sábado, 23 de agosto de 2025

Exercícios de Ecoespiritualidade: Somos parte da Criação / Eco-spirituality Exercises: We are part of Creation / Ejercicios de eco-espiritualidad: Somos parte de la Creación

“Então os olhos dos que veem não estarão mais fechados, e os ouvidos dos que ouvem escutarão” (Isaías 32.3).

 No ano de 2024, aconteceu na cidade de Cali, Colômbia, a 16ª Conferência das Partes, também conhecida como COP 16. O foco era o de implementar um quadro global de diversidade conforme ficou definido pela Conferência de Biodiversidade das Nações Unidas em 2022 e adotado pela COP 15, composto por 23 metas e 4 objetivos. Porém, a principal lacuna que ainda precisa ser preenchida para proteger a diversidade é a alocação de recursos financeiros.

O tema da conferência foi “Paz com a Natureza” para enfatizar a ideia de que a conservação da biodiversidade requer um compromisso de toda a humanidade. Para isso, seria necessário mobilizar recursos financeiros para procurar reverter a perda da diversidade até o ano de 2030. Porem, não houve um consenso acerca de quanto seria necessário para promover as ações para conter a perda da diversidade biológica, principalmente entre os países mais desenvolvidos.

Entretanto, houve conquistas históricas. A COP 16 definiu acordos para a partilha das informações dos códigos genéticos visando promover o seu uso sustentável e garantir o acesso equitativo aos benefícios da biodiversidade. Outra conquista foi o reconhecimento da importância e a inclusão dos povos originários e das comunidades afrodescendentes no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica. O objetivo foi o de garantir espaço direto de voz e de influência nas tomadas de decisão por possuírem conhecimentos e práticas que contribuem para a concretização dos objetivos do Quadro Global de Diversidade.

Mas é preciso fazer mais. Necessitamos de um diálogo para desenvolver juntos e juntas  formas de moldar o futuro do planeta. Papa Francisco, em sua encíclica Laudato Si, lançou esse desafio para que seja possível construir um novo ambiente de solidariedade universal em que todos os seres vivos, desde os mais vulneráveis, possam viver com dignidade.

Trata-se de uma mudança de mentalidade que atinge também a fé, que precisa abrir mão da crença de que o homem é o centro de tudo para desenvolver ações que envolvam práticas de espiritualidade com o cuidado de toda a Criação. A ecoespiritualidade emerge como um exercício de fé em busca da reconciliação do ser humano com a natureza, compreendendo a sacralidade da vida de todas as criaturas e a responsabilidade de proteger a dignidade da vida. Eco vem de oikos, que é casa em grego. A ecoespiritualidade é o exercício de cuidado com a casa comum em perspectivas ética, política, social, econômica e espiritual.

Necessitamos também de uma voz profética de arrependimento e de compromisso com a justiça e a paz com toda a Criação. Isso envolve uma Teologia da Criação que proponha um caminho de reconciliação uns com os outros e com o Criador a fim de promovermos justiça genuína para todos os seres vivos. Só assim a Criação encontrará paz.

Essa preocupação pode ser encontrada na Escritura, especificamente no livro do profeta Isaías. Ele disse: “Meu povo viverá em paz, tranquilo em seu lar; terá descanso e segurança” (Isaías 32.18 NVT). A promessa de paz e segurança é consequência do compromisso com a justiça. É uma mensagem que nos desafia a nos constituirmos como uma sociedade justa, baseada em princípios de equidade e respeito mútuo, onde todos e todas possam desfrutar a vida com tranquilidade.

O profeta inicia, no capítulo 32, a descrever a perspectiva messiânica do Reino de Deus. Um reino futuro, mas que já começava a despontar naquele tempo em Judá com promessa de justiça e paz para toda a Criação. Um reino de retidão que agirá com justiça, o que é um contraste à tirania, à corrupção e à injustiça dos regimes de poder com os quais Judá já havia convivido.

Um governo assim se transforma em um refúgio para os oprimidos. É como um vento suave em meio ao calor escaldante, como uma corrente de água em terra seca e como a sombra no deserto. Um verdadeiro oásis de esperança em meio ao deserto da incerteza, da exploração e da maldade. A mensagem profética é marcada por uma linguagem poética que destrói falsas narrativas e que aponta para a restauração da dignidade da vida em todos os aspectos.

O resultado da justiça é a transformação do cenário de desolação em que a sociedade vive. As pessoas em geral serão curadas da cegueira e da surdez que as impedem de lutar por direitos e dignidade. O povo terá sabedoria e entendimento para tomar decisões acertadas. Os tolos não terão mais tanta influência e os sem caráter não terão tanto poder, como acontece em nossos dias. Parece que Isaías se dirige a nós em tempo de fake news, pós-verdade, disseminação do ódio, negacionismos e extremismos nas redes sociais.

Nesse tempo messiânico, Isaías vê que o papel das mulheres é fundamental. Elas são tratadas como agentes de transformação com sua capacidade e sabedoria. O chamado é para que se levantem com urgência, porque a terra não mais produzirá os frutos para o sustento de suas famílias por causa da maldade dos homens. Suas vozes de lamento e de protesto devem ecoar por todas as partes, desde as casas até às cidades.

