O
imbróglio envolvendo a soltura do ex-presidente Lula, preso há três meses em Curitiba,
expôs a fragilidade do momento que o Brasil vive após o golpe de 2016. Um desembargador
plantonista, Rogério Favreto, alegando fato novo decide pela concessão de habeas
corpus ao preso na manhã do dia 8 de julho a pedido de deputados federais
filiados ao PT, o partido de Lula. Não fosse o regime extraordinário que
envolve a figura do ex-presidente, estaríamos diante de um acontecimento jurídico.
Em que pesem os argumentos que aprovam e desaprovam tal medida, enquanto fato
jurídico deveria ser resolvido pelas normas que orientam as práticas jurídicas.
Mas não foi o que se viu. A sociedade, a partir daí, assistiu a uma sucessão de
decisões e de enfrentamentos que ultrapassaram os limites do bom senso, da boa-fé
e do Direito.
Foi
um domingo para não esquecer. Ficaram expostas as arbitrariedades e a trama
política por trás das decisões judiciais cujo único objetivo é manter
Lula preso e, por consequência direta, afastado do debate político como
candidato que é à sucessão presidencial em outubro do corrente ano. Há vários
aspectos cercados de uma penumbra que aos poucos vão sendo desvelados e, a cada
nova informação, fica mais evidente a manobra jurídica e política em torno do
caso. A sequência dos atos: o Diretor da Polícia Federal que recebeu a ordem de
soltura de um desembargador não a cumpriu de imediato; o juiz de primeira
instância que condenou o réu, Sérgio Moro, orientou para que a Polícia Federal
desobedecesse ao mandado superior, mesmo estando de férias, além de não ser
mais o juiz que cuida do cumprimento da sentença dada ao réu; a ordem de
soltura foi expedida novamente com prazo de uma hora para o seu cumprimento,
mas mais uma vez não foi obedecida aguardando a manifestação do desembargador
que chefiou a turma que confirmou a condenação do réu em segunda instância,
João Pedro Gebran Neto, desembargador esse que já não responde mais pelo caso,
pois encaminhou o cumprimento da sentença, já executada; a ordem de soltura foi
expedida ainda uma terceira vez, que foi novamente suspensa, agora pelo
presidente do tribunal regional, Carlos Thompson Flores, que é representado
pelo plantonista no recesso da Justiça. E tudo num espaço de poucas horas. Isso
envolveu as redes sociais e a mídia em geral com opiniões de toda ordem e até a
manifestação de grupos favoráveis ao ex-presidente em várias cidades do país.
Uma
loucura jamais vista na história do judiciário brasileiro. Mas o interessante é
que essa cena bizarra cria uma nova situação jurídica em torno da discussão
sobre violação de direitos do Lula e o juízo de exceção em curso. A defesa de
Lula tem afirmado nos autos e em todos os recursos que Lula foi condenado sem
provas, fato esse comprovado por diversos analistas jurídicos. A decisão do
desembargador em conceder o habeas corpus demonstra que há condições legais e
fundamentadas no ordenamento jurídico, a começar pela Constituição, para que
Lula recorra de sua condenação até o trânsito em julgado, o que deveria
acontecer nos tribunais superiores. E as decisões de mantê-lo preso demonstram
que a única razão para isso é de fundo político, para inviabilizar a sua
candidatura.
Esse
imbróglio ainda vai render muito. O desembargador que concedeu o habeas corpus se
tornou alvo da crítica dos opositores de Lula e dos que querem mantê-lo no
cárcere. Alegam que ele não poderia tomar tal decisão durante o plantão, mas ignoram
que ele era a personificação do próprio tribunal em recesso. Alegam que ele não
poderia mudar uma decisão do colegiado, mas não levam em conta que se trata de
um preso que tem o direito, no ordenamento jurídico, a um tratamento que requer
urgência. Alegam que ele já foi filiado ao PT, mas esquecem que juízes de
várias instâncias têm relações diretas com outros partidos, com escandalosos
casos de beneficiamento. Nenhum desses argumentos são capazes de minimizar a
relevância do episódio: ele coloca a prisão do Lula no centro do debate sobre
as eleições presidenciais de 2018.
O
impasse em relação ao habeas corpus a favor de Lula escancara ainda mais o fato
de que se trata de um preso político mesmo. Fica claro que Lula se tornou refém
de um regime de exceção, sem direito à Justiça, tratado por um setor do
judiciário que atua sob critérios fascistas para inviabilizar sua candidatura.
Duas coisas podem explicar o motivo dessa arbitrariedade: a primeira é o ódio à
pessoa do Lula e ao que ele representa para as populações menos favorecidas
desse país; a segunda é o medo de que ele volte a ser Presidente da República e
repita a política de inclusão social que levou a efeito nos seus dois mandatos.
Se
alguém tinha dúvida de que a destituição do governo do PT, com o impeachment de
Dilma Roussef, foi golpe, hoje passou a ter certeza. É golpe com o judiciário e
com tudo. É golpe da pior espécie, com aparência de legalidade. Visto conjuntamente
com o aprofundamento da crise econômica, o aumento do desemprego e a
precarização da renda do trabalhador, o episódio de 8 de julho de 2018 delineia
a dimensão do golpe: a implantação de um regime opressor cujo único objetivo é permitir
que as elites conservadoras voltem a fazer o que querem com o país. Enquanto a
população é obrigada a conviver com o presidente mais impopular de toda a
história republicana e com os comprovados indícios de corrupção, a prisão de
Lula sem provas soa como um escárnio.
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