domingo, 1 de setembro de 2019

A teia da vida: a biodiversidade como bênção divina / The web of life: biodiversity as a divine blessing / La red de la vida: la biodiversidad como una bendición divina


Todos nós fazemos parte de uma teia de vida, maravilhosamente complexa e única, que foi criada pelas mãos de Deus. Essa é a ideia que tem mobilizado cristãos para interceder por um mundo mais sustentável e justo, onde todos possam viver de modo digno e ainda venhamos garantir às gerações futuras as mesmas condições de existência que hoje temos.
Vivemos hoje uma realidade desconcertante: a crise ambiental que coloca em risco a vida no planeta e que tem como causa principal a ação do próprio homem. Essa crise tem cinco sintomas: (1) a biodiversidade vem sendo reduzida; (2) os ecossistemas vêm sendo destruídos; (3) os recursos naturais renováveis estão sendo esgotados; (4) a poluição tem aumentado; e (5) há um maior risco de desastres ambientais provocados pela ação do homem. Essa crise é resultado de uma desarticulação entre os processos cíclicos da vida na natureza e as técnicas de extração, transformação e emprego dos recursos que ela oferece. E a causa é clara: é preciso dar conta da demanda de consumo de uma sociedade cada vez mais exigente em termos de bem-estar, segurança e padrões de beleza e saúde.
Dentre as consequências da crise que vêm sendo apontadas por vários estudiosos da questão ambiental, duas são alarmantes. A primeira é que o planeta não dispõe de recursos naturais suficientes para atender à necessidade de todas as pessoas, conforme o hábito de consumo que a sociedade industrial e do capital desenvolveu. Se as pessoas mais pobres consumirem o mesmo que os mais ricos, serão necessários pelo menos mais dois planetas como o nosso. O segundo é que a vida humana na Terra está em risco de extinção, por conta do aquecimento global, que já se pode ser sentido com os vários efeitos de desequilíbrio nas geleiras e camadas polares, nos cumes das cordilheiras, nos grandes biomas como a Amazônia, o Cerrado, a Caatinga e Mata Atlântica, entre outros no nosso país e também no mundo.
Diante desse quadro de crise, surge a necessidade de se pensar a vida a partir de paradigmas distintos daqueles que levaram a humanidade ao caos ecológico que nos deparamos. O teólogo brasileiro Leonardo Boff, em seu livro Ecologia: grito da terra, grito dos pobres, entende que é preciso compreender a Terra como um organismo dinâmico e complexo, que possui identidade e harmonia. Para isso, surge a necessidade de se formar um novo paradigma, que supere a lógica da razão instrumental, e se valorize mais uma razão simbólica e cordial, que envolve todos os nossos sentidos e sentimentos, que aponta para uma atitude de encantamento e que desperte a gratidão por ser parte de uma totalidade de vida.
Esse cuidado com a vida remete a um conjunto integrado de ações, que deve envolver uma dimensão científica que seja capaz de compreender o impacto da ação humana sobre o meio ambiente, uma dimensão política que estabeleça políticas públicas e princípios de governança vinculados a compromissos globais, uma dimensão ética que seja capaz de questionar nossas ações humanas diante das condições de vida no planeta e o enfrentamento responsável dessa crise, e uma dimensão de espiritualidade que aponte para a fé e a esperança de que seremos capazes de juntar esforços para cuidarmos de nossa casa comum e de superarmos os grandes obstáculos que estão no meio do caminho.
Em meio a uma diversidade de formas de vida, há também uma diversidade de culturas que nos ajuda a compreender a humanidade como uma família que convive numa mesma comunidade cósmica enfrentando os mesmos desafios e caminhando para um destino comum. Tudo isso precisa ser amado e cuidado a fim de que seja possível florescer a vida em sua plenitude em todos os seus aspectos. Uma das formas de se fazer isso é resgatar o sentido bíblico da criação, na metáfora do cuidado com o jardim já presente no Gênesis.
A crise ambiental destrói a diversidade das condições de vida na Terra. A perda da biodiversidade está vinculada também às condições de pobreza, visto que são os pobres e migrantes que mais sentem os efeitos da ruína dos sistemas naturais que sustentam a vida. Para estancarmos essa tragédia, precisamos dar um sim à vida. Isso implica compreendermos que toda a forma de vida assim como todo modo como ela se manifesta é criação divina. Deus ama a diversidade, por isso criou a natureza desse modo. Temos uma dupla tarefa no cuidado com a vida: devemos respeitar a diversidade como também temos a responsabilidade de preservá-la. E pessoas que afirmam amarem a Deus devem demonstrar o seu amor pela sua criação. Uma espiritualidade que cuida da criação começa por compreender a natureza e culmina em colocar-se a serviço da vida em sua diversidade como o mundo criado e amado por Deus.
A Bíblia começa dizendo que Deus reconheceu que tudo na criação foi “muito bom”. Cada espécie foi cuidadosamente criada e reflete aspectos do cuidado divino com a vida. Quando uma pequena criatura, por menor que seja, é extinta, desaparece também a chance de contemplarmos a riqueza do amor de Deus por sua criação. Cristãos de um modo geral têm o dever moral de dar uma resposta a essa crise ambiental, como expressão de justiça e de zelo pela dignidade da vida em toda sua complexidade e especificidade, como parte da missão.

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