A decisão do governo de estabelecer
intervenção no Estado do Rio de Janeiro, através do decreto assinado em 16 de
fevereiro de 2018, é medida excepcionalíssima prevista no texto constitucional e
que deve visar à proteção do Estado Democrático de Direito em face de anormalidades
que coloquem em risco a integridade nacional. Trata-se de um remédio jurídico presente
na Constituição desde sua promulgação em 1988, mas que nunca foi aplicada
diante de outras situações anteriores de insegurança e de ameaça à ordem
pública em diversas unidades da federação, dada a sua excepcionalidade. Isso
faz com que o decreto se revista de uma condição inédita para a população e
para a história da república federativa brasileira.
É bom ressaltar que o
instrumento da intervenção federal sobre uma unidade da federação é um ato de
natureza civil, visando “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”
(cf. art. 34, inciso III, da CRFB), e não militar, como prevê o decreto,
sobretudo em se tratando da segurança da sociedade e dos cidadãos em geral. A
aplicação de tal medida, porém, não foi antecedida de um planejamento criterioso
das causas do avanço da criminalidade e não caracteriza a aplicação de qualquer
política pública de combate à violência.
O Estado do Rio de Janeiro,
especialmente sua capital, já assistiu a outras experiências de ações de apoio
militar ao policiamento e ao combate à violência que obtiveram resultados
ineficazes na redução dos índices de criminalidade e contra a ação de facções
criminosas ligadas ao tráfico de drogas e de armas. O combate à violência e ao
crime organizado requer muito mais do que a presença de um aparato militar nas
ruas ou à frente de um setor do governo. São necessários planejamento,
estruturação e ações de inteligência que visem atacar o problema a partir de
suas reais causas.
A
intervenção federal no Rio é reflexo do caos econômico e social provocado pelo
golpe de 2016, que interrompeu o processo democrático vivenciado pelo Brasil. O
fato é que o país e o Estado, ambos liderados pelo mesmo partido que articulou
o golpe e assumiu a presidência, estão desgovernados e sem perspectiva.
Isso demonstração que a redução da força do Estado é uma ameaça à estabilidade democrática
do país.
O
governo que, nessa ação, usa militares para fazer intervenção no Rio é o mesmo
que, no ano seguinte ao golpe, cortou gastos na saúde, educação e segurança
provocando o caos em que a sociedade em geral se encontra, com aumento do
desemprego, diminuição do poder de compra dos salários e precarização do
trabalho.
A
intervenção, que é de natureza militar, somente confirma a suspeita de que
possivelmente nos encontramos sob um Estado de Exceção. É uma espécie de
declaração do fracasso do governo em lidar com os problemas nacionais, com situações
que têm origem no corte de direitos e no aumento da desigualdade. Com
isso, o golpe entra em nova fase, que é a do controle do espaço público.
Isso desperta a preocupação com a
segurança pública a fim de que ela não seja oportunidade para instaurar um
Estado de Exceção, com cerceamentos de direitos civis, ameaça à liberdade de ir
e vir, impedimento do exercício livre de expressão e de manifestação política.
O que se espera é que o combate à violência e ao crime organizado não seja
ocasião para o tratamento desigual entre comunidades carentes e logradouros
urbanizados, como se a favela, o morro ou os bairros onde vivem pessoas menos
favorecidas fossem lugares à margem da vida social.
É preciso que a sociedade civil
organizada declare a rejeição a qualquer uso político da medida, seja para tentar
resgatar a imagem de um governo com alto índice de reprovação popular, seja
para servir de promoção em ano eleitoral. Para tanto, que sejam priorizadas as
ações sociais e a garantia de direitos de cidadãos, principalmente em um Estado
mergulhado em uma crise financeira sem precedentes, respeitando-se o pagamento
dos salários dos servidores públicos em dia, mais investimentos na saúde e na
educação e a aplicação das verbas prevista no equipamento e preparo do serviço
de polícia.
Se a intervenção federal é, de
fato, uma necessidade, que se dê ênfase à formulação de uma política pública de
segurança que não permita mais o derramamento de sangue inocente de pessoas vitimadas
por balas perdidas, sejam elas policiais em serviço ou mesmo crianças dentro de
suas casas, de guerras de quadrilha pelo domínio de um território, pela corrupção
entre agentes públicos. Para um país traumatizado por ter vivido, por mais de 20
anos, uma ditadura militar em sua história, a intervenção acende o alerta de
que o Estado Democrático de Direito se encontra em risco.
https://www.youtube.com/watch?v=bY6uZP97NDs
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