Isaías descreve o cenário da natureza devastada pela ganância e pela exploração da terra, resultado do afastamento de Deus e de seus propósitos para toda a Criação. A consequência se reflete nas relações sociais, na vida das cidades e nas estruturas de poder, que estão deterioradas pelo pecado humano. O afastamento de Deus tem afetado toda a Criação. Aquilo que foi criado para trazer segurança, paz e suprimento para todos estava em ruínas. Terras, biomas, rios e oceanos sofrem com a cultura da arrogância, da acumulação e da ganância.

O projeto da Criação divina foi fundado no senso de justiça e paz, mas a humanidade quebrou essa relação promovendo uma verdadeira guerra através da exploração desordenada dos recursos naturais, do consumo exagerado e do extermínio de espécies. A economia capitalista moderna estabeleceu práticas insustentáveis de exploração dos recursos naturais colocando em risco a vida de todo o planeta.

Nós, que somos coparticipantes da Criação, nos tornamos cúmplices e corresponsáveis pela crise provocada pela devastação. A maneira como consumimos, empreendemos e orientamos a economia voltada para o lucro esbarra com a dificuldade de colocar em prática princípios de sustentabilidade. O resultado é mais poluição, crises sanitárias, fenômenos ambientais cada vez mais devastadores, desmatamento ilegal para dar lugar a monoculturas, exploração de minerais que colocam em risco biomas inteiros e emissão de gases do efeito estufa.

A responsabilidade tanto é coletiva e estrutural, como também é individual. O apego ao luxo, o desperdício, o uso de veículos e equipamentos poluentes, a aplicação de produtos químicos e o descarte de resíduos são algumas dessas coisas que fazemos que contribuem para o quadro atual de desolação.

Quando olhamos ao nosso redor, vemos um cenário de conflitos e destruição. A palavra desolação resume bem o contexto da atual crise ambiental e climática. Em todas as partes do mundo podemos ver que a causa dessa desolação é o próprio ser humano que insiste em provocar danos à natureza. Ao mesmo tempo, os próprios seres humanos são também vítimas dessa desolação.

O mundo está em crise e a resposta passa por uma mudança de mentalidade. A mensagem profética de Isaías lança as bases dessa mudança necessária e urgente, que fala de justiça, paz e reconciliação com a Criação. Como apelou o Papa Francisco em sua encíclica Laudato Si: “Qual é o objetivo do nosso trabalho? Que necessidade tem a terra de nós? Deixar um planeta habitável às gerações futuras depende de nós” (2015, § 160).

A Teologia se vê impelida a mover-se pelo Espírito Santo, o sopro da vida, que é derramado sobre nós nesse momento, trazendo esperança de renovação para a terra e de restauração da harmonia da Criação. Nesse tempo, somos chamados como cristãos e cristãs a nos unir com alegria, justiça e paz a toda a Criação para vivermos o que fomos criados para ser: cooperadores uns dos outros, como embaixadores da justiça, da paz e da reconciliação.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Caminho do Itinerário do Amor: uma reflexão a partir do Castelo Interior / Path of the Itinerary of Love: a reflection from the Interior Castle / Camino del Itinerario del Amor: una reflexión desde el Castillo Interior

Um dos textos mais sublimes da espiritualidade cristã é, sem sombra de dúvidas, a obra “O castelo interior”, de Teresa de Ávila, santa e doutora da igreja que viveu na Espanha durante o século XVI. Trata-se de um clássico da literatura de espiritualidade e mística. Nesse livro, a fundadora do Convento das Carmelitas Descalças ofereceu, de forma simples, uma proposta de experiência de encontro com Deus e de busca de santidade.

Teresa de Ávila usa a metáfora de um castelo formado por muitas moradas para se referir à alma humana. Consideremos nossa alma como um castelo, feito de um só diamante ou de um cristal claríssimo, onde há muitos aposentos, à semelhança das muitas moradas que há no céu”, diz ela. Essa jornada em direção ao encontro com Deus é também conhecida como o “caminho do itinerário do amor”, um guia de experiência de espiritualidade que o campo da mística tem se debruçado em suas investigações e descobertas.

Nesse caminho místico, não estamos sozinhos. É o próprio Rei que nos guia e nos conduz, a cada morada, em direção ao grande salão real. Para percorrer essas moradas, é preciso primeiro tomar a decisão de entrar no castelo interior. Logo na primeira morada, a alma é despertada para a vida espiritual, convidada a reconhecer o seu valor e a sua necessidade de Deus. Embora ainda estejamos presos aos desejos e envolvidos com o pecado, não podemos esquecer que fomos criados como imagem e semelhança de Deus.

Ao chegar à segunda morada, a alma é encorajada à prática da oração e aos exercícios espirituais. O objetivo é perseverar na luta contra as distrações e a na busca por uma vida mais próxima da vontade divina. A terceira morada corresponde ao momento em que a alma desfruta do cuidado divino e começa a sentir a presença de Deus de forma mais intensa. Entretanto, ela ainda pode sofrer oscilações e dificuldades.

Na quarta morada, a alma experimenta um aprofundamento da experiência mística, com um desejo ardente de se entregar completamente a Deus. Ná quinta morada, a alma atinge um grau de união mais profundo com Deus, frequentemente descrito como um êxtase místico, onde a vontade da alma se torna mais alinhada com a vontade divina.

