Poucas horas depois de o Supremo
Tribunal Federal ter negado o pedido de Habeas Corpus impetrado pela defesa, o
Tribunal Federal da quarta região autorizou a expedição do mandado de prisão.
22 minutos após, o juiz de primeira instância do Paraná emite a ordem de prisão
pondo, assim, em execução um plano que vem sendo tramado no imaginário das elites
conservadoras: ver o Presidente Lula preso. Tudo isso aconteceu desde a
madrugada do dia 5 de abril de 2018 até meados da tarde do mesmo dia. A ordem
de prisão pegou a todos de surpresa, inclusive a própria Polícia Federal e os
advogados de defesa, que aguardavam que tal fato viesse a acontecer em até 30
dias devido às possibilidades de recursos que a ação demandava. Lula
foi preso no dia 7 de abril de 2018.
A prisão do Presidente da República
que teve o maior índice de aprovação em seu mandato e era oriundo das camadas
populares e dos movimentos de esquerda se constitui em um ato simbólico que
representa bem a realidade política vivida pelo Brasil: a ação das forças
oligárquicas e conservadoras da direita contra os movimentos e lideranças que
apresentam alguma ameaça ao projeto de perpetuação do poder de uma elite.
Para entender a dimensão
simbólica dessa prisão é preciso lançar pelo menos dois olhares para a
história: um para o processo de formação de nossa cambaleante democracia, que
se orienta a partir de golpes e manobras para atender a interesses da elite
dominante; e outro para a trajetória do próprio Lula, desde os tempos em que
atuou como líder sindical, posteriormente como deputado constituinte e como o
presidente que mais fez pela classe trabalhadora, conduzindo o país a níveis de
emprego e de crescimento do PIB otimizados, à oferta de oportunidades de formação
para as populações mais carentes, à melhoria da distribuição de renda com a
consequente redução da fome e da miséria e a projeção do país no cenário internacional
como a potência econômica da América Latina.
Entretanto, a prisão de Lula é
cercada por alguns equívocos que são nutridos pela grande mídia e pelos
partidos de direita. Um deles é o desejo do fim da impunidade, uma característica
dos processos judiciais que protegem o mais rico, uma vez que a lei foi
elaborada pelos representantes dessa mesma elite exatamente com esse fim. O
outro sentimento é a ideia de que se tem empreendido o maior combate à corrupção
na história do país, com ações espetaculares de investigação do ministério
público e a prisão de alguns empresários e políticos poderosos. A prisão de
Lula não representa o fim da impunidade e muito menos se constitui num combate
à corrupção.
Na verdade, a prisão de Lula é
uma forma de se reeditar o mito do bode expiatório para atender a um desejo
coletivo de vingança sobre o mal maior que afeta a vida social. Transfere-se
sobre uma pessoa e um partido a responsabilidade de toda a corrupção que há no
país, como se esses tais fossem os criadores de todo o mal da vida nacional, os
inimigos do Brasil, que precisam ser execrados da vida pública. Chega-se à ingenuidade
de acreditar que, eliminando a figura de uma pessoa e reduzindo a força de um
partido, será possível viver um novo tempo na nossa democracia.
Mas essa prisão só aconteceu com
a concretização de uma articulação política para evitar que a esquerda volte ao
poder nas próximas eleições, retirando da corrida presidencial o candidato mais
cotado para vencer nas urnas. O argumento de que ele foi condenado em duas
instâncias, em vez de validar a prisão, somente confirma o grau de perseguição
implacável empreendida por um segmento do judiciário e pela grande mídia,
articulados para dar uma aparência de legalidade ao processo, o que juristas
têm denunciado como lawfare.
A partir de análises feitas por
juristas conceituados, chega-se à constatação de que: (a) a acusação é inepta,
firmada numa delação generosamente premiada de um criminoso, sem que uma prova
concreta tenha sido apresentada; (b) o trâmite do processo foi duvidoso, pois
não levou em consideração o farto material probatório da defesa; (c) a
celeridade em condenar, sobretudo com a ação combinada entre primeira e segunda
instâncias, a fim de cumprir um prazo que pudesse interferir no processo
eleitoral; (d) as sucessivas negativas de Habeas Corpus nos tribunais
superiores, demonstrando o interesse das forças conservadoras de reforçar a
mentalidade punitivista que domina setores do judiciário em detrimento da
defesa de direitos fundamentais da pessoa humana; (e) a pressa em expedir a
ordem de prisão sem o trânsito em julgado mesmo na segunda instância, sem
respeitar os prazos recursais; e (f) as manobras de pauta do judiciário para
evitar que se aplique o princípio constitucional e da legislação penal de presunção
de inocência e da não culpabilidade.
A prisão de Lula é um recado
claro para quem ousa desafiar a elite conservadora que atua no país desde os
tempos da colonização. O fim dessa história não é bom para a sociedade
brasileira. Entretanto, alguém precisa pagar o preço de encarnar a resistência
a esse poder centralizador que tem relegado o país ao seu atraso. Dessa vez foi
Lula, com um histórico de luta em defesa dos direitos do trabalhador. As elites
sabem que, entre os representantes da esquerda atual, não há alguém com tal
currículo. E a esquerda sabe que não se encontra capacitada para promover uma
frente ampla em favor desse mesmo projeto.
O resultado é que estamos todos vulneráveis
e expostos à opressão de quem tem a mão pesada para punir quem lhe ameaça. A
prisão de Lula denuncia o fracasso da democracia brasileira, desnuda o grau de
injustiça e desigualdade com que os movimentos e lideranças populares são
tratados. A judicialidade da prisão é uma farsa cruel para preservar interesses
de uma elite dominante.
(Foto de Francisco Proner Ramos).
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