Jesus não
rejeita a cidade. Não importa se ela é grande ou pequena, bucólica ou agitada,
sossegada ou violenta. Ele sempre vê nela o espaço para a realização de sua
missão porque sabe que é nela que vivemos e estamos inseridos. É no contexto da
cidade que a mensagem do evangelho encontra o homem em sua condição mais plena.
Quando falamos
de cidade, não estamos simplesmente nos referindo a um complexo urbano, a um
espaço geográfico por onde circula gente e mercadoria ou mesmo de uma
concentração de serviços de saneamento e abastecimento onde as comunidades se
realizam. A cidade é resultado da criatividade humana, uma expressão da ação
humana em sua totalidade. Aristóteles estava certo quando chamou o homem de zoon politikon, um animal político, pois
sua vida gira em torno da polis, da
cidade. Por isso mesmo, a cidade será sempre uma realidade inconclusa,
imperfeita, dependente da participação coletiva em sua construção. A cidade é,
portanto, espaço de realização humana onde somos confrontados constantemente com
nossas próprias incompletudes.
A cidade se
expande horizontalmente por sua urbanidade, mas também verticalmente por sua
arquitetura. Ela está ligada essencialmente à dimensão social do ser humano.
Por isso mesmo, podemos dizer que a cidade é um espaço revolucionário de
existência, em que o homem vai encontrando formas de superar suas próprias
fragilidades.
A história da
torre de Babel serve como uma metáfora da relação do homem e a cidade: “[...] Vamos construir uma cidade, com uma
torre que alcance os céus. Assim nosso nome será famoso e não seremos
espalhados pela face da terra” (Gênesis 11.4). Por causa dessa atitude
humana, a Bíblia aponta para o fato de que Deus direciona para a cidade a sua
atenção: “O Senhor desceu para ver a
cidade e a torre que os homens estavam construindo” (Gênesis 11.5).
Por isso mesmo
Jesus direcionou sua mensagem às cidades. Ela está inserida no plano de
revelação divina, é nela que acontece os atos que conduzem à salvação e é o
espaço em que se dá a redenção. Há na realidade da cidade uma certa ambiguidade,
visto que ela tanto pode ser lugar de encontro com o sagrado, mas também espaço
em que vivenciamos nossa perdição. Ela é fruto de nosso próprio desterro, de nosso
andar errante pelos desertos da vida, de nosso desejo de fuga de nossa própria
vulnerabilidade, e se torna o lugar para onde direcionamos nossos esforços por
uma vida digna.
O projeto de
Deus para a vida humana aponta para a cidade celeste, onde não há mais morte, nem
tristeza nem choro, nem dor, conforme Apocalipse 21.3-4. Enquanto isso, a
cidade dos homens precisa ser espaço de solidariedade e de esperança diante da
morte, de toda tristeza, pranto e dor. Solidariedade que se dá em meio à comunhão
e que constrói a esperança pelos novos céus e nova terra que o Senhor está
preparando. O desejo de Deus está em reunir a humanidade numa vida comum a
partir de um novo sentido do humano que Cristo encarnou.
No contexto da
vida da cidade, Jesus interpela o humano a fim de que tome uma decisão de
acolher o convite amoroso de Deus e experimente a graça no contexto de suas
relações. José Comblin, em seu livro Viver
na cidade: Pistas para a pastoral urbana, indaga se a vida na cidade ajuda
ou impede o seguimento de Jesus. Para ele, “a cidade torna os seres humanos
mais livres e autônomos para decidirem eles próprios. Podem decidir-se e fazer
livremente opção pelo caminho do Samaritano. [...] Mas a cidade constitui um
imenso apelo para seres humanos livres” (p. 16).
O discurso de
Jesus para a cidade lança desafios para a construção de um espaço humanamente habitável.
Ao contrário da tendência desumanizante que tem transformado a cidade em um lugar
de segregação social, de concentração de renda e de crescimento da violência, a
mensagem de Jesus é um apelo profético de libertação e de construção de espaços
em que as pessoas possam viver sua própria condição de liberdade.
Há pessoas que
andam pelas cidades de forma errante como ovelhas sem pastor, Jesus envia seus
discípulos como proclamadores de sua boa nova, conforme Mateus 9.36-39. Superar
o que provoca a distância entre pobres e ricos, o que desencadeia a violência e
causa toda sorte de exclusão, exploração e opressão é o grande desafio evangelho
para a cidade. Como disse José Comblin em A teologia da cidade, “a salvação da
pessoa humana passa pela salvação da cidade” (p. 163). A salvação do homem só
acontece com a salvação do mundo no qual habita e pertence.
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