Na madrugada do dia 31 de agosto
para o dia 1 de setembro de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral do
Brasil decidiu barrar a candidatura de Luís Inácio Lula da Silva à
Presidência da República. Levando-se em consideração que se trata
de alguém condenado em segunda instância por crime contra a
administração pública, o fato poderia ser interpretado como uma
aplicação natural da Lei de Ficha Limpa. Mas, para essa decisão, o
TSE atropelou prazos, desconsiderou uma decisão da ONU em defesa do
direito de Lula ser candidato e ainda não se ateve ao mérito da
condenação sem provas e sem direito a recursos ou Habeas Corpus a
que Lula está submetido.
Ao tornar Lula inelegível e cassar
seus direitos políticos, o TSE confirma o regime de exceção que
vem sendo seguido desde o início do golpe. Para relembrar, o golpe
foi tramado desde 2014 com a onda de investigações e denúncias
seletivas no interior da Operação Lava Jato para enfraquecer a
candidatura de Dilma Roussef à reeleição, mas isso não foi
suficiente para impedir a quarta vitória consecutiva do Partido dos
Trabalhadores ao cargo máximo do país. O golpe teve continuidade
com a atitude antidemocrática do candidato derrotado ao não aceitar
o resultado das urnas, com sucessivas tentativas de anular o pleito
até anunciar da tribuna do Congresso, quando a ocupou pela primeira
vez no ano seguinte, que iria “quebrar o país” até Dilma ser
deposta. O golpe se consumou com o processo de impeachment, em 2016,
sem haver crime cometido pela Presidente. Como resultado, o Brasil
tem vivido uma crise sem precedentes, com um governo com alto índice
de rejeição e que vem tomando medidas que prejudicam a população,
como a perda de direitos, o congelamento de gastos sociais e a
reforma trabalhista. O foco final do golpe seria a retirada do
cenário político do candidato mais cotado à Presidência, que
vinha sendo apontado pelas pesquisas com chances de vencer até no
primeiro turno.
Em uma certa medida, o golpe tem
sido bem-sucedido. Conseguiu tirar Lula da eleição, assim como
tirou o PT do poder e os direitos sociais dos mais pobres.
Entretanto, não tem conseguido impedir a mobilização popular de
resistência às manobras políticas da justiça para interferir no
resultado das urnas. O que poderia ser um processo com aparente
legalidade, seguindo o trâmite institucional, torna-se um
desencadeador do movimento de resistência que poderá ser verificado
no comportamento das urnas. Embora tenha sido bem-sucedido nos
quesitos de impedimentos políticos, o golpe tem sido um fracasso
total, mergulhando o país numa crise sem volta, com desemprego em
alta, baixíssimo crescimento econômico e perda do poder de compra
dos salários.
O PT acertou em não abandonar o
Lula até as últimas consequências. Seria um ato de traição
deixá-lo fora do processo em nome de um pragmatismo eleitoral. Agora
que o TSE decidiu, o PT tem legitimidade para colocar a campanha da
chapa Haddad-Manuela na rua. Esta seria a hora de as esquerdas unirem
forças e seguirem o caminho do voto útil em torno de um nome que
reúna condições de dar o troco do golpe, se quiserem retomar o
poder no país.
Fazendo uma analogia com a história,
o Brasil e a América Latina já viveram situações de tensão em
que as oligarquias tentaram interferir na democracia retirando o
candidato mais cotado. Em 1945, com Getúlio Vargas deposto e recluso
em São Borja, a eleição presidencial pendia para o udenista
Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN era o partido das oligarquias).
Faltando pouco mais de uma semana, sem rede social, internet ou
televisão, Vargas mandou um recado para os trabalhadores: “Votai
em Dutra!” Dutra foi eleito e Vargas ganhou as eleições
seguintes. E em 1973, na Argentina, os militares que governavam
aquele país anunciaram que haveria eleições presidenciais. Juan
Domingo Perón, o mais cotado, não poderia concorrer porque estava
no exílio na Espanha. O candidato do Movimento Peronista foi Vicente
Solano Lima, que venceu as eleições. No mesmo ano, Solano tomou
posse, revogou o exílio de Perón, renunciou ao cargo de Presidente
e convocou novas eleições. Perón se candidatou e foi eleito para
seu terceiro mandato.
É emblemático para a análise do
impedimento de Lula, em relação ao cenário do golpe que as
oligarquias aplicaram no Brasil, o fato de que a votação do TSE
coincidiu com o aniversário de dois anos da decisão que o Senado
tomou em favor do impeachment de Dilma. A história não é feita de
coincidências. Com um judiciário oligárquico e que se comporta em
favor das elites dominantes, não é de se estranhar que suas ações
sejam orquestradas em favor dos interesses de uma classe que sempre
dominou o poder no Brasil, relegando a maioria da população a uma
situação de exploração e de dependência.
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