quinta-feira, 9 de junho de 2016

Os sete pecados capitais / The seven capital sins / Los siete pecados capitales

O que nós conhecemos como sete pecados capitais corresponde a uma classificação de vícios usada nos primeiros ensinamentos cristãos para educar e proteger os fiéis dons excessos naquelas inclinações humanas mais básicas. Desde os primórdios, o cristianismo dividiu os pecados em dois tipos: os pecados que são perdoáveis por serem leves, e os pecados capitais, merecedores de condenação e penitência.
Para muitos teóricos ligados ao mercado corporativo, o segredo do sucesso está em saber tirar o melhor proveito dos pecados capitais. Para eles, pessoas bem-sucedidas não têm problema em cometer os sete pecados de forma equilibrada, se é que isso é possível. Porém, não adianta esperar resultados certos se não fazemos as coisas certas. Alguns até os chamam de prazeres capitais
Foi o teólogo e monge grego Evágrio do Ponto (345-399) quem escreveu, pela primeira vez, uma lista de oito paixões humanas, em uma ordem crescente de importância, que envolvem situações de pecado: a gula, a avareza, a luxúria, a ira, a melancolia, a acídia (ou preguiça), o orgulho e a vanglória. Esses sentimentos se tornam mais graves à medida que a pessoa desenvolve um comportamento egocêntrico. De todos os pecados dessa lista, o orgulho é o principal responsável por levar o pecador a alimentar uma atitude de se fechar em si mesmo.
Já no século VI, o papa Gregório reduziu essa lista a sete itens: juntou o orgulho com a vanglória, trocou a melancolia por inveja e a acídia por indolência. No século XIII, Tomás de Aquino fez uma análise sobre a gravidade dos pecados e propôs mais uma lista. Finalmente, no século XVII, a igreja romana definiu os sete pecados capitais, substituindo a indolência por preguiça.
Segundo Tomás de Aquino, os sete pecados são mortais não somente porque eles envolvem uma grande ofensa moral, mas porque promovem outros pecados, gerando uma corrente de pecados, vícios e erros, levando a própria pessoa e a sociedade a um caos moral. Eles nascem a partir do que o catecismo católico chama de tríplice concupiscência, que nos inclina sempre para o mal: a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a soberba da vida, com base na afirmação do apóstolo João em sua primeira epístola (2.16). Com o Renascimento, os sete pecados capitais foram popularizados e se tornaram conhecidos em todas as culturas do mundo.
Por que essas atitudes são chamadas de pecados capitais? A palavra “pecado” se refere a toda ação livre e consciente da pessoa humana em transgredir. O sentido original da palavra usada pela Bíblia hebraica para descrever o pecado é “errar o alvo”. Já a palavra “capital” vem do latim capita, que quer dizer “cabeça” ou “principal”. Ou seja, cada um desses pecados leva a outros pecados, outros vícios. São as causas para todo tipo de maldade e problemas que enfrentamos.
Falar de pecado na sociedade pós-moderna caiu em desuso. Vivemos num tempo marcado por uma pluralidade de valores em que não se pode mais definir o que é certo ou errado sem que isso venha ser questionado e relativizado. O que vale é a conquista de uma imagem púbica que resulte em um sentido de realização pessoal e do fruir de um prazer ao extremo. A nova moralidade está para além do conceito de bem e de mal.
A moralidade pós-moderna não é apegada a valores, mas àquilo que estabelece limites à liberdade individual. Pecado é ferir a dignidade humana, principalmente quando está relacionado às oportunidades de consumo. É uma moralidade ambígua, conforme defendeu Gilles Lipovetsky. Ao mesmo tempo que se promove um individualismo livre de qualquer regra, as pessoas têm desenvolvido uma atitude de vigilância da vida alheia, num comportamento que poderíamos chamar de ultramoralista.
O poeta francês Paul Valéry disse que “os homens se diferenciam pelo que demonstram e se assemelham pelo que são”. Afinal, o humano não se limita a uma definição categórica nem se presta a uma adjetivação. Somos bons e maus o tempo todo porque somos lançados no mundo para construir uma relação de liberdade e de responsabilidade. Liberdade para fazer escolhas e responsabilidade para suportar as consequências.
Diante das grandes transformações que o mundo vem atravessando, surge a pergunta sobre quais atitudes devemos assumir no contexto de uma sociedade plural. Como lidar com nossas paixões e insistente tendência para cometer erros? Ainda no século IV, o poeta cristão Prudêncio escreveu uma obra sobre a batalha constante entre vícios e virtudes que acontece na alma humana. É uma luta entre desejo e censura, entre o que se quer e o que se pode, que resulta na construção de nossa personalidade. Para cada pecado, Prudêncio associa uma virtude. Isso se popularizou em toda a Idade Média e chegou a influenciar a literatura de grandes escritores como Dante Alighieri e até de escultores renascentistas e do período barroco.
Para entender a relação entre pecados e virtudes, não basta estabelecer uma oposição, um dualismo. É preciso ir além e perceber que nossas ações demandam uma disposição firme de caráter, de inteligência e de vontade a fim de que possamos disciplinar nossas paixões e enfrentar as circunstâncias que exigem escolhas. Andrés Comte-Sponville diz que virtude “é uma força que age, ou que pode agir”. É uma forma de poder. O que é correto não é para se contemplar, mas para se fazer. E isso exige aprendizagem e esforço. A virtude tem a ver com aquilo que nos tornamos ao buscar uma vida mais excelente. É fazer da vida uma obra de arte. “Não há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente”, disse Montaigne.
Paulo fala isso para o seu filho na fé Timóteo: “Atente bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres, pois, fazendo isso, você salvará tanto a si mesmo quanto aos que o ouvem” (1 Timóteo 4.16). Você será mais conhecido por aquilo que faz do que por aquilo que acredita.

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