domingo, 3 de janeiro de 2021

A emergência de santidade / The emergence of holiness / La emergencia de la santidade

 

Ser santo é tornar-se quem se é, nem mais nem menos. Essa definição preliminar nos ajuda a compreender a santidade como um exercício de reconhecimento de si diante de quem se está. Dito de outro modo, ser santo é assumir nossa humanidade diante de Deus e toda a criação. Se a ideia que você tem de santo tem a ver com uma pessoa religiosa que vive uma vida enclausurada, ela está distante da realidade. A santidade é uma condição humana em que são confrontadas a nossa própria fragilidade e a soberania divina.

Para Karl Barth, a santidade está diretamente vinculada à relação com o Totalmente Outro, como uma experiência que podemos chamar de “outridade”. A santidade, nessa perspectiva, tem a ver com a maneira como lidamos com a nossa vida humana diante da realidade de uma vida sem Deus. Para Barth, a santidade não é uma separação do mundo, mas uma separação para o mundo, na medida em que colocamos a nossa vida inteira a serviço da luta por uma sociedade justa, na defesa da democracia, dos Direitos Humanos e da diminuição da desigualdade social. A santidade, portanto, envolve o engajamento do crente na ação social e política como uma questão de fé e resposta ao chamado divino para tomar parte do Reino de Justiça, paz e alegria.

Nas Escrituras, a palavra tem origem no vocábulo hebraico kadosh, que se refere ao outro, o diferente, ao que não é comum, ao que é único. As versões bíblicas mais tradicionais traduzem essa palavra com o sentido de “separado”. Entretanto, ela é usada para referir-se somente a Deus como o Outro, que nos interpela para que vivamos de forma integral a nossa humanidade. Na Bíblia, Deus é santo e nos convida a viver em santidade em resposta ao seu convite amoroso. E, quando a Bíblia chama os crentes de santo, o faz na medida em que esses tomam parte da própria natureza divina.

Ao nos criar, Deus não quis que fôssemos infalíveis, mas que assumíssemos nossa humanidade. O ideal de perfeição divino não prevê a exatidão, e sim a vulnerabilidade. Para se viver em santidade, não é preciso uma vida religiosa rigorosa, mas desenvolver uma atitude mais nobre que é o amor. É indispensável exercitar o amor em tudo o que se faz, até mesmo nas pequenas coisas.

A santidade é o desejo de conhecer Deus e fazê-lo conhecido, de amar a Deus e fazê-lo amado e de seguir Jesus e de convidar a todos para segui-lo juntos. É assumir a imagem e semelhança de Deus para si. Essa é uma decisão pessoal e interior, de deixar tudo em busca de uma experiência de espiritualidade integral. Como declarou Teresa de Lisieux: “A santidade não está nesta ou naquela prática, ela consiste numa disposição do coração que nos torna humildes e pequenos nas mãos de Deus, conscientes de nossa fraqueza, e confiantes até a audácia na sua bondade de Pai”.

A essência da santidade é o amor. É pelo amor que somos chamados à santificação, é o amor que nos torna santos e é em amor que encontramos forças para seguir em frente. A grandeza da santidade está em nossa capacidade de amar. Ser santo é se tornar uma referência do amor divino para o mundo.

A santidade é um dom divino. A contemplação da santidade divina nos conduz a desejarmos ser santos como ele é santo e a vivermos a santidade de Deus na nossa vida humana. É essa experiência contemplativa que nos dá disposição para nos entregarmos ao Senhor e a adotarmos um estilo de vida mais simples, generoso e solidário, comprometido com o direito e as necessidades dos mais vulneráveis.

O exercício para se alcançar a santidade começa como uma oração que se expressa como um abandonar-se em Deus, que nos conduz a um reconhecimento de nossas fraquezas e a uma consciência de quem somos e diante de quem estamos. Só há um jeito de ser santo: sendo inteiro. “Não quero ser santa pela metade, eu escolho tudo”, dizia Teresa de Lisieux.

O cristianismo na contemporaneidade em geral carece de santidade. Faz-se necessário uma teologia que faça emergir pessoas que vivam em santidade no mundo atual. Todos são chamados à santidade, independentemente de condição social, credo religioso ou até mesmo formação cultural. Toda pessoa tem capacidade de desenvolver intimidade com Deus ao ponto de experimentar a santidade.

Hans Urs von Balthasar reconheceu, no começo do século XX, que a igreja encontrava-se diante de uma tarefa sobre-humana para a qual carecia não só de teólogos, mas sobretudo de santos, “de figuras pelas quais, como faróis, nos possamos orientar”. Para ele, há dois tipos de santidade: uma horizontal, que corresponde à decisão livre da pessoa de atender ao chamado de ser santo como Deus é; e outra vertical, que é aquela em que Deus elege uma pessoa em especial para o cumprimento de Sua missão de forma específica. No primeiro tipo, mais comum, os santos são aqueles que humildemente reconhecem suas falhas e procuram se tornar semelhantes a Deus em sua bondade e amor. No segundo tipo, que é raro e imprevisível, a santidade se torna um drama na vida de quem recebe tal convocação, pois ela tem sua vida invadida pelo divino.

O mundo carece de santos. Não dos santos canonizados e beatificados, mas daqueles que sabem administrar a multiforme graça de Deus em suas circunstâncias concretas de vida. O mundo carece de gente comum que se coloca diante de Deus no caminho da santificação, com a força do seu testemunho e com a sua disposição de compartilhar em amor o cuidado de Deus sobre toda a criação.

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