quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Um apelo à fraternidade / An appeal to fraternity / Un llamado a la fraternidad


A fé cristã é um apelo à fraternidade. A mensagem de Jesus é um chamado à vida em comunhão, que corresponde a viver uns com os outros numa relação de afinidade que se aproxima com a vida em família em que todos se reconheçam como irmãos. Jesus mesmo se apresentou como um irmão e tratou a todos como seus irmãos e irmãs. A palavra origina-se do latim “frater”, que quer dizer irmão. Trata-se de uma relação entre pessoas que não se dá apenas por consanguinidade, mas que o transcende e estabelece o respeito à dignidade de cada um bem como a garantia da igualdade de direitos entre todos.

A palavra fraternidade remete a um relacionamento dentro de uma convivência social. E isso tem implicações políticas, não apenas sociais ou afetivas. As organizações, movimentos e grupos sociais que levantam a bandeira da fraternidade se baseiam em princípios que defendem a democracia, a igualdade de direitos e o respeito à liberdade de todos e todas.

A cultura ocidental aproximou o conceito de fraternidade aos de igualdade e de liberdade. Essa relação envolve a decisão consciente de viver em sociedade de tal modo que todos sejam tratados em direitos e oportunidades de forma equitativa. Esse princípio está presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz em seu artigo primeiro: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”.

O lema da fraternidade associada à igualdade e à liberdade nasceu do ideal iluminista e motivou a Revolução Francesa no final do século XVIII, em busca de uma sociedade mais justa e livre da tirania. Essa tríade passou a representar a luta pelos ideais de democracia e de conquistas de direitos civis em todo o mundo. Entretanto, o ideal de liberdade sempre foi limitado, assim como a igualdade tem sido tratada de forma precária e a fraternidade vista como uma ilusão.

O sentido de fraternidade está diretamente associado aos de cidadania, amizade e solidariedade. Nesses tempos de globalização, o tema da fraternidade emerge como uma exigência para a construção de um mundo mais justo e pacífico. Cada vez mais, despontam apelos para uma ação consciente em que os gestos fraternos se despontem acima dos moralismos e legalismos como uma superação ao individualismo e o autoritarismo.

Hanna Arendt, em Homens em tempos sombrios, fala da fraternidade como um modo de agir humano para aqueles grupos de pessoas que sofrem perseguições ou são escravizados, que se tornam párias da sociedade, como se fossem dotados de alguma força interior para encontrar dignidade em si mesmos. É uma forma de resistência que faz com que os excluídos se aproximem entre si e construam novos espaços de existência. Esse modo de enfrentar a rejeição desperta sentimentos de generosidade, de compaixão, de cordialidade e de bondade que as pessoas em tais condições dificilmente seriam capazes de desenvolver entre si em outras circunstâncias.

A fraternidade cria as condições para se viver em comunidade a partir do exercício e do direito à igualdade e à liberdade. A vida comunitária só encontra legitimidade quando todos e todas desfrutam das mesmas condições de liberdade e de acesso igual às mesmas oportunidades. A fraternidade, portanto, se configura como uma condição cultural que emerge em meio às ameaças à vida para preservar e resgatar o sentido da vida comum.

Jesus fez da ideia de fraternidade um dos elementos norteadores de sua mensagem. Ele disse que devemos nos tratar como irmãos e irmãs. Ele recomendou para que ninguém fosse chamado ou agisse como mestre, pai ou chefe do outro porque “[...] todos vocês são irmãos” (Mateus 23.8). E ele mesmo chamou aos seus seguidores de seus irmãos e irmãs: “Quem faz a vontade de Deus, este é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Marcos 3.35).

A Bíblia trata a fraternidade a partir do princípio do amor. Ela recomenda o exercício da expressão de amor fraternal: Seja constante o amor fraternal” (Hebreus 13:1). Os apóstolos tinham esse ensinamento comum. Paulo disse: “Dediquem-se uns aos outros com amor fraternal. Prefiram dar honra aos outros mais do que a si próprios” (Romanos 12.10). E Pedro também concordou: “Quanto ao mais, tenham todos o mesmo modo de pensar, sejam compassivos, amem-se fraternalmente, sejam misericordiosos e humildes” (1 Pedro 3:8).

A chamada para a prática da fraternidade e do amor fraternal tem se tornado um apelo urgente num mundo sob tensão. O papa Francisco editou em 2020 sua terceira encíclica em que faz uma reflexão sobre esse tema, com o sugestivo título Fratelli Tutti, que quer dizer “somos todos irmãos”. Ele diz: “perante as várias formas atuais de eliminar ou ignorar os outros, sejamos capazes de reagir com um novo sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras” (FRANCISCO, 2020, § 6).

Desenvolver um sentimento fraterno e promover a fraternidade são formas de cuidarmos do mundo em que vivemos. E cuidar do mundo significa cuidarmos uns dos outros e de nossa casa comum. Isso implica transformar nossa vivência no mundo como espaço de cuidado, compreendendo que todas as criaturas, tanto pessoas como a natureza, são essenciais para a preservação da vida. O apelo à fraternidade é um convite a aprendermos a nos tratarmos como irmãos e irmãs que convivem em harmonia.

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