A OMS
define etarismo, também conhecido pelo termo idadismo, como o conjunto de
práticas orientadas por estereótipos, preconceitos e discriminação direcionados
a pessoas por questões de idade. A idade é uma das primeiras coisas que
percebemos no outro, quando o identificamos como pessoa. Você certamente já
ouviu essa frase: “você não tem mais idade para isso”.
No início
de março de 2023, viralizou nas redes sociais no Brasil um vídeo em que jovens
universitárias criticavam a presença de uma aluna de 40 anos de idade em sua
turma. “Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada”, disse uma delas.
Recentemente soube de uma professora universitária que foi demitida aos 50 anos,
mas que não consegue mais se inserir no mercado de trabalho por que está velha
demais para conseguir um emprego mas nova demais para se aposentar (CAMPEZZI,
2023).
Esse tipo
de preconceito está presente nos meios sociais mais do que podemos imaginar. E
a igreja não fica de fora desse tipo de prática. Ele pode atingir diferentes
faixas etárias, mas as maiores consequências recaem sobre as pessoas mais
idosas. Ele surge quando as relações entre as diferentes faixas etárias
tipificam umas as outras para causar divisão, promover exclusão, provocar
tratamento desigual e injustiças. “O [etarismo] se refere a estereótipos (como
pensamos), preconceitos (como nos sentimos) e discriminação (como agimos) direcionados
às pessoas com base na idade delas” (OMS, 2021, p. 3).
Esse tipo
de preconceito se apresenta como um desencadeador de riscos para a saúde física
e mental, para o bem-estar e para o envelhecimento saudável. O etarismo pode
ser interpessoal, quando é praticado entre dois indivíduos, como o juízo de que
pessoas mais idosas não podem fazer curso superior, por exemplo, ou quando tem
que ceder lugar para um idoso ou idosa no transporte público. O etarismo pode
ser também autodirigido, quando vagas de emprego são negadas a pessoas com base
na idade ou quando alguém sofre preconceito por iniciar um movimento por
direitos relativos à sua faixa etária. O etarismo pode ser ainda institucional,
quando se refere às leis, regras, normas sociais, políticas e práticas de
instituições que restringem as oportunidades e prejudicam pessoas devido à
idade.
Em todas
as esferas da sociedade, encontramos situações que cerceiam o direito e
favorecem o preconceito e discriminação contra os idosos, sobretudo nas
organizações que prestam serviços de saúde e assistência aos mais velhos. Um
dos problemas mais comuns em todo o mundo é o racionamento à assistência à
saúde a pessoas idosas.
O
relatório da OMS indica que, a cada duas pessoas, uma pratica algum tipo de
violação contra os idosos, em nível mundial. Na Europa, a cada três pessoas,
uma afirma ter sido vítima do etarismo. “Para pessoas idosas, o [etarismo] está
associado a uma menor expectativa de vida, pior saúde física e mental,
recuperação mais lenta de incapacidade e declínio cognitivo. O [etarismo] piora
a qualidade de vida das pessoas idosas, aumenta seu isolamento social e sua
solidão (ambos os fatores estão associados a graves problemas de saúde),
restringe sua capacidade de expressar sua sexualidade e pode aumentar o risco
de violência e abuso contra as pessoas idosas” (OMS, 2021, p. 4).
A origem
do etarismo está intimamente relacionada ao modo como a modernidade ocidental
desenvolveu as suas próprias concepções civilizatórias, voltada para o modo
capitalista de produção da riqueza. Um dos conceitos afetados pela racionalidade
moderna está vinculado à ideia de novo, compreendido como atual ou moderno, em
contraposição ao antigo, velho ou ultrapassado.
Trata-se
de uma concepção linear das relações de conhecimento, que implica uma
valorização do progresso e do desenvolvimento, com o rechaço dos conceitos
fundadores e da própria arqueologia dos saberes. A linearidade do conhecimento
e da ciência estabelece uma certa relação de poder que influencia a compreensão
das relações humanas, atribuindo ao idoso as ideias de ultrapassados e
antiquados.
