O que nós conhecemos
como sete pecados capitais corresponde
a uma classificação de vícios usada nos primeiros ensinamentos cristãos para
educar e proteger os fiéis dons excessos naquelas inclinações humanas mais
básicas. Desde os primórdios, o cristianismo dividiu os pecados em dois tipos:
os pecados que são perdoáveis por serem leves, e os pecados capitais,
merecedores de condenação e penitência.
Para muitos
teóricos ligados ao mercado corporativo, o segredo do sucesso está em saber
tirar o melhor proveito dos pecados capitais. Para eles, pessoas bem-sucedidas
não têm problema em cometer os sete pecados de forma equilibrada, se é que isso
é possível. Porém, não adianta esperar resultados certos se não fazemos as
coisas certas. Alguns até os chamam de prazeres capitais
Foi o teólogo e
monge grego Evágrio do Ponto (345-399) quem escreveu, pela primeira vez, uma
lista de oito paixões humanas, em uma ordem crescente de importância, que
envolvem situações de pecado: a gula, a avareza, a luxúria, a ira, a melancolia,
a acídia (ou preguiça), o orgulho e a vanglória. Esses sentimentos se tornam
mais graves à medida que a pessoa desenvolve um comportamento egocêntrico. De
todos os pecados dessa lista, o orgulho é o principal responsável por levar o
pecador a alimentar uma atitude de se fechar em si mesmo.
Já no século VI, o
papa Gregório reduziu essa lista a sete itens: juntou o orgulho com a
vanglória, trocou a melancolia por inveja e a acídia por indolência. No século
XIII, Tomás de Aquino fez uma análise sobre a gravidade dos pecados e propôs
mais uma lista. Finalmente, no século XVII, a igreja romana definiu os sete
pecados capitais, substituindo a indolência por preguiça.
Segundo Tomás de
Aquino, os sete pecados são mortais não somente porque eles envolvem uma grande
ofensa moral, mas porque promovem outros pecados, gerando uma corrente de
pecados, vícios e erros, levando a própria pessoa e a sociedade a um caos moral.
Eles nascem a partir do que o catecismo católico chama de tríplice concupiscência,
que nos inclina sempre para o mal: a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a
soberba da vida, com base na afirmação do apóstolo João em sua primeira
epístola (2.16). Com o Renascimento, os sete pecados capitais foram
popularizados e se tornaram conhecidos em todas as culturas do mundo.
Por que essas
atitudes são chamadas de pecados
capitais? A palavra “pecado” se refere a toda ação livre e consciente da pessoa
humana em transgredir. O sentido original da palavra usada pela Bíblia hebraica
para descrever o pecado é “errar o alvo”. Já a palavra “capital” vem do
latim capita, que quer dizer “cabeça”
ou “principal”. Ou seja, cada um desses pecados leva a outros pecados, outros
vícios. São as causas para todo tipo de maldade e problemas que enfrentamos.
Falar de pecado na
sociedade pós-moderna caiu em desuso. Vivemos num tempo marcado por uma
pluralidade de valores em que não se pode mais definir o que é certo ou errado
sem que isso venha ser questionado e relativizado. O que vale é a conquista de
uma imagem púbica que resulte em um sentido de realização pessoal e do fruir de
um prazer ao extremo. A nova moralidade está para além do conceito de bem e de
mal.
A moralidade
pós-moderna não é apegada a valores, mas àquilo que estabelece limites à
liberdade individual. Pecado é ferir a dignidade humana, principalmente quando
está relacionado às oportunidades de consumo. É uma moralidade ambígua,
conforme defendeu Gilles Lipovetsky. Ao mesmo tempo que se promove um
individualismo livre de qualquer regra, as pessoas têm desenvolvido uma atitude
de vigilância da vida alheia, num comportamento que poderíamos chamar de
ultramoralista.
O poeta francês Paul Valéry disse que “os
homens se diferenciam pelo que demonstram e se assemelham pelo que são”.
Afinal, o humano não se limita a uma definição categórica nem se presta a uma
adjetivação. Somos bons e maus o tempo todo porque somos lançados no mundo para
construir uma relação de liberdade e de responsabilidade. Liberdade para fazer
escolhas e responsabilidade para suportar as consequências.
Diante das grandes
transformações que o mundo vem atravessando, surge a pergunta sobre quais
atitudes devemos assumir no contexto de uma sociedade plural. Como lidar com
nossas paixões e insistente tendência para cometer erros? Ainda no século IV, o
poeta cristão Prudêncio escreveu uma obra sobre a batalha constante entre
vícios e virtudes que acontece na alma humana. É uma luta entre desejo e
censura, entre o que se quer e o que se pode, que resulta na construção de
nossa personalidade. Para cada pecado, Prudêncio associa uma virtude. Isso se
popularizou em toda a Idade Média e chegou a influenciar a literatura de
grandes escritores como Dante Alighieri e até de escultores renascentistas e do
período barroco.
Para entender a
relação entre pecados e virtudes, não basta estabelecer uma oposição, um
dualismo. É preciso ir além e perceber que nossas ações demandam uma disposição
firme de caráter, de inteligência e de vontade a fim de que possamos
disciplinar nossas paixões e enfrentar as circunstâncias que exigem escolhas. Andrés
Comte-Sponville diz que virtude “é uma força que age, ou que pode agir”. É uma
forma de poder. O que é correto não é para se contemplar, mas para se fazer. E
isso exige aprendizagem e esforço. A virtude tem a ver com aquilo que nos
tornamos ao buscar uma vida mais excelente. É fazer da vida uma obra de arte. “Não
há nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente”, disse
Montaigne.
Paulo
fala isso para o seu filho na fé Timóteo: “Atente
bem para a sua própria vida e para a doutrina, perseverando nesses deveres,
pois, fazendo isso, você salvará tanto a si mesmo quanto aos que o ouvem” (1
Timóteo 4.16). Você será mais conhecido por aquilo que faz do que por aquilo
que acredita.
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