segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

Julgamento de Lula: Estado Democrático de Direito, Justiça e Moral em jogo / Lula's Judgment: Democratic State of Law, Justice and Morals in question / Juicio de Lula: Estado Democrático de Derecho, Justicia y Moral en juego

No Estado Democrático de Direito, espera-se que os conflitos que envolvem denúncias de atos ilícitos sejam resolvidos pela Justiça isenta de influências ideológicas, de crenças ou até mesmo de opiniões pessoais. É uma ingenuidade pensar que, apenas por termos leis e um sistema jurídico que funciona, seremos uma sociedade livre de contendas motivadas por interesses políticos e até mesmo pelas diferenças socioeconômicas que marcam a estrutura da vida social. Um país com tantas desigualdades sociais, mergulhado em uma crise recessiva e ainda por cima dividido por questões político-partidárias passa por um momento de definição sobre o papel da Justiça na defesa do princípio que rege esse mesmo Estado
Um exemplo disso é a maneira como vem sendo encaminhado o processo que envolve o presidente Lula, que terá seu desfecho na Segunda Instância no próximo dia 24 de janeiro – nesta semana, portanto. O que se pode dizer, de um modo geral, é que o julgamento de Lula não é jurídico, mas político. Independentemente da sentença que for proferida, seja a sua absolvição, seja a nulidade do processo, seja a ratificação da condenação, os efeitos sociais e políticos dessa decisão serão sentidos em todos os segmentos da vida pública.
O que mais chama a atenção é que o processo está eivado de aspectos que o torna, no mínimo, suspeito em relação a um julgamento justo. Uma das frases mais usadas para justificar a tramitação da acusação é “a lei é para todos”. Se é assim, a presunção de inocência, a condenação somente com o trânsito em julgado e o ônus da prova são legalidades que não estão garantidas para Lula. Seis fatores levam a pensar assim.
O primeiro é que a única prova material que embasa todo o processo é o depoimento, em delação premiada, de um criminoso. Todas as demais provas documentais colhidas são passíveis de interpretações diversas, subjetivas e inconsistentes em relação ao núcleo básica da acusação.
Em segundo lugar, o juízo de valor que recai sobre o processo funciona como uma sentença antecipada de condenação. Não se pode negar que há um sentimento de ódio em relação a Lula, um desejo de vê-lo preso e banido da vida pública. Isso não vem de hoje. Vem desde sua prisão em 1980 por causa das manifestações sindicais. Esse ódio é uma herança da ditadura, que é realimentado a cada período eleitoral. É um fato: a elite dominante tem ódio de Lula.
Terceiro, a materialidade alegada pela acusação, o tríplex do Guarujá, já não serve mais como prova, pois a titularidade legal pertence evidentemente a outro, que não o réu. Ou seja, se o apartamento – ou mesmo as reformas e benfeitorias feitas – foi dado como resultado de propina, ele nunca pertenceu a Lula ou a alguém de sua família.
Em quarto lugar, conforme esclarecimento do próprio juiz de primeira instância, a origem do suposto dinheiro ilícito não era de contratos com a Petrobras. O próprio juiz afirma que não houve ato de ofício, ou pelo menos que ele é indeterminado.
Quinto, a falta de imparcialidade dos atores jurídicos que envolvem o processo, com membros do Ministério Público e dos tribunais por onde a ação tramita se manifestando em redes sociais e através da mídia, demonstrando opiniões contrárias ao posicionamento político do réu, muitas vezes de forma odiosa. São ministros, desembargadores, juízes, promotores, agentes e servidores que se tornam protagonistas e emitem opiniões pessoais fora dos autos.
E em sexto lugar, as falhas das ações policiais e investigativas para se obter provas, com conduções coercitivas, divulgação de escutas telefônicas ilegais, escutas telefônicas ilícitas, celeridade incomum da tramitação do processo, para citar as que mais foram mencionadas pela defesa e pela imprensa.
Tais fatores fortalecem mais a absolvição do que a condenação. Juristas do mundo todo consideram que o processo é insubsistente e o julgamento, parcial. Por outro lado, os detratores não emitem análises jurídicas favoráveis à sua condenação, apenas discursos condenatórios e a manifestação do desejo de vê-lo preso a qualquer custo. Se Lula é o culpado, por que são necessários tantos malabarismos jurídicos para acusá-lo? As evidências por si só deveriam servir de base para isso. Mas não é o que acontece.
A questão mais importante é: qual o custo de se condenar alguém a partir de um processo tão inconsistente? O primeiro e mais imediato é o de permitir que aspectos políticos se sobreponham aos procedimentos jurídicos. Se a condenação de Lula for mantida, imagina-se que servirá de combustível para os segmentos mais conservadores. Se ela for revertida, fortalecerá os setores mais progressistas, sem dúvida. O segundo é moral, que envolve a continuidade desse tipo de ação sobre pessoas que são mais vulneráveis. Se fazem isso com uma figura pública, com projeção internacional, o que não seriam capazes de fazer com gente simples, motivados por outros interesses que não a Justiça?
Conclusão mais óbvia a um leigo diante desse processo é que o réu é inocente. Num júri popular, não restaria outra alternativa a não ser a absolvição. Entretanto, o resultado está na mão da Justiça institucionalizada, fechada em seus tribunais isentos. Se não for a absolvição, o que a sociedade pode esperar é a nulidade do processo. Caso contrário, estamos todos condenados a viver em um país em que se corre permanentemente o risco de sermos excluídos, execrados e marginalizados da vida pública por caminharmos na contramão da elite dominante.
Isso se torna mais grave em função do histórico de ações da Justiça que sempre foi seletiva, a favor dos oligarcas e contra pobres, negros e todo aquele que se opõe aos interesses da elite conservadora e dominante. E não é a primeira vez que a Justiça interfere nos rumos políticos do país. Foi assim na proteção e apoio ao golpe de 1964, na cassação do senador Juscelino Kubitschek no mesmo ano, no silêncio em relação ao AI-5 em 1968, na omissão nos casos de perseguição aos opositores do regime militar durante os chamados anos de chumbo, na condução confusa do processo de impeachment de Dilma Roussef.
Estamos diante de uma encruzilhada. O julgamento de Lula serve como ponto crucial em que temos que decidir por um avanço na área institucional, em que a Justiça esteja comprometida com a manutenção e defesa do Estado Democrático de Direito, sem se influenciar por sentimentos pessoais, interesses políticos ou pressões ideológicas, especialmente por parte da elite dominante. E em relação a isso, as manifestações de apoio a Lula e contrárias a um processo frágil é a única coisa que nos resta.

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