Na sexta morada, a alma experimenta uma união quase plena com Deus, com a prática constante da oração, das virtudes e da caridade. Enfim, a sétima morada corresponde à plenitude da experiência de Deus vivendo em perfeita harmonia com a vontade divina e desfrutando a verdadeira paz e alegria espiritual.

Há quatro lições que podemos extrair dessa obra de Teresa de Ávila. Os sete estágios de progresso espiritual descritos por Teresa implicam conhecer a alma humana e descobrir a vida interior. A primeira lição é o caminho da descoberta de si; a segunda tem a ver com nossa luta interior que confronta nossos desejos e a carência de Deus que todos possuímos; a terceira é a alternativa que o chamado divino nos oferece, de experimentar uma vida de intimidade com Deus; e, por fim, a lição de que uma vida de plenitude da presença de Deus é possível num mundo tão conturbado como o nosso.

Teresa de Ávila viveu numa época bastante contraditória. Era um tempo de mudanças em que o Ocidente abandonava a mentalidade medieval e se abria para a Modernidade. Essa transição foi dominada pela descoberta da racionalidade e pela defesa da dignidade humana. Além disso, a Espanha encontrava-se sob forte influência da inquisição, com o temor constante de aderir aos novos ventos que vinham do humanismo e das ciências nascentes e, sobretudo, dos ideais da Reforma Protestante.

Havia também o fato de ela ser mulher numa sociedade patriarcal. Embora tivesse sido estimulada a escrever sobre suas ideias e sua experiência, ela foi muitas vezes considerada como impulsiva e desajustada à sociedade. Aos 21 anos, abandonou a família para viver de forma radical a sua experiência de fé. Em vez de uma vida reclusa em um mosteiro, optou pela missão peregrina de formar diversos conventos pela Espanha.

A jornada de espiritualidade, quando vista à luz da tradição mística cristã e da Escritura, nos oferece uma compreensão mais aprofundada da vivência do amor ensinada por Jesus de Nazaré. A proposta de Teresa de Ávila está bem ajustada à experiência mística. De um modo geral, essa experiência envolve a prática da ascese, a meditação e o êxtase. Dito de outro modo, envolve a prática de purificação dos sentidos, o esforço para esvaziar a mente e a experiência de fortalecer o espírito. É um processo lento e gradual, com muitas idas e vindas, até que se alcance a união mística com Deus. Tudo isso para que possamos atravessar o deserto e refazer o caminho novamente.

A essência da experiência de Deus é o amor. Esse é o mistério divino que perpassa a relação de Deus com a Sua criação e nos interpela a experimentarmos sua realização de forma concreta em nossa vida. Ter um encontro com Deus é encontrar o amor em sua forma mais profunda.
(Assista à série de reflexões Moradas: Caminhos para a experiência de Deus >> no meu canal: https://www.youtube.com/playlist?list=PL4NVfVIy5Bi7DkhSi1oYXv2cJB2VF0sy4

sexta-feira, 4 de julho de 2025

Deus cuida de mim: Você não está só / God takes care of me: You are not alone / Dios cuida de mí: Usted no está solo

 

 

“Lancem sobre ele toda a sua ansiedade, porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7).

A poesia da música “Deus cuida de mim”, de Kleber Lucas, é uma das mais impactantes letras do cenário evangélico brasileiro. A música foi lançada em 1999 e ganhou repercussão em todos os segmentos religiosos então. Esse foi o título do terceiro álbum do cantor e é a sua composição de maior sucesso. O álbum chegou a vender mais de 100 mil cópias no promeiro ano e recebeu o Globo de Ouro no ano 2000.

Grandes cantores da música gospel a regravaram, alcançando sucesso nas vozes de Eyshila e Paulo César Baruk, entre outros, inclusive o padre Fábio de Melo. Grupos históricos, carismáticos e pentecostais, tanto no catolicismo quanto no protestantismo, entoam essa canção em seus cultos e celebrações. Ela tem sido cantada até mesmo por grupos afro-brasileiros e em rodas de pagode. Em 2022, a música ganhou maior projeção quando Kleber Lucas gravou um clip com um dos maiores cantores da música popular brasileira Caetano Veloso, que já se declarou ateu convicto.

A canção de Kleber Lucas conseguiu agradar tanto ao gosto do público no canto congregacional quanto nas programações de rádio. Ela compõem o imaginário da espiritualidade brasileira e orienta as práticas de oração e buscas de experiências de Deus de quem a ouve, pelo fato de a sua letra apontar para o o sentido teológico da presença divina.

Quando a Escritura declara que Deus cuida de nós, isso implica algumas definições teológicas fundamentais para o exercício da fé. Ela declara que o Deus da vida se faz presente entre nós em qualquer circunstância. É uma afirmação de que o Deus que é amor se faz comunhão e fortalece a crença e a esperança de que o Deus de Justiça age em favor da paz.

O Deus que cuida de nós está conosco é o mesmo que se afasta para que possamos compreendê-lo. O Deus onipresente muitas vezes se mostra ausente para que possamos cuidar de nós mesmos. O Deus que está próximo ao mesmo tempo está distante para que possamos busca-lo. A relação com Deus é sempre atravessada por uma tensão que envolve presença-afastamento, onipresença-ausência, proximidade- distância.

