domingo, 7 de maio de 2017

Famílias normais à luz da Bíblia / Ordinary families according to the Bible / Familias normales a luz de la Biblia

“Quem causa problemas à sua família herdará somente vento [...]” (Provérbios 11.29).
A alegria de se viver em família é um assunto que está intimamente relacionado com nossa espiritualidade. Por essa razão é que a igreja é a única instituição preocupada com a vida em família atualmente, assumindo um papel de protetora, de promotora e de acolhedora. De fato, a família tem passado por fortes e profundas transformações, contudo isso não quer dizer que ela tenha perdido o seu valor.
As regras morais que hoje são usadas para defender o ideal de uma família normal não são retiradas das Escrituras, mas de um tempo mais recente, conhecido como “era vitoriana”. Corresponde ao período em que a rainha Vitória reinou na Inglaterra, no meado do século XIX até o início do século XX. Foi um período de grande prosperidade econômica, em meio à Revolução Industrial, e de grandes transformações culturais nos modos de se pensar a vida cotidiana e do divertimento, como foi, por exemplo, a Belle Époque na França e o Gilded Age nos Estados Unidos.
A chamada era vitoriana foi marcada pelo fortalecimento da classe média, que almejava cultura e status. As classes mais elevadas ditavam os costumes que deveriam servir de modelo para as camadas mais inferiores. A vida social foi cercada de uma forte preocupação moral e por uma afirmação de padrões e valores rígidos para as relações entre pessoas, vestuários, etiquetas à mesa e interações. É dessa época também a afirmação de um modelo de família, cercado pelos conceitos engendrados dentro do movimento do puritanismo e da repressão sexual.
Na concepção vitoriana de família, o lar é tratado como um ambiente protegido, que deveria servir como base moral para a sociedade. Para tanto, era necessário protegê-lo dos ataques do pensamento mais liberal, bem como resguardá-lo para que fosse mantido um ar de equilíbrio e de harmonia. Nesse sentido, numa afirmação bem funcionalista, cabia à mulher o papel de guardiã da família e símbolo da moral de toda a sociedade. Recai sobre ela a responsabilidade de manter a reputação da família em meio ao convívio social. Para isso, deveria ser pura, delicada, submissa e bela.
Ao homem cabia o papel de provedor da casa, tanto no sentido financeiro como também na segurança da família. Sua vida deveria ser devotada ao trabalho, aos negócios e à vida pública, incluindo aí também a política. Era dele a iniciativa do cortejo e das carícias, que nunca deveriam acontecer em público. Os filhos, por sua vez, deveriam ser educados nos rígidos padrões morais da sociedade e cabia à família o papel de instruí-los em relações aos costumes. A infância era vista como uma fase em que se exigia a obediência aos pais. As crianças das famílias mais ricas eram educadas por criados e serviçais da família. Já naquelas que eram mais carentes, a criança deveria trabalhar desde cedo.
Como se pode notar, o modelo de família que costumamos chamar de normal nos dias atuais tem mais a ver com um padrão socialmente construído em um determinado momento da história, que está mais voltado a um outro contexto cultural que não o nosso. Não está relacionado com os modelos de família que se encontram na Bíblia.
Podemos afirmar que a Bíblia não está preocupada em apresentar um padrão de vida familiar nem de fazer com que os personagens bíblicos se tornem modelos ideais de conduta para as pessoas em todo o tempo. Na verdade, ela está interessada em apresentar situações de vida em família de forma real em que a gente se vê ali retratado.
Os relatos da Bíblia em relação à vida em família não são obras de ficção nem mesmo de idealizações produzidas a partir de um conceito fundador. São histórias de famílias atravessadas por situações de sucesso e fracasso, dor e alegria, conquistas e perdas, amor e traição que são encontrados em todo o tempo, inclusive entre nós.
De um modo geral, os estudos bíblicos tentam nos remeter à seguinte questão: como nossas famílias podem ser analisadas à luz das famílias da Bíblia? Porém, uma questão interessante a ser levantada é: como as famílias da Bíblia poderiam ser analisadas à luz da terapia familiar nos dias de hoje? A partir dessas análises, poderíamos encontrar muitas respostas para nossas inquietações diante dos dilemas vividos em família hoje, em vez de concentrarmos nossa atenção e energia para tentar implantar um tipo ideal que não se encaixa em nossas condições de vida atuais.
Compreender as famílias da Bíblia a partir de um olhar crítico possibilita uma reflexão mais ampla sobre os propósitos de Deus para a vida em família. Retira um pouco o nosso foco de um modelo exemplar ou de uma tipificação dos relacionamentos e nos apresenta a família como espaço de realização de nossa existência em todas as suas dimensões. Daí podemos compreender que, em meio às fragilidades inerentes à nossa condição humana, Deus pode – e quer – se revelar e realizar sua graça e compaixão. 
Podemos confiar que Deus quer abençoar nossas famílias. Uma família normal, dentro de uma perspectiva bíblica, não é aquela que tem papéis bem definidos em sua formação nem é a que segue um padrão ideal, mas é a que Deus tem espaço para realizar seus propósitos, em meio às nossas virtudes e fraquezas.

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