A segunda encíclica do Papa
Francisco, escrita em seu terceiro ano de pontificado e que recebeu o nome de Laudato Si, aposta em uma mudança de
estilo de vida que nasça de uma nova consciência, a de que temos uma origem
comum, de um sentimento de pertença e da percepção de que temos um futuro
partilhado por todos, mas também que sirva para exercer uma influência sobre
aqueles que detêm o controle dos poderes econômico, político e social.
A constatação de que vivemos um
tempo de crise tem uma aceitação unânime em todos os campos de ação humana. O
discurso de que vivemos sob a ameaça de uma catástrofe global tem sido uma
constante em termos ecológicos, sociais, políticos e econômicos. A própria
encíclica revela que esse quadro provoca um sentimento de fragilidade e de
insegurança, que favorece a formação de toda sorte de expressões de egoísmo.
O tema geral da encíclica é o
cuidado da casa comum, que deve emergir de uma atitude de gratidão, de amor e
de louvor ao autor da criação. O título é retirado do Cântico das Criaturas, de
Francisco de Assis, que repete a expressão “Louvado sejas” em relação ao
cuidado de Deus de nos doar a natureza e o universo como irmãos. Ele diz:
“Louvados sejas, meu Senhor, por nossa irmã e mãe Terra que nos sustenta e
governa, e produz frutos diversos e coloridas flores e ervas”. A questão
crucial levantada é: “Que tipo de mundo queremos
deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” (LS, § 160). As previsões catastróficas
dão conta de que, pelo ritmo do consumo, pela degradação do planeta e pelo
estilo de vida atual, não deixaremos mais que ruínas, desertos e lixos.
A boa notícia da encíclica é que
nem tudo está perdido. Pois “os seres humanos, capazes de tocar o fundo da
degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se,
para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja
imposto” (LS, § 205). Trata-se de uma
proposta que retoma a ideia da Carta da Terra, que apontava para um novo começo
que seja marcado por uma reverência pela vida. Essa proposta tem um viés
teológico na medida em que “não há sistemas que anulem, por completo, a
abertura ao bem, à verdade e à beleza, nem a capacidade de reagir que Deus
continua a animar no mais fundo dos nossos corações” (idem). A teologia,
portanto, deve ser encarada como um campo de saber que não pode ficar de fora
dessa reflexão que envolve os riscos que ameaçam a vida em nossa casa comum.
Voltando para a encíclica, ela diz
que a atual “crise ecológica é um apelo a uma profunda conversão interior” (LS, § 217). Não se trata apenas de ser
uma pessoa melhor permanecendo cada um em sua individualidade, mas de
desenvolver atitudes que possam desencadear ações generosas e cheias de
ternura. Isso implica no reconhecimento de que o mundo é uma dádiva do amor de
Deus que deve despertar em nós sentimentos de gratidão, de comunhão com todas
as criaturas e de entrega.
Diz a encíclica textualmente: “O
crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro,
reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a
conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a
cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo para resolver
os dramas do mundo, oferecendo-se a Deus ‘como sacrifício vivo, santo e
agradável’ (Rm12, 1)” (LS, § 220).
Essa condição de vida que nasce da
conversão ecológica gera um novo sentido de espiritualidade cristã, que
encoraja a um novo estilo de vida que possa ver o mundo como amado por Deus e
sentir a alegria de tomar parte do seu cuidado. Um estilo de vida que prima
pela simplicidade, que se contenta com o pouco, que nos liberta da dominação do
consumo e da acumulação de prazeres. A razão para isso é que “a felicidade
exige saber limitar algumas necessidades que nos entorpecem, permanecendo assim
disponíveis para as múltiplas possibilidades que a vida oferece” (LS, § 223).
“É necessário voltar a sentir que
precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e
o mundo, que vale a pena ser bons e honestos” (LS, § 229). Após a Laudato Si,
os discursos cristãos que orientam a vida religiosa não podem ser mais os
mesmos. Eles terão que estar voltados para a comunhão com Deus e com o próximo,
mas também com a natureza.
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