Experimentar o Deus que cuida de nós implica um exercício de aprendizado sobre quem Ele é, acolher o seu convite amoroso, desfrutar de seu cuidado e amar os espaços em que ele se revela. A canção nos traz essa proposta de espiritualidade de encontro com Deus, conosco e de comunhão.

Assista às mensagens da série “Deus Cuida de Mim: Não estamos sozinhos” em meu canal do Youtube>>: https://www.youtube.com/playlist?list=PL4NVfVIy5Bi7ZJ0eQhXMEB4vBOhP0RDlX ).

terça-feira, 10 de junho de 2025

O Reino em Família: Tudo começa em casa / The Kingdom in Family: It all starts at home / El Reino en Familia: Todo comienza en casa

Os valores do Reino de Deus são apontados nos evangelhos para que tenhamos uma vida mais humana no mundo. Assim como acontece em tudo oque diz respeito ao nosso desenvolvimento pessoal e às nossas relações interpessoais, tudo começa em família. Nesse sentido, o melhor lugar para aprendermos a colocar em prática os valores do Reino de Deus é a vida em família.

Os valores do Reino de Deus ensinados por Jesus nos ajudam a conviver melhor em família, na igreja e na sociedade. Eles estão voltados para práticas pouco enfatizadas na vida em comum, como a compaixão, a justiça, a esperança e o amor fraternal. Você não encontrará apelos para uma vida marcada por esses valores a não ser nas palavras de Jesus que falam do Reino de Deus.

Jesus convidou seus ouvintes para tomarem parte de seu Reino. Ao dizer que seu Reino era chegado, ele estava apontando para uma nova mentalidade que deve orientar a humanidade. O Reino de Deus é espaço para nos tornarmos mais humanos, com uma identidade própria e com mais consciência de quem somos.

Isso envolve um processo que chamamos de subjetivação, o qual construímos ao longo da vida, através de nossas relações com o mundo e uns com os outros. Donald Winnicott, em Tudo começa em casa, reconheceu que o ambiente familiar é importante para o desenvolvimento saudável de qualquer indivíduo. A casa e a família são o ponto de partida para a formação da personalidade, das relações sociais e da saúde mental.

Dessa forma, desenvolvemos o processo de subjetivação quando nos tornamos capazes de pensar, de sentir e de agir diante das condições de vida no mundo. As experiências em família são espelhadas na vida comunitária, formando a consciência crítica dos sujeitos a respeito do seu papel, a maneira de compreender o mundo e as formas de exercer influência para a vida em comum.

O caminho para a nossa construção como sujeitos passa pela vida em família. Ela é lugar de profundos aprendizados dos valores essenciais para a vida em comum. É nela que aprendemos a viver em comunhão. Da mesma forma, nela podemos aprender os valores do Reino de Deus como esse lugar de relações e de formação.

Algumas razões para compreendermos a importância do ambiente familiar para o nosso bem-estar:

- A casa é onde a vida começa e onde a vida se realiza.

- A casa é o nosso refúgio, o berço das nossas memórias e o palco dos nossos sonhos.

- O lar é o lugar onde nos sentimos seguros, amados e onde podemos ser nós mesmos.

- A casa é um espelho da nossa alma, mostrando o que somos e o que queremos.

- Em casa, aprendemos a amar, a perdoar, a respeitar e a construir relações sólidas.

Quando os valores do Reino de Deus são vivenciados em família, podemos compreender melhor o que é fundamental para a vida em comum na sociedade. A compaixão, a justiça, a esperança, o cuidado e a paz são valores essenciais para a vida em família que estão em sintonia com o que Jesus propôs como marcas da presença do Reino entre nós. São sinais que apontam para a prática do amor, do perdão e da reconciliação que podem ser aprendidos em família, mas que também fazem falta no mundo atual.

Na epígrafe de seu livro, Winnicot cita o trecho de uma poesia de T.S. Eliot:

“O lar é nosso ponto de partida. À medida que crescemos

O mundo se torna mais estranho, mais complexos os padrões

De morrer e viver. Não o momento intenso

Isolado, sem antes nem depois.

Mas uma vida ardendo em cada momento.”

Quando descobrimos a importância da vida em família para o desenolvimento e o bem-estar das pessoas, o ambiente familiar se torna mais acolhedor e propício a um relacionamento mais saudável. A família é como um pequeno reino, com suas próprias características e contextos, mas que pode ser reflexo do Reino maior, a fim de que seus membros possam se tornar cidadãos do Reino de Deus no mundo.

(Assista às mensagens da série O Reino em Família: Valores para a vida em comum >> em meu canal no Youtube).

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Censo 2022: O Brasil se torna mais plural quanto à religião / Census 2022: Brazil becomes more religiously plural / Censo 2022: Brasil se vuelve más pluralista en lo religioso

Os dados preliminares do Censo Demográfico 2002: Religiões, divulgados pelo IBGE neste dia 6 de junho de 2025, revelam que o Brasil se tornou mais plural em termos religiosos. Levando em consideração os dados dos últimos censos, especialmente o de 2010, verifica-se que a diversidade religiosa é uma realidade em todo o país.

