Jesus Cristo
não criou a igreja tal como ela se configura hoje, como uma instituição dotada
de liturgias, hierarquia, sistemas doutrinários e ritos. Ele reuniu um grupo inicial
que contava com mais ou menos setenta pessoas que era capaz de mobilizar gente
em torno de seus ensinos e de seus feitos milagrosos. A igreja que Jesus formou
tinha mais a ver com a dinâmica dos relacionamentos do que com formas institucionais
de organização.
Ele mesmo
disse que edificaria sua igreja. Mas, o que Jesus tinha em mente quando se
referiu à sua igreja? Com certeza não eram rituais, vestes, sacramentos, dias
santos, clero ou santuário. Esses são representações elaboradas pelos seus seguidores
carregadas de significados históricos construídos ao longo das muitas
experiências culturais e de formas de expressão da fé. Jesus estava interessado
em atrair pessoas para si e transformá-las em novas criaturas.
Em princípio,
é preciso ter em mente que Jesus foi um judeu, criado por seus pais dentro dos
costumes do judaísmo do seu tempo. Os evangelhos enfatizam que os fatos
envolvendo a gravidez, o nascimento, a infância e a adolescência de Jesus foram
marcados pela cultura dominada pela fé judaica. Lucas deixa claro que era “[...]
conforme o costume” (Lucas 2:42). Mateus salienta que tais acontecimentos eram em
cumprimento a profecias bíblicas.
Jesus foi consagrado
no templo quando bebê de acordo com a tradição judaica. Ele possuía uma genealogia
que só os judeus mais nobres poderiam relatar. Tinha uma proximidade com os mestres
da religião desde o início de sua adolescência. Atuou como um mestre
extraordinário, empregando habilidosamente recursos retóricos e didáticos do
seu tempo. Era convidado a falar nas sinagogas, o que era uma prática comum aos
fariseus. Dialogou com os doutores da lei e confrontou os fariseus por conhecê-los
de uma forma bem peculiar, como quem tivesse intimidade com eles. Foi chamado por
muitos de seus interlocutores de rabbi
e por seus discípulos de rabbouni,
termos que eram atribuídos aos mestres religiosos. Ele mesmo tratou seus primeiros
seguidores como discípulos ou aprendizes.
Apesar disso –
e talvez por isso mesmo –, Jesus confrontou as formas religiosas de seu tempo. Jesus
nunca esteve preocupado em formar uma nova religião nem de criar uma instituição.
Tudo o que sabemos hoje sobre igreja está presente nos ensinos dos apóstolos, nas
cartas escritas por eles para dar direção ao movimento que a fé cristã foi
ganhando à medida que expandia e avançava pelo mundo, sobretudo no Ocidente. Os
discursos de Jesus, porém, falam mais de uma relação.
O foco de
Jesus era criar as condições para a inauguração do seu Reino. Para isso, atraiu
pessoas para conviverem com ele por um tempo. Ofereceu a essas pessoas ensinos
e experiências que influenciariam suas condutas após a sua crucificação. Os
ensinos não eram sobre teorias de liderança, fórmulas doutrinárias ou estratégias
de crescimento, mas princípios para uma vida significativa no mundo. As
experiências não eram voltadas para a prática de curas, atos religiosos ou
exorcismos, mas para que eles tivessem uma vivência do que é ter uma vida
marcada pela compaixão.
Quando se diz
que a igreja de hoje precisa retornar ao tempo da igreja primitiva ou à dos
primeiros apóstolos, penso que esse retorno deveria se dar para um pouco antes,
para ouvir de novo o que Jesus tem a dizer sobre sua igreja. É preciso retomar
os ensinos de Jesus, rever com mais atenção as narrativas sobre suas práticas
com seus discípulos e redescobrir um novo jeito de ser igreja que esteja para
além do domingo, do clero e do templo.
A igreja como
conhecemos hoje passou e tem passado por muitas transformações. Não resta a menor
dúvida de que toda mudança foi resultado da necessidade de agir no mundo, de
encontrar modos de se cumprir missão, de dialogar com as expressões
organizacionais de cada tempo. Para isso, ela tanto desenvolveu relações de
poder como configurou um espaço onde fosse possível ter uma experiência de
encontro. Algumas dessas formas foram cristalizadas e resultaram na
multiplicidade de eclesiologias que conhecemos.
Jesus não
estabeleceu regras para a continuidade histórica de sua igreja. Compreende-se
que ele encarregou seus discípulos dessa responsabilidade. Para tanto, eles estariam
livres em todo o tempo para encontrar maneiras de se reunir como povo de Deus e
cumprir a missão que Jesus designou de levar a todo o mundo a boa notícia do
amor de Deus a toda criatura.
A igreja
precisa resgatar sua identidade de povo de Deus, deixar de ser um lugar para se
ir para se tornar um modo de ser. Para isso, é preciso ouvir de novo o que
Jesus tem a dizer sobre a comunhão daqueles que ele atraiu para si, aos quais
ele quis que estivessem ligados a ele como ramos da videira, e não como adeptos
de um segmento religioso.
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