sábado, 17 de fevereiro de 2018

Intervenção Federal no Rio: excepcionalidade constitucional e caos social / Federal intervention in Rio: constitutional exceptionality and social chãos / Intervención Federal en Río: excepcionalidad constitucional y caos social

A decisão do governo de estabelecer intervenção no Estado do Rio de Janeiro, através do decreto assinado em 16 de fevereiro de 2018, é medida excepcionalíssima prevista no texto constitucional e que deve visar à proteção do Estado Democrático de Direito em face de anormalidades que coloquem em risco a integridade nacional. Trata-se de um remédio jurídico presente na Constituição desde sua promulgação em 1988, mas que nunca foi aplicada diante de outras situações anteriores de insegurança e de ameaça à ordem pública em diversas unidades da federação, dada a sua excepcionalidade. Isso faz com que o decreto se revista de uma condição inédita para a população e para a história da república federativa brasileira.
É bom ressaltar que o instrumento da intervenção federal sobre uma unidade da federação é um ato de natureza civil, visando “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública” (cf. art. 34, inciso III, da CRFB), e não militar, como prevê o decreto, sobretudo em se tratando da segurança da sociedade e dos cidadãos em geral. A aplicação de tal medida, porém, não foi antecedida de um planejamento criterioso das causas do avanço da criminalidade e não caracteriza a aplicação de qualquer política pública de combate à violência.
O Estado do Rio de Janeiro, especialmente sua capital, já assistiu a outras experiências de ações de apoio militar ao policiamento e ao combate à violência que obtiveram resultados ineficazes na redução dos índices de criminalidade e contra a ação de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas e de armas. O combate à violência e ao crime organizado requer muito mais do que a presença de um aparato militar nas ruas ou à frente de um setor do governo. São necessários planejamento, estruturação e ações de inteligência que visem atacar o problema a partir de suas reais causas.
A intervenção federal no Rio é reflexo do caos econômico e social provocado pelo golpe de 2016, que interrompeu o processo democrático vivenciado pelo Brasil. O fato é que o país e o Estado, ambos liderados pelo mesmo partido que articulou o golpe e assumiu a presidência, estão desgovernados e sem perspectiva. Isso demonstração que a redução da força do Estado é uma ameaça à estabilidade democrática do país.
O governo que, nessa ação, usa militares para fazer intervenção no Rio é o mesmo que, no ano seguinte ao golpe, cortou gastos na saúde, educação e segurança provocando o caos em que a sociedade em geral se encontra, com aumento do desemprego, diminuição do poder de compra dos salários e precarização do trabalho.
A intervenção, que é de natureza militar, somente confirma a suspeita de que possivelmente nos encontramos sob um Estado de Exceção. É uma espécie de declaração do fracasso do governo em lidar com os problemas nacionais, com situações que têm origem no corte de direitos e no aumento da desigualdade. Com isso, o golpe entra em nova fase, que é a do controle do espaço público.
Isso desperta a preocupação com a segurança pública a fim de que ela não seja oportunidade para instaurar um Estado de Exceção, com cerceamentos de direitos civis, ameaça à liberdade de ir e vir, impedimento do exercício livre de expressão e de manifestação política. O que se espera é que o combate à violência e ao crime organizado não seja ocasião para o tratamento desigual entre comunidades carentes e logradouros urbanizados, como se a favela, o morro ou os bairros onde vivem pessoas menos favorecidas fossem lugares à margem da vida social.
É preciso que a sociedade civil organizada declare a rejeição a qualquer uso político da medida, seja para tentar resgatar a imagem de um governo com alto índice de reprovação popular, seja para servir de promoção em ano eleitoral. Para tanto, que sejam priorizadas as ações sociais e a garantia de direitos de cidadãos, principalmente em um Estado mergulhado em uma crise financeira sem precedentes, respeitando-se o pagamento dos salários dos servidores públicos em dia, mais investimentos na saúde e na educação e a aplicação das verbas prevista no equipamento e preparo do serviço de polícia.
Se a intervenção federal é, de fato, uma necessidade, que se dê ênfase à formulação de uma política pública de segurança que não permita mais o derramamento de sangue inocente de pessoas vitimadas por balas perdidas, sejam elas policiais em serviço ou mesmo crianças dentro de suas casas, de guerras de quadrilha pelo domínio de um território, pela corrupção entre agentes públicos. Para um país traumatizado por ter vivido, por mais de 20 anos, uma ditadura militar em sua história, a intervenção acende o alerta de que o Estado Democrático de Direito se encontra em risco.

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