A cada época, o Brasil vai deixando de ser um país predominantemente cristão para se tornar um espaço em que todas as crenças vão ocupando novas posições no cenário religioso. Desde o primeiro censo, em 1872, em que a população do Brasil era formada por 99,7% de católicos, o aumento da diversidade tem avançado de tal modo que se constitui um desafio para a projeção do que poderá acontecer daqui para a frente.

Principais índices verificados:

a) Redução de 8,3 pontos percentuais dos Católicos, que saem de 65,0% em 2010, para atuais 56,7%, uma redução um pouco menor do que na década anterior que foi de 9,0 pontos percentuais.

b) Os evangélicos tiveram aumento de 5,2 pontos percentuais, passando de 21,7% em 2010 para 26,9% em 2022. Esse índice foi de 6,7% entre 2000 e 2010.

b) Aumento nas proporções das religiões Umbanda e Candomblé, que saíram de 0,3 % em 2010, para 1,0%, em 2022, um aumento de 0,7 pontos percentuais.

c) Aumento de 1,3 pontos percentuais entre 2010 e 2022 dos que se declararam Sem Religião, passando de 7,8% para 9,3%.

d) Declínio na religião Espírita de 0,3 pontos percentuais, passando de 2,1% para 1,8%.

(Fonte: IBGE).

Em algumas regiões, esses índices apresentam variações. Por exemplo, as regiões Norte e Centro-Oeste têm maior concentração de evangélicos. O Acre é o estado com maior percentual de evangélicos no país. O catolicismo é maioria em todas as regiões, mas tem maior concentração nas regiões Nordeste e Sul. Os estados com maior número de católicos são Piauí e Ceará. Espíritas e seguidores de religiões afro-brasileiras têm maior concentração no Sul e no Sudeste e a maioria dos Sem Religião estão no Sudeste.

Outro dado importante apontado nessa amostra preliminar é a participação de negros e brancos nos grupos religiosos. A religião mais negra do Brasil continua sendo a evangélica. Das pessoas que se declararam pretas, 30% se identificaram com a religião evangélica e 2,3% com as religiões afro-brasileiras. Entre os que se declararam pardos, 29,2% se declararam evangélicos. Esse percentual chega a 32,2% da população indígena que se declara evangélica.

A tendência verificada em 2010 do aumento do grupo de pessoas que se declara Sem Religião continuou nessa amostra do Censo 2022. Hoje, de cada 10 brasileiros, 1 afirma ser Sem Religião. Se juntarmos os grupos católicos e evangélicos, verifica-se que o número de cristãos vem caindo a cada censo, contando atualmente com 56,7% da população. Isso se deve a dois fatores: a queda do 8,4 pontos percentuais de católicos em relação ao 2010 e o crescimento de 5,2% dos evangélicos, considerado abaixo do esperado tendo em vista que a população cresceu 6,5% no mesmo período.

Os dados do censo também levantaram o nível de instrução por religião. O número de pessoas que se declarou sem instrução e que possui apenas formação no ensino fundamental constitui a maioria em todas as religiões, exceto entre os Sem Religião e os Espíritas. Estes últimos têm o maior índice de participantes com curso superior completo e o menor índice dos que não têm instrução.

Esses números apontam para alguns fatos importantes:

a) O Brasil caminha para deixar de ser um país predominantemente cristão para ser marcado pelo pluralismo religioso.

b) Tanto o pluralismo religioso e quanto a multiculturalidade emergem como valores sociais que devem orientar a formação de um estado laico onde todas as crenças e tradições religiosas possam ter espaço.

c) O fenômeno do pluralismo religioso e a laicidade não significam o fim da religião, mas atestam o fato de que o povo brasileiro continua sendo um povo religioso.

d) As religiões católicas e evangélicas têm o grande desafio de investir na formação dos seus membros.

e) A diversidade da religião evangélica no Brasil não foi contemplada nessa mostra preliminar. O IBGE ainda não divulgou o percentual por denominação nem o índice dos que se declaram sem vínculo com uma igreja.

f) As mulheres continuam sendo predominantes em todos os grupos religiosos.

Os dados divulgados são preliminares e, por isso, não permitem um diagnóstico mais abrangente da condição religiosa dos brasileiros. Porém, é possível perceber que há uma mudança sensível no comportamento religioso, em que as pessoas se sentem mais à vontade para falar de suas crenças e assumir sua pertença religiosa. É um novo cenário que emerge, resultado de uma mudança cultural que substitui o catolicismo hegemônico pela diversidade religiosa. Essa tendência pode também interferir nas decisões políticas do país, com a influência cada vez maior dessas novas expressões.

Imagens: IBGE

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Papa Leão XIV: promessa de diálogo e continuidade de uma Igreja de Portas Abertas / Pope Leo XIV: promise of dialogue and continuity of a Church with Open Doors / Papa León XIV: promesa de diálogo y continuidad de una Iglesia de puertas abiertas

 

Na tarde deste dia 9 de maio de 2025, o Conclave elegeu, em seu segundo dia, o norte-americano Robert Francis Prevost como o 267° Papa da Igreja Católica Apostólica Romana. Uma surpresa para os melhores vaticanistas, que apostavam em nomes mais conservadores. O Cardeal Prevost não constava da lista dos principais prováveis sucessores de Francisco. Eleito Papa, adotou o nome de Leão XIV e tornou-se o primeiro papa americano e o primeiro agostiniano.

