quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Ética e Virtude / Ethics and virtue

Desde o começo da Ética a Nicômaco, Aristóteles define a ética como o estudo da ação humana fundamentada no bem: “admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem” (1973, p. 249). Fica claro que a existência humana se inscreve num plano geral e harmonioso, mas de realização bastante complexa.
A natureza humana, para Aristóteles, encerra em sua estrutura o conflito da forma, que luta para subordinar a matéria, e da razão, que tenta comandar as paixões, desejos e sentimentos, na perspectiva do dualismo psicofísico – a superioridade da alma sobre o corpo e a distinção entre a parte racional e a parte dominada pela vontade. Entretanto, para ele a idéia não existe separada dos indivíduos concretos. Por isso, é preciso distinguir o que o indivíduo é atualmente e o que pode vir a ser. Enquanto Deus é ato puro, o homem é atividade, passagem da potência ao ato.
O que é a felicidade, então para Aristóteles? É a vida teórica ou contemplação, como atividade humana guiada pela razão, que não se realiza de forma acidental, mas mediante a aquisição das virtudes, como sendo certos modos constantes de agir. As virtudes são atitudes adquiridas e se constituem num termo médio e equilibrado entre dois extremos. A felicidade que se alcança por meio da virtude exige condições que não se bastam sozinhas para se realizarem, como a liberdade. O triunfo da virtude é, portanto, a vitória do homem sobre si mesmo, conquistando a harmonia interior, quando se torna senhor de si.
Porquanto a existência é boa para o homem virtuoso, e cada um deseja para si o que é bom, ao passo que ninguém desejaria possuir o mundo inteiro se para tanto lhe fosse preciso tornar-se uma outra pessoa (quanto a isso, Deus é quem tem a posse atual do bem). Tal homem só deseja essas coisas com a condição de continuar sendo o que é; e o elemento pensante parece ser o próprio indivíduo, ou sê-lo mais do qualquer outro dos elementos que o formam. E ele deseja viver consigo mesmo, e o faz com prazer, já que se compraz na recordação de seus atos passados e suas esperanças para o futuro são boas, e portanto agradáveis.
Aristóteles elabora um discurso sobre a felicidade do homem que se tornou consciente de si: “Mas uma tal vida é inacessível ao homem, pois não será na medida em que é homem que ele viverá assim, mas na medida em que possui em si algo de divino. [...] Se, portanto, a razão é divina em comparação com o homem, a vida conforme a razão é divina em comparação com a vida humana. Mas não devemos seguir os que nos aconselham a ocupar-nos com coisas humanas, visto que somos homens, e com coisas mortais, visto que somos mortais; mas, na medida em que isso for possível, procuremos tornar-nos imortais e envidar todos os esforços para viver de acordo com o que há de melhor em nós; porque, ainda que seja pequeno quanto ao lugar que ocupa, supera a tudo o mais pelo poder e pelo valor” (1973, p. 429).
O objetivo da ética aristotélica é tornar o homem bom. “Não investigamos para saber o que é virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do contrário o nosso estudo seria inútil” (ARISTÓTELES, 1973, p. 268). Indagará mais adiante: “Se estes, assim como a virtude e também a amizade e o prazer, foram suficientemente discutidos em linhas gerais, devemos dar por terminado o nosso programa?” (p. 432). A resposta só pode ser negativa, pois a ética não visa à especulação, mas à prática. “No tocante à virtude, pois, não basta saber, devemos tentar possuí-la e usá-la ou experimentar qualquer outro meio que se nos antepare de nos tornarmos bons” (p. 432).
(Extraído de minha dissertação de Mestrado: Ética protestante e pós-modernidade)

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