quinta-feira, 23 de junho de 2016

A construção da confiança / Building trust / La construcción de la confianza

Já se foi o tempo em que as pessoas iam à venda e só a palavra bastava para fechar um negócio, em que só o nome ou o título de alguém era suficiente para conferir credibilidade, em que o que se lia na mídia possuía veracidade. O nosso tempo está carregado de uma quantidade enorme de informações que não conseguimos processar, e isso afeta todas as nossas relações. Vivemos num tempo em que as pessoas desenvolveram a habilidade de dialogar com novas formas de inteligência, sejam elas racionais ou mesmo artificiais, e isso se reflete nas relações de confiabilidade.
O relacionamento em rede possibilitou registros pessoais da vida privada de todo mundo, que podem ser checados rapidamente por um amplo e complexo sistema de busca pela internet. A vida passou a ser marcada pelo que cada um registra, curte e compartilha por redes sociais. O excesso de informações pessoais interfere cada vez mais em nosso comportamento, o que pode ser notado ao começar relacionamento, ao se contratar um funcionário, ao se realizar uma compra ou mesmo ao se fazer um novo procedimento terapêutico.
Isso traz à tona o dilema da confiança. Confiar é algo que exige uma fonte segura de informação, que já não é mais unívoca, pois cada vez mais encontramos dados em sites de busca, em redes sociais e noticiários em tempo real. A maneira como as pessoas processam essas informações e interpretam esses dados estabelece uma nova forma discursiva de lidar com a realidade.
Isso afeta o ritmo das relações que construímos. Nossa individualidade está exposta através de imagens, curtidas, interações e opiniões que estão à disposição de qualquer interessado. O sentido do público e do privado ganhou novo contorno com as novas formas de exposição. O privado deixou de ser restrito ao campo da intimidade e os espaços públicos incluem as interações digitais.
Exemplo disso é o político flagrado acessando site pornográfico em plena sessão parlamentar, a revelação de gravações de conversas particulares para dar validação a interesses duvidosos, o vazamento de fotos sensuais registradas nos celulares de celebridades, a divulgação de imagens íntimas para atingir o outro quando o relacionamento acaba. Há nisso tudo um certo jogo de tornar público o que é privado e de considerar privado aspectos subjetivos, mesmo que isso esteja na contramão do interesse coletivo e do bem comum.
A construção da confiança hoje é uma conquista que depende de uma quantidade enorme de fontes de informação de tal modo que a verdade ficou menos evidente, ou no mínimo corresponde menos ao real. Os relacionamentos virtuais e a as narrativas permitem mais o falseamento e exigem das pessoas um exercício maior de investigação. A afirmação da confiança, por assim dizer, passa por outras formas de construção. Todos acabamos nos tornando stalkers – pessoas que buscam informações invadindo a privacidade alheia – para tomarmos decisões sobre com quem nos relacionamos, o emprego que vamos ter, os serviços e pessoas que vamos contratar e até o diagnóstico médico que vamos seguir.
Quem nunca vasculhou a vida de uma pessoa antes de aceitar uma amizade pelo Facebook? Quem nunca procurou saber sobre a descrição e a profilaxia de algum mal súbito que lhe acometeu? Quem nunca consultou a Wikipedia para se informar sobre assuntos desconhecidos? Quem nunca examinou guias de viagem na internet antes de sair de férias?
Estas ações vão se tornando cada vez mais superficiais na medida em que comportam uma diversidade de informações, assim como vão se tornando cada vez mais efêmeras na medida em que exigem um envolvimento maior. A espiritualidade que emerge desse quadro comporta tanto uma pluralidade de possibilidades como também uma superficialidade das práticas. Do mesmo modo que revela uma necessidade, perde-se pela falta de comprometimento, uma vez que todas as formas se parecem identificadas com as relações fluídas do nosso cotidiano.

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