Embora pouco conhecido nos meios eclesiástico, Prevost tem um passado marcado por uma atuação pastoral significativa. Serviu como religioso na América Latina, especialmente no Peru. Considerado jovem para o pontificado (tem 69 anos), é também visto como um conciliador moderado e apoiador dos princípios reformistas de Francisco. É um Papa americano, mas com coração latino. Nascido em Chicago, tornou-se cidadão peruano.

Ouvi com atenção seu primeiro discurso na sacada da basílica de São Pedro. Alguns pontos me chamaram muito a atenção pelo fato de serem indicadores de como deverá ser seu pontificado. O primeiro deles foi o desejo pela paz, num tempo em que o mundo enfrenta dois conflitos graves (a guerra da Ucrânia e a destruição do povo palestino na guerra de Israel contra o Hamas), além da ameaça de uma nova guerra de proporções mundiais. Ele frisou que deseja uma paz “desarmada e desarmante”, na contramão da corrida armamentista das nações do mundo.

O novo Papa também apontou seu desejo de dar continuidade à construção do caminho da sinodalidade e de uma igreja de portas abertas, dois legados de Francisco. O seu discurso lembrou bastante as orientações que emanaram da Conferência Episcopal de Aparecida, em 2007, com a ênfase à ação missionária, comprometida com as condições concretas de vida das comunidades locais. Demonstrou claramente que deseja uma igreja que seja capaz de diálogo, que construa pontes, e não muros, que esteja sempre próxima aos que sofrem.

Leão XIV também fez questão de afirmar sua condição de um agostiniano, como “filho de Santo Agostinho”. O lema dessa ordem religiosa, criada no século XIII, se baseia na declaração: “No Único, somos um só”, expressão do ideal de ser uma igreja com um só coração e uma só alma, como a Bíblia registra sobre a vida dos primeiros cristãos: “Da multidão dos que creram, uma era a mente e um o coração [...]” (Atos 4.32). É bom ressaltar que as regras de vida monástica escritas por Santo Agostinho enfatizavam a pobreza, a comunhão, a oração e o silêncio.

O nome Leão não é uma escolha de pouca importância. Lembra o pontificado de Leão XIII, no final do século XIX, quando foi estabelecida a Doutrina Social da Igreja, com ênfase no bem comum, na solidariedade, na Justiça e na dignidade da pessoa humana. Ao expor a proposta de uma sociedade mais justa, a encíclica Rerum Novarum  rejeitou as doutrinas marxistas e condenou o capitalismo explorador. Mas o nome lembra também o primeiro Leão, o Magno, no século V, que ampliou o poder do Bispo de Roma e atuou para a afirmação da Cristologia ocidental com base na teologia de Santo Agostinho.

Diante do cenário geopolítico mundial, não há como falar da eleição de um papa americano sem mencionar a figura do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Leão XIV deixou implícito em sua fala que não apoia a atual política norte-americana em relação aos imigrantes, à construção de muros nas fronteiras e à imposição de barreiras tarifárias que afetam a economia mundial. O novo Papa demonstrou que está muito mais próximo da realidade latino-americana do que do imperialismo estadunidense.

É um sinal claro de que a Igreja de Roma se voltou para a América Latina e que consolida a influência do Sul Global. Parte do seu discurso foi em espanhol, inclusive. A teologia latino-americana já vem ganhando força com o pontificado de Francisco, apontando para o cuidado da criação e para a abertura aos mais vulneráveis. Que novos ventos soprem e continuem a soprar para que tenhamos um cristianismo de mente e coração mais abertos para as aflições humanas.

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Legados de Francisco: o papa que encarnou o evangelho ao mundo / Legacies of Francis: The Pope Who Incarnated the Gospel to the World / Legados de Francisco: El Papa que encarnó el Evangelio al mundo

Encerrou-se na manhã deste dia 21 de abril de 2025 a trajetória do primeiro papa jesuíta, devoto de Francisco de Assis, primeiro papa não europeu depois de 1200 anos e o primeiro papa latino-americano. Com o falecimento do Papa Francisco, a Igreja Católica Apostólica Romana é chamada a repensar sua própria natureza e missão ao se preparar para o processo de escolha de seu novo pontífice.

Nascido Jorge Mario Bergoglio (nasceu em 17 de dezembro de 1936, em Buenos Aires, Argentina) e tornado Francisco ao ser eleito, ele proporcionou ao mundo uma oportunidade de repensar os caminhos da igreja como povo de Deus, sua identidade como corpo de Cristo e sua mensagem de misericórdia para um mundo em permanente conflito. Seu pontificado durou 12 anos, 1 mês e 8 dias (foi eleito em 13 de março de 2013). Nesse tempo, o mundo experimentou o aumento dos efeitos da crise ambiental e climática, enfrentou uma pandemia, assistiu a Rússia invadir a Ucrânia e aos ataques de Israel contra o povo palestino em sua guerra contra o Hamas.

Os temas morais envolvendo o divórcio, a união de casais do mesmo sexo, a participação religiosa das mulheres, a questão LGBTQIA+, a eutanásia e a eucaristia aos recasados ainda foram tratados pelo viés conservador. Porém, a preocupação com a justiça social, a defesa de uma economia mais solidária em vez do capitalismo neoliberal e o diálogo ecumênico e inter-religioso foram marcas de seu magistério.

