O golpe de 2016 foi uma violência
contra a democracia e afetou as relações institucionais no Brasil. Nunca antes na
história do país um golpe chegou tão longe, destruindo esperanças e provocando
conflitos de proporções gigantescas envolvendo desde a macroeconomia até mesmo
as mobilizações sociais em defesa de direitos. A greve dos caminhoneiros de
2018 é uma prova disso.
Após 8 dias de paralisações, bloqueio
de estradas e manifestações de apoio de diversos setores da sociedade, os
caminhoneiros conseguiram expor dois aspectos de nossa realidade política: de
um lado, a força da mobilização quando interesses do setor produtivo e da força
de trabalho estão conjugados; de outro, um governo fraco e ilegítimo que
demonstrou falta de habilidade em negociar com os grevistas.
A origem do problema está na política
de preços adotada pela Petrobras, que provocou aumentos sucessivos dos
combustíveis em curto espaço de tempo (11 amentos em 17 dias). Mas a causa está
mais atrás, na adoção de um programa neoliberal que foi derrotado nas urnas em
2014. Para entender bem esse processo, é preciso ir mais longe no tempo, nas
manifestações contra a corrupção e o aumento de preço das passagens em 2013,
quando já se encontrava o embrião que deu lugar à mentalidade que serviu de
sustentação para o impeachment, em 2016, e para a aprovação de medidas de
redução de direitos sociais, como a emenda constitucional dos gastos públicos e
a reforma trabalhista, pelo governo que sucedeu.
O resultado do golpe se pode ver
em diversas áreas: o aumento do desemprego, a recessão do consumo, os baixos
índices do PIB, o aumento da dívida pública, o esgotamento das reservas
financeiras. São sintomas que desencadeiam grandes desastres: o aumento da
extrema pobreza e da mortalidade infantil, bem como o retorno do Brasil ao mapa
da fome. O aumento do preço dos combustíveis é apenas uma face de um governo
que se estruturou a partir da falácia do golpe.
Ainda há quem diga que não foi
golpe. Quem pensa assim imagina que golpes ainda são feitos à moda antiga, com
canhões e baionetas nas ruas. Mas desde o surgimento do nazismo e do fascismo,
golpes são articulados com aparência de legalidade. Foi assim que Hitler e Mussolini
chegaram ao poder, por meio de medidas adotadas pelo legislativo e pelo
judiciário, com forte apoio das elites e dos que controlam a opinião pública. É
a moda do golpe dentro do rito, respeitando as regras do jogo.
Dois equívocos estão por trás de
golpes oligárquico-jurídico-parlamentar-midiáticos: o primeiro, o de que a
democracia pode se dar sem a participação de partidos e de ideologias; o
segundo, o de transferir as decisões políticas para lideranças que não têm
compromisso com ideais democráticos. A democracia é o território dos debates
ideológicos. É a diferença entre as propostas partidárias que alimenta o debate
democrático que permite que o povo faça escolhas conscientes. Sem essas
diferenças, não há democracia, mas tirania de uma ideologia sobre as demais. A democracia
depende de pessoas que estejam comprometidos com ela em meio às diferenças. Por
ser um sistema político imperfeito, ela precisa de quem a defenda
permanentemente. Não é porque a democracia vai mal que ela deve ser aniquilada,
mas é quando ela mais precisa ser fortalecida.
A greve dos caminhoneiros
carrega consigo uma ambiguidade. Ela tanto revela o lado sombrio do golpe, de
supressão de direitos, quanto coloca em questão as soluções democráticas para
os problemas do país. A suspeita de que a greve fosse uma espécie de locaute
dos patrões nos dá margem para pensar assim, principalmente quando temas antidemocráticos
transversais são propostos, como o pedido pela intervenção militar e a rejeição
de bandeiras partidárias. As lideranças sindicais estão movidas pela crença de
que podem encontrar solução pela manifestação espontânea dos insatisfeitos. E,
de fato, a insatisfação com as consequências do desastre do golpe pode levar a
uma escalada de protestos sem controle, pois a crise atinge a educação, a saúde,
a segurança e todos os setores da economia.
Os caminhoneiros, ao lutar
contra a política de preços da Petrobras, acabaram atingindo em cheio o centro
nervoso do golpe. O que fica claro é que o golpe, tramado desde 2013 e
consumado em 2016, serviu para colocar no poder um grupo político alinhado com
os interesses da elite oligárquica, disposto a levar a efeito um projeto de poder
neoliberal a qualquer custo. De início, era para evitar que setores
progressistas, representados pelo PT, vencessem as eleições de 2014. A derrota
nas urnas provocou as manobras para não deixar governar através do controle do Congresso.
E tudo isso culminou com o pedido de impeachment da presidente eleita sem
crime. O golpe se desdobra e se afirma na medida em que o principal candidato
para 2018, que tem o dobro das intenções de voto do segundo colocado nas
pesquisas, foi condenado sem provas e permanece preso apesar de a Constituição garantir-lhe
direito a recursos.
O golpe, portanto, fracassou. E
com seu fracasso levou o país a um estado caótico. A solução, no entanto, é
democrática e no respeito ao Estado Democrático de Direito. É preciso ter
serenidade para que essa crise seja suportada a fim de que se garanta o processo
democrático, com o exercício de eleições livres. A maior luta hoje é pela
defesa da democracia, com a afirmação do voto consciente. E que o Brasil
encontre forças para isso.
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