Já
se foi o tempo em que as pessoas iam à venda e só a palavra bastava para fechar
um negócio, em que só o nome ou o título de alguém era suficiente para conferir
credibilidade, em que o que se lia na mídia possuía veracidade. O nosso tempo
está carregado de uma quantidade enorme de informações que não conseguimos
processar, e isso afeta todas as nossas relações. Vivemos num tempo em que as
pessoas desenvolveram a habilidade de dialogar com novas formas de inteligência,
sejam elas racionais ou mesmo artificiais, e isso se reflete nas relações de
confiabilidade.
O
relacionamento em rede possibilitou registros pessoais da vida privada de todo
mundo, que podem ser checados rapidamente por um amplo e complexo sistema de
busca pela internet. A vida passou a ser marcada pelo que cada um registra,
curte e compartilha por redes sociais. O excesso de informações pessoais interfere
cada vez mais em nosso comportamento, o que pode ser notado ao começar relacionamento,
ao se contratar um funcionário, ao se realizar uma compra ou mesmo ao se fazer um
novo procedimento terapêutico.
Isso
traz à tona o dilema da confiança. Confiar é algo que exige uma fonte segura de
informação, que já não é mais unívoca, pois cada vez mais encontramos dados em
sites de busca, em redes sociais e noticiários em tempo real. A maneira como as
pessoas processam essas informações e interpretam esses dados estabelece uma
nova forma discursiva de lidar com a realidade.
Isso
afeta o ritmo das relações que construímos. Nossa individualidade está exposta
através de imagens, curtidas, interações e opiniões que estão à disposição de
qualquer interessado. O sentido do público e do privado ganhou novo contorno
com as novas formas de exposição. O privado deixou de ser restrito ao campo da intimidade
e os espaços públicos incluem as interações digitais.
Exemplo
disso é o político flagrado acessando site pornográfico em plena sessão
parlamentar, a revelação de gravações de conversas particulares para dar
validação a interesses duvidosos, o vazamento de fotos sensuais registradas nos
celulares de celebridades, a divulgação de imagens íntimas para atingir o outro
quando o relacionamento acaba. Há nisso tudo um certo jogo de tornar público o
que é privado e de considerar privado aspectos subjetivos, mesmo que isso esteja
na contramão do interesse coletivo e do bem comum.
A
construção da confiança hoje é uma conquista que depende de uma quantidade
enorme de fontes de informação de tal modo que a verdade ficou menos evidente,
ou no mínimo corresponde menos ao real. Os relacionamentos virtuais e a as
narrativas permitem mais o falseamento e exigem das pessoas um exercício maior
de investigação. A afirmação da confiança, por assim dizer, passa por outras
formas de construção. Todos acabamos nos tornando stalkers – pessoas que buscam informações invadindo a privacidade alheia
– para tomarmos decisões sobre com quem nos relacionamos, o emprego que vamos
ter, os serviços e pessoas que vamos contratar e até o diagnóstico médico que
vamos seguir.
Quem
nunca vasculhou a vida de uma pessoa antes de aceitar uma amizade pelo
Facebook? Quem nunca procurou saber sobre a descrição e a profilaxia de algum
mal súbito que lhe acometeu? Quem nunca consultou a Wikipedia para se informar sobre
assuntos desconhecidos? Quem nunca examinou guias de viagem na internet antes
de sair de férias?
Estas
ações vão se tornando cada vez mais superficiais na medida em que comportam uma
diversidade de informações, assim como vão se tornando cada vez mais efêmeras
na medida em que exigem um envolvimento maior. A espiritualidade que emerge
desse quadro comporta tanto uma pluralidade de possibilidades como também uma
superficialidade das práticas. Do mesmo modo que revela uma necessidade,
perde-se pela falta de comprometimento, uma vez que todas as formas se parecem identificadas
com as relações fluídas do nosso cotidiano.
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