sábado, 3 de março de 2018

Conversão ecológica: uma proposta de espiritualidade a partir da Encíclica Laudado Si / Ecological conversion: a spirituality from the Laudato Si / Conversión ecológica: la espiritualidad de la Encíclica Laudato Si


A segunda encíclica do Papa Francisco, escrita em seu terceiro ano de pontificado e que recebeu o nome de Laudato Si, aposta em uma mudança de estilo de vida que nasça de uma nova consciência, a de que temos uma origem comum, de um sentimento de pertença e da percepção de que temos um futuro partilhado por todos, mas também que sirva para exercer uma influência sobre aqueles que detêm o controle dos poderes econômico, político e social.
A constatação de que vivemos um tempo de crise tem uma aceitação unânime em todos os campos de ação humana. O discurso de que vivemos sob a ameaça de uma catástrofe global tem sido uma constante em termos ecológicos, sociais, políticos e econômicos. A própria encíclica revela que esse quadro provoca um sentimento de fragilidade e de insegurança, que favorece a formação de toda sorte de expressões de egoísmo.
O tema geral da encíclica é o cuidado da casa comum, que deve emergir de uma atitude de gratidão, de amor e de louvor ao autor da criação. O título é retirado do Cântico das Criaturas, de Francisco de Assis, que repete a expressão “Louvado sejas” em relação ao cuidado de Deus de nos doar a natureza e o universo como irmãos. Ele diz: “Louvados sejas, meu Senhor, por nossa irmã e mãe Terra que nos sustenta e governa, e produz frutos diversos e coloridas flores e ervas”. A questão crucial levantada é: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” (LS, § 160). As previsões catastróficas dão conta de que, pelo ritmo do consumo, pela degradação do planeta e pelo estilo de vida atual, não deixaremos mais que ruínas, desertos e lixos.
A boa notícia da encíclica é que nem tudo está perdido. Pois “os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto” (LS, § 205). Trata-se de uma proposta que retoma a ideia da Carta da Terra, que apontava para um novo começo que seja marcado por uma reverência pela vida. Essa proposta tem um viés teológico na medida em que “não há sistemas que anulem, por completo, a abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus continua a animar no mais fundo dos nossos corações” (idem). A teologia, portanto, deve ser encarada como um campo de saber que não pode ficar de fora dessa reflexão que envolve os riscos que ameaçam a vida em nossa casa comum.
Voltando para a encíclica, ela diz que a atual “crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (LS, § 217). Não se trata apenas de ser uma pessoa melhor permanecendo cada um em sua individualidade, mas de desenvolver atitudes que possam desencadear ações generosas e cheias de ternura. Isso implica no reconhecimento de que o mundo é uma dádiva do amor de Deus que deve despertar em nós sentimentos de gratidão, de comunhão com todas as criaturas e de entrega.
Diz a encíclica textualmente: “O crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro, reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para resolver os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus ‘como sacrifício vivo, santo e agradável’ (Rm12, 1)” (LS, § 220).
Essa condição de vida que nasce da conversão ecológica gera um novo sentido de espiritualidade cristã, que encoraja a um novo estilo de vida que possa ver o mundo como amado por Deus e sentir a alegria de tomar parte do seu cuidado. Um estilo de vida que prima pela simplicidade, que se contenta com o pouco, que nos liberta da dominação do consumo e da acumulação de prazeres. A razão para isso é que “a felicidade exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim disponíveis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece” (LS, § 223).
“É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos” (LS, § 229). Após a Laudato Si, os discursos cristãos que orientam a vida religiosa não podem ser mais os mesmos. Eles terão que estar voltados para a comunhão com Deus e com o próximo, mas também com a natureza.

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