Sou
cristão, ligado à vertente protestante, filiado a uma igreja batista. Como tal,
fui instruído com base em uma teologia reformada em um seminário confessional
mantido pela denominação batista mais tradicional. Isso me identifica como uma
pessoa de confissão evangélica. Porém, essa afirmação não é suficiente para
descrever a minha condição de religiosidade.
O
que é ser evangélico? Essencialmente, deveria corresponder a uma pessoa que
orienta sua vida, suas práticas, seu discurso, suas relações e suas esperanças
pelo evangelho. A palavra “evangelho” vem do termo grego que corresponde a “boa
notícia”, aquela que é alvissareira, que aponta um olhar para o futuro. O
evangélico deveria ser, então, alguém que anuncia uma notícia boa para um mundo
cansado de notícias desalentadoras, que declara que há saída para um mundo
perdido.
Mais
recentemente, o termo “evangélico” passou a designar um tipo de religioso, que
faz parte de um segmento do cristianismo originário do movimento protestante.
Sendo assim, faz referência a um contexto que comporta uma diversidade de
formas e expressões. Quando se fala de evangélico, deve se ter em mente a
pluralidade que isso comporta. Entretanto, nota-se o crescimento de uma
tendência de se rotular de evangélico todo cristão adepto de igrejas que são
marcadas por uma teologia simpática ao individualismo e ao consumismo, com uma
moral conservadora e uma atitude fundamentalista.
Enquanto
segmento religioso, os evangélicos não são todos iguais. Há evangélicos que são
de esquerda e de direita, que lutam por direitos sociais e que defendem
interesses do capital, que se importam com a causa do oprimido e que apoiam a
bandeira da propriedade privada, que têm uma posição mais aberta para as
questões de gênero e que são radicais e tradicionais nesse assunto, que buscam
uma espiritualidade mais humanizadora e que professam a fé com base em uma
teologia fundamentalista, que desenvolvem uma análise mais crítica das
Escrituras e que afirmam a inerrância bíblica.
Além
disso, as igrejas evangélicas se diversificam quanto as formas de organização,
liderança e de culto. Daí a infinidade de denominações cristãs. E essa
diversidade não é de forma alguma prejudicial. Cada igreja procura se
estruturar para dar conta de suas necessidades e conflitos. Mesmo dentro de uma
determinada denominação, há uma variação de condutas. Isso se dá pelo fato de
que as denominações não são formas sagradas, divinas, reveladas, mas resultados
de relações políticas em que estão em jogo interesses e exercício de poder.
Em
tempo de maus exemplos e escândalos envolvendo bancada evangélica e lideranças
evangélicas, é muito comum encontrar representações esquivando-se do uso desse
termo. Ao longo dessa minha jornada evangélica, tenho visto pessoas que
condenam essas atitudes, mas conservam um desejo pelo poder. Já vi pessoas que
criticavam as estruturas denominacionais até terem uma oportunidade de exercer
um cargo e já vi pessoas que ocupavam cargos, mas que passaram a criticar essas
mesmas estruturas após serem destituídas ou demitidas. Enfim, essa atitude
condenatória, embora tenha uma causa justificável, está mais para um certo
ressentimento do que para uma análise crítica, que se faz necessária.
Continuo
afirmando minha condição de evangélico. Não deixei de ser evangélico porque
desejo ser anunciador de boas notícias, com a palavra e com a vida, para um
mundo que está desorientado. E, como tal, reafirmo meus vínculos com o segmento
protestante, com uma teologia reformada e com a igreja batista, que são
expressões que remetem a essa condição. E o faço não porque julgue tais
expressões como melhores ou mais perfeitas, mas que estão ligadas à minha
história de vida.
Sou
protestante porque rejeito as formas simbólicas com que a religiosidade
ocidental se configurou. O meu protesto se direciona para a estrutura hierárquica
da autoridade eclesiástica, para a centralização do poder da igreja, para a
afirmação de uma teologia dogmática que não comporta o diálogo, para as formas
engessadas de expressões litúrgicas.
Sou
adepto da teologia reformada porque entendo que há uma depravação humana que
tem uma causa originária, para a qual as Escrituras apontam a graça revelada na
pessoa de Jesus Cristo como única esperança de salvação. É por meio da graça
que posso compreender Deus como sendo uma Trindade, que está comprometido com
uma missão e que reivindica para si toda a criação para tomar parte do seu
Reino. Por ser uma teologia reformada, ela se faz por meio do diálogo e aberta
a estar sempre se reformando. Fora disso, a vida é sem graça.
Pertenço
a uma igreja batista porque é a única denominação cristã que tem em seus
princípios a defesa da liberdade de expressão e da tolerância religiosa. Pelo
menos em seus princípios. A realização prática é outra história. Foi na igreja
batista que aprendi com meus antigos pastores o respeito à diversidade
religiosa e de culto, a separação completa entre igreja e Estado, a prática da
democracia e a defesa do direito de livre expressão.
Sei
que essa forma de ser parece estar na contramão do que a maioria tem colocado
em prática. Entretanto, procuro construir uma espiritualidade à luz dessa
compreensão, que esteja voltada para o humano a partir dos mais vulneráveis,
que respeite as diferenças e que valorize a liberdade. É a partir do lugar em
que sou construído como evangélico que posso dialogar com outras expressões e
contribuir de algum modo para o debate sobre as necessidades humanas. Nesse
sentido, sou evangélico crítico e comprometido com as demandas do evangelho de
Jesus.
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