Francisco será sempre lembrado por tendências significativas para a ação da igreja nesse tempo. A primeira delas é a preocupação em ser uma igreja pobre para os pobres. Sua opção preferencial pelos pobres se refletia na simplicidade de seu pontificado. Outra tendência é ser uma igreja em saída, com a ênfase na sinodalidade e no diálogo com o mundo. Os documentos que publicou (Evangelii Gaudium, Fratelli tutti, Gaudete et exultate, Laudato si e Lumen Fidei) apontam para um cristianismo misericordioso e fraterno, preocupado com a formação de uma cultura do encontro. Há ainda a tendência de se assumir um compromisso com o cuidado de nossa casa comum.

O novo papa que deverá ser escolhido nos próximos dias terá o grande desafio de, no mínimo, continuar o legado de Francisco. A igreja não consegue mais esconder os graves problemas que envolve sua pesada estrutura no mundo. A influência do ultraconservadorismo também afeta a cúria romana, tanto que as análises a respeito do sucessor de Francisco apontam tanto para o retrocesso quanto para o avanço progressista. Pelo menos por ora, é momento de lamentar essa perda, agradecer pela oportunidade de conviver com alguém que encarnou o evangelho e orar pelo consolo aos católicos e cristãos de todo o mundo.

sexta-feira, 18 de abril de 2025

O drama da cruz / El drama de la cruz / The drama of the cross

 

A crucificação de Jesus foi cercada de vários aspectos que poderiam servir para abreviar a sua morte. Ele já tinha sido açoitado e torturado pelos soldados, estava faminto e tinha sede, recusou beber a mistura de vinho com fel que lhe serviria de entorpecente, os cravos em suas mãos e pés tinham por objetivo provocar uma hemorragia, recebeu vinagre para beber e ainda tinha sido ferido em seu ventre. A crucificação foi por volta das 9 horas da manhã no monte chamado Gólgota, que quer dizer “caveira”. Hoje o chamamos de monte do Calvário. Jesus expirou por volta das três horas da tarde. Antes de expirar, Jesus clamou em aramaico como um sinal de seu grande sofrimento. Ele não estava afirmando que Deus o havia abandonado. A expressão enkatelipes deve ser mais bem traduzida como “deixar em apuros”. Mateus registra que a morte de Jesus foi acompanhada de alguns fenômenos sobrenaturais: começou com o período de trevas desde o meio dia até as três da tarde, a cortina que dividia o lugar santo do lugar santíssimo no templo se rasgou de alto a baixo, houve um terremoto, os sepulcros se abriram, alguns mortos ressuscitaram. Esses fatos levaram o centurião e os soldados que acompanhavam a crucificação a reconhecerem que Jesus era realmente o Filho de Deus.

Jesus veio ao mundo em cumprimento de uma promessa divina para a redenção dos homens. Muitos profetas anunciaram a sua vinda afirmando ser ele um rei. E o próprio Evangelho de Mateus usa a designação de rei oito vezes para referir-se a Jesus Cristo como tal. Ele foi reconhecido como rei pelos magos que vieram do oriente, na época do seu nascimento (conforme Mateus 2.2). Ele foi aclamado rei pela multidão, quando entrou em Jerusalém pela última vez (Mateus 21.5). Ele mesmo se apresentou como sendo rei (Mateus 25.24 e 40). E foi julgado por ser apontado como rei dos judeus, o que significaria uma alta traição para o governo romano que dominava aquela região (Mateus 27.11). A inscrição na cruz era uma informação a respeito do crime pelo qual Jesus estava sendo punido, por ter falado a verdade de que ele era o Messias. Embora aquela expressão proclamasse uma verdade, Jesus é muito mais que um rei. Ele é o Senhor de todos os povos e tem sobre si todo o poder.

Se notarmos bem o que aconteceu ali durante a crucificação, Jesus foi maltratado por três grupos diferentes de pessoas: os que iam passando (Mateus 27.39), os religiosos importantes (Mateus 27.41) e os salteadores que foram crucificados com ele (Mateus 27. 44). Poderíamos dizer que Jesus sofreu o escárnio devido à ignorância das pessoas (pelos passantes), por pura discriminação religiosa (pelos sacerdotes, escribas e anciãos) e por puro ressentimento (pelos salteadores crucificados). Aquele que foi desprezado entre os seus, era verdadeiramente o “Filho amado” do Pai que “veio para os que eram seus e os seus não o receberam, mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que creem em seu nome” (João 1.11-12).

O clamor de Jesus na cruz foi uma expressão de extremo sofrimento físico, moral e espiritual. Ali, Jesus se fez pecado por nós, carregando sobre si os pecados de toda a humanidade, com o propósito de salvar a todo o que nele crê. Como ser humano, Jesus sentiu-se isolado e abandonado, durante aquelas quase seis horas de sofrimento, das quais três horas corresponderam a um período de trevas. Era necessário que Jesus chegasse ao auge do sofrimento para que, assim, ele pudesse ser perfeitamente Salvador e substituto de todos nós, pecadores. Só assim podemos afirmar que ele morreu em nosso lugar, pagando o preço pela nossa própria salvação.

