as mais velhas (DURAN, 2015).

A ancestralidade dos povos originários da América Latina se aproxima muito da perspectiva defendida nas Escrituras sobre o lugar do idoso na cultura hebraica. Essas afirmações podem ser encontradas tanto na Torah quanto na tradição poética dos Salmos e na literatura sapiencial.

A concepção cristã é herdeira dessa tradição hebraico-judaica. Ela está presente em formas de organização eclesial, como o tratamento dado aos presbíteros, que quer dizer anciãos, e também ao conselho ao cuidado com os mais idosos. Conselhos de Paulo a pastores sobre o tratamento com os idosos: Não repreenda asperamente ao homem idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai [...] as mulheres idosas, como a mães [...] (1 Timóteo 5.1-2). Ensine os homens mais velhos a serem sóbrios, dignos de respeito, sensatos, e sadios na fé, no amor e na perseverança. Semelhantemente, ensine as mulheres mais velhas a serem reverentes na sua maneira de viver [...] (Tito 2.2-3).

A igreja é desafiada a agir em favor da construção de um mundo para todas as idades. Veja algumas ações eclesiais que podem contribuir para uma consciência maior a respeito do lugar dos idosos e das idosas;

a) Conscientizar a comunidade a respeito do direito do idoso. O Brasil criou, em 2003, o Estatuto da Pessoa Idosa, que é a Lei n° 10.741.

b) Criar espaços para que idosos desenvolvam atividades comunitárias que visem solução de problemas comuns.

c) Desenvolver ações de acolhimento para idosos e idosas desamparados.

d) Desenvolver uma hermenêutica bíblica que prepare a igreja para uma práxis em que todos e todas desfrutem de uma velhice saudável.

Referências:

CAMPEZZI, Heitor. Vídeo de universitárias de SP debochando de colega por ter '40 anos' viraliza e gera indignação. G1, 11 Mar 2023. Disponível em: < https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2023/03/11/video-de-universitarias-de-sp-debochando-de-colega-por-ter-40-anos-viraliza-e-gera-indignacao.ghtml > Acesso em 23 Mar 2023.

DURAN, Maria Raquel da Cruz. Leituras antropológicas sobre a arte kadiwéu. Cadernos de Campo. n 24. p.43-70. São Paulo, 2015.

NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Etarismo: o que é e como isso afeta a vida das pessoas? In: Revista National Geographic Brasil. 15 mar. 2023. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2023/03/etarismo-o-que-e-e-como-isso-afeta-a-vida-das-pessoas> Acesso em 23 mar 2023.

OMS. Relatório mundial sobre o idadismo: resumo executivo. 2021. Disponível em: <https://www.who.int/pt/publications/i/item/9789240020504> Acesso em 23 mar 2023.

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