O que é a fé senão uma experiência de encontro? Muitos a veem
como uma dádiva concedida para que, através de sua posse, sejamos salvos. Outros
a veem como um saber adquirido, um conjunto de prescrições, valores e princípios
que orientam a vida. Sim, a fé é isso: dádiva e conquista, o que orienta a
vida, o que dá sentido à existência. Isso não é uma mera faculdade humana. É
graça à qual temos acesso pelo ouvir.
Entretanto, quero apontar um terceiro modo de entender a fé:
experiência de encontro. O cristianismo se apropriou de uma palavra que os
gregos usavam para descrever a fé: pistis.
Essa palavra significava uma confiança que a pessoa poderia adquirir ou receber por dar
credibilidade a alguma coisa ou a alguém. Implicava uma conduta, uma relação
com o outro. Daí a ideia de fidelidade. Só posteriormente que recebeu um
sentido de convicção, no sentido de um destino final.
A cultura judaica já conhecia esse sentido primordial da fé
como confiança. A palavra hebraica aman
significava “ser digno de confiança”. Sendo assim, a fé é elemento fundador de
uma relação, de acolher e de ser acolhido pelo outro. O cristianismo é
isso: resultado de uma experiência de encontro com o Cristo vivo, que nos acolhe por
amor e deseja que o acolhemos em amor.
A fé assim implica encontro com o que está para além de nós,
com o transcendente. E o fazemos na medida em que percebemos esse transcendente
como uma pessoa que se faz ausente e distante. É na ausência de Deus que
podemos elaborar uma experiência de busca e, em meio a isso, permitir que Deus
revele a nós quem ele é.
A fé que é encontro também nos confronta com o outro. Não é um
isolamento monástico, um afastamento do mundo, uma reclusão. Antes, é a
abertura para as interpelações que o outro me impõe na medida em que ele mesmo
se mostra para a mim e me reconhece como pessoa. É como um espelho em que tudo
o que se dá não passa de representações que exigem múltiplas interpretações. Gestos,
palavras e expressões compõem o misterioso universo do dito, do não dito e do
interdito que atravessa nossas interações com o outro.
A fé como encontro é um mergulho no ser, um encontro consigo
mesmo. Implica coragem de desvendar para si o que está por trás das muitas
máscaras que se usa e que acabam confundindo e iludindo a respeito de quem se é.
Uma fé que não ajuda a descobrir a si mesmo não passa de alienação, de delírio,
de entorpecimento. Um exercício de introspecção que não contribui em nada se não
servir para me lançar de volta a uma busca de Deus e a uma caminhada com o outro
com todos os perigos que isso envolve.
Por isso que os cristãos primitivos usavam tanto a expressão “uns
aos outros”. A experiência de fé exige uma aceitação do outro do jeito que é.
Exige o exercício de paciência a fim de que as condições históricas de uma caminhada
possível se concretizem. Exige um exercício de parceria, de solidariedade, que
implica muito mais o que se tem a oferecer do que o que se tem a receber. Exige
uma vivência em amor, nos moldes do que Cristo viveu ao assumir o perigo da
cruz.
A fé que não pode ser partilhada como uma experiência “uns aos
outros” parece estranha à proposta do cristianismo. Ao contrário, a fé é
condição para ser cristão porque nos tira no isolamento, do e egoísmo e da
morte para nos devolver à vida e nos remeter de volta ao que nos dá sentido. O
que nos tira disso é pecado: “o que não provém da fé é pecado”. Romanos 14.23.
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