Essa
concepção moderna e ocidental orientou as estratégias de colonização, tratando
as Américas, por exemplo, como Novo Mundo. O problema é que nesse “novo mundo”
já existia um conjunto de práticas e saberes com base na valorização da ancestralidade.
Um exemplo
disso vem dos indígenas Kadiwéu, que habitam em
Porto Murtinho, na fronteira entre Brasil e Paraguai. A principal habilidade
deles é a arte da pintura corporal e da cerâmica que encantou vários
exploradores e pesquisadores, como o italiano Guido Boggiani, no final do
século XIX e o antropólogo Claude Lévi-Strauss na década de 1930. O também
antropólogo Darcy Ribeiro, que viveu entre os Kadiwéu na década de 1940,
classificava a variedade de estilos dos desenhos abstratos e os padrões de
pintura de rosto e de corpo dos Kadiwéu como “a mais elaborada manifestação
artística dos índios americanos”. Os desenhos são feitos até hoje pelas
mulheres, especialmente as mais velhas (DURAN,
2015).
A
ancestralidade dos povos originários da América Latina se aproxima muito da
perspectiva defendida nas Escrituras sobre o lugar do idoso na cultura
hebraica. Essas afirmações podem ser encontradas tanto na Torah quanto na
tradição poética dos Salmos e na literatura sapiencial.
A
concepção cristã é herdeira dessa tradição hebraico-judaica. Ela está presente
em formas de organização eclesial, como o tratamento dado aos presbíteros, que
quer dizer anciãos, e também ao conselho ao cuidado com os mais idosos. Conselhos
de Paulo a pastores sobre o tratamento com os idosos: “Não repreenda asperamente ao homem
idoso, mas exorte-o como se ele fosse seu pai [...] as mulheres idosas, como a mães [...]” (1 Timóteo 5.1-2). “Ensine os homens mais velhos a serem
sóbrios, dignos de respeito, sensatos, e sadios na fé, no amor e na
perseverança. Semelhantemente, ensine as mulheres mais velhas a serem
reverentes na sua maneira de viver [...]” (Tito 2.2-3).
A igreja é
desafiada a agir em favor da construção de um mundo para todas as idades. Veja
algumas ações eclesiais que podem contribuir para uma consciência maior a
respeito do lugar dos idosos e das idosas;
a)
Conscientizar a comunidade a respeito do direito do idoso. O Brasil criou, em
2003, o Estatuto da Pessoa Idosa, que é a Lei n° 10.741.
b) Criar
espaços para que idosos desenvolvam atividades comunitárias que visem solução
de problemas comuns.
c)
Desenvolver ações de acolhimento para idosos e idosas desamparados.
d)
Desenvolver uma hermenêutica bíblica que prepare a igreja para uma práxis em
que todos e todas desfrutem de uma velhice saudável.
Referências:
CAMPEZZI, Heitor. Vídeo de
universitárias de SP debochando de colega por ter '40 anos' viraliza e gera
indignação. G1, 11 Mar 2023.
Disponível em: < https://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2023/03/11/video-de-universitarias-de-sp-debochando-de-colega-por-ter-40-anos-viraliza-e-gera-indignacao.ghtml
> Acesso em 23 Mar 2023.
DURAN, Maria Raquel da Cruz. Leituras
antropológicas sobre a arte kadiwéu. Cadernos
de Campo. n 24. p.43-70. São Paulo, 2015.
NATIONAL GEOGRAPHIC BRASIL. Etarismo: o que é e como isso afeta a vida das pessoas? In: Revista National Geographic Brasil. 15 mar.
2023. Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/cultura/2023/03/etarismo-o-que-e-e-como-isso-afeta-a-vida-das-pessoas>
Acesso em 23 mar 2023.
OMS. Relatório mundial sobre o idadismo: resumo executivo. 2021.
Disponível em: <https://www.who.int/pt/publications/i/item/9789240020504>
Acesso em 23 mar 2023.
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