A morte de Jesus foi o sinal mais evidente do amor de Deus por todos os homens. Jesus foi crucificado para o perdão de nossos pecados. Não haveria outro motivo pelo qual Deus viesse consentir com tamanho sofrimento de seu Filho, quando de sua vida entre os homens. A morte na cruz significou um grande sofrimento para Jesus. Ele foi obediente em tudo, deixou-nos o seu exemplo de resignação e amor, em tudo foi submisso ao Pai para cumprir todo o propósito de Deus. Tudo isso para que pudesse garantir liberdade de acesso a Deus. O pecado, a maior barreira que separa o homem e Deus, foi vencido ali na cruz, concedendo pleno perdão a todo aquele que o busca pela fé.

Mateus 27.55-56 chama a atenção do leitor para as mulheres que serviam a Jesus e acompanhavam todo aquele drama até o momento final da sepultura (v. 61). Nem todos os seguidores de Jesus haviam fugido, as mulheres haviam permanecido fiéis até o fim. Mateus fala também de um discípulo chamado José de Arimateia, que era homem rico, membro do Sinédrio (Marcos 15.43) e amigo de outro judeu ilustre chamado Nicodemos que o ajudou (João 19.18.39), que providenciou o sepultamento de Jesus em um túmulo novo de sua propriedade. Uma tradição essência dá conta de que o crucificado pelos mesmos motivos alegados contra Jesus deveria ser sepultado no mesmo dia de sua morte [1]. Além disso, logo a tarde seria finda e o sábado teria início, quando ninguém poderia fazer qualquer trabalho, muito menos tocar em um morto, considerado um serviço imundo. Os fariseus demonstraram que, no fundo, acreditavam no poder miraculoso de Jesus ao solicitar a Pilatos uma guarda especial para o sepulcro e providenciar um selo para pedra que o fechava. A ideia do embuste era só uma desculpa.

(Extraído do meu livro Mateus, o evangelho do Reino, disponível em: https://a.co/d/id6yeMi ).



[1] Jean Dominic CROSSAN. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Rio de Janeiro: Imago, 1995. p. 195.

domingo, 16 de março de 2025

O cuidado como ação / Care as action / El cuidado como acción

 

Como transformar aspirações em gestos, teoria em prática, discursos em ação? Isso tem a ver com o exercício do cuidado. As bases de uma teologia do cuidado passam pelos aspectos práticos de nossas relações. Cuidar é acima de tudo agir em favor do outro. Envolve um movimento em direção às necessidades do outro.

Há uma gramaticalidade da teologia do cuidado. Implica uma conjugação com outras ações que demandam atenção, relacionamento, valorização e respeito ao outro. É colocar-se em constante processo de aperfeiçoamento, de novas descobertas e de crescimento interpessoal. As pessoas que cuidam são reconhecidas pelo seu valor e inspiram maior confiança.

A Bíblia apresenta vários verbos que remetem à prática do cuidado. O primeiro dele é o próprio verbo “cuidar”, que denota atenção pelo outro. Envolve zelar, proteger, ajudar, acompanhar, encorajar. É um verbo que requer um complemento. Quem cuida, cuida de algo ou de alguém. Dito do ponto de vista linguístico, ele é um verbo transitivo por não esgotar-se em si mesmo, precisa estar ligado a um objeto.

Há três formas do cuidado expressas no Novo Testamento. A primeira remete ao cuidar de si mesmo, em: “Tem cuidado de ti mesmo [...]” (1 Timóteo 4.16 ARC). O verbo em grego é epecho, que significa observar, prestar atenção, segurar firme, conferir. A segunda lembra o fato de ser cuidado por Deus, em: “[...] porque ele tem cuidado de vocês” (1 Pedro 5.7). O verbo em grego é melei, que significa cuidar de algo ou alguém, preocupar-se, importar-se. A terceira está ligada ao ser cuidado, em: “[...] suprissem as suas necessidades” (Atos 27.3). O verbo grego é epimeleias, cuja tradução é cuidado, necessidades, atenção.

Essa análise levanta uma preocupação sobre como é possível tornar essa ação como efetiva em favor de alguém ou de si mesmo. Como podemos exercer o cuidado? Cuidamos quando construímos parcerias, fortalecemos a comunhão, temos uma atitude mais inovadora, buscamos a excelência, exercemos influência para o bem e temos esperança.

O exercício do cuidado quando o outro está implicado envolve reconhecer o outro como pessoa, dar atenção ao outro de forma individualizada, perceber as necessidades do outro e valorizar as emoções do outro. São ações que procuram servir, cooperar, ser solidário, dar generosamente e acolher o outro em suas necessidades.

A ação do cuidado é terapêutica por si mesma. Em uma perspectiva integral, o cuidado implica o acolhimento, a escuta, o suporte, o esclarecimento. O cuidado nos interpela constantemente a agir como uma marca distintiva de nossa condição, como algo que nos identifica e molda nossas relações no mundo.

Para a fé cristã, cuidar é essencial para sua eficácia. Podemos inclusive parafrasear Tiago 2.14, afirmando que a fé sem o exercício do cuidado é morta. Por essa razão, precisamos descobrir quais são as ações que o exercício do cuidado nos aponta.

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