domingo, 12 de maio de 2019

A família como espaço terapêutico / The family as a therapeutic space / La familia como espacio terapéutico


Uma família é muito mais que a soma de individualidades. É o espaço para vivermos nossa condição de pessoas em meio a outras pessoas. Por conta disso, é lugar de tensões que provocam conflitos de toda ordem. Quem nunca se perguntou: Por que a minha família é desse jeito? Ou: Por que a minha família é diferente das outras? Ou ainda: Por que a minha família não é normal?
O fato é que toda família está sujeita a situações que causam estresse, mudanças, rupturas ou perdas em algum momento, mas isso não faz de nenhuma família imperfeita. Porém, podemos afirmar que a família perfeita não existe como modelo a ser imitado, ao mesmo tempo em que podemos afirmar que a normalidade da família é exatamente o enfrentamento das suas condições de organização e existência.
Recentemente, estudiosos têm desenvolvido o conceito de família disfuncional, que é aquela em que seus membros encontram formas de tratarem as situações de conflito, de conduta e até de abusos que acontecem de forma continuada na vida familiar. A família é compreendida como um sistema que abriga em si vários subsistemas. No seu funcionamento, ela integra influências internas e externas, com a capacidade de se auto-organizar e de desenvolver relações dinâmicas, coerentes e consistentes entre seus membros. O termo deriva do conceito funcionalista de família, como parte do todo social.
Como se forma a família disfuncional? Normalmente, no histórico da família disfuncional podem ocorrer transtornos de ordem psicológica, problema com vícios e compulsões, abuso de poder, comportamento controlador, ciúmes, falta de responsabilidade, falta de limites, distanciamento, falta de afetuosidade, abusos, maus tratos, dificuldades de comunicação, falta de confiança, baixa autoestima, expectativas equivocadas e até excesso de exigências por parte de algum membro da família.
São conflitos que estão alojados em nosso inconsciente e que afloram constantemente provocando crises e repetições que afetam nossas relações. Como pessoas, estamos envolvidos numa rede de relações, que implicam uma gama enorme de estruturas e sistemas integrados, que acabam influenciando diretamente nossa ação. Ao mesmo tempo, somos movidos por atitudes conscientes e inconscientes. Par amplia a percepção de nossa realidade, precisamos levar em conta que cada família tem suas próprias regras para funcionar corretamente que, se não forem respeitas, provocará situações complexas e dolorosas que demandará cuidado.
A família é lugar de enfrentamento de seus medos, carências emocionais, traumas, relações problemáticas e tensões que têm sua origem no nosso próprio histórico familiar. Para tratar dessa questão, o psicoterapeuta alemão Bert Hellinger desenvolveu um conjunto de práticas que envolvem o que chamou de “As ordens de amor”, que são três.
a) A ordem do pertencimento – todos os membros da família têm direito a pertencer ao sistema familiar. Se alguém for excluído, outro ocupará o seu lugar.
b) A ordem da hierarquia – os que chegaram antes estão acima dos que chegam depois. O casal, por exemplo, chegou antes dos filhos.
c) A ordem do equilíbrio – só podemos oferecer aquilo que recebemos. A relação saudável da família está na garantia de dar e receber em condições de igualdade.
Uma família saudável é aquela em que seus membros colaboram com uma consciência livre. Num contexto familiar, que Hellinger chamou de comunidade de destino, as pessoas possuem vínculos entre si, em que todos estão ligados a todos. Os vínculos mais fortes são aqueles que ligam pais filhos, irmãs e parceiros entre si. São esses vínculos que alimentam expectativas, esperanças e temores diante das situações enfrentadas, sejam elas de estresse, mudanças ou até mesmo perdas.
No seu livro Ordens do amor, Hellinger assim se expressa: “Na comunidade de destino, constituída pela família e pelo grupo familiar, reina, portanto, em razão do vínculo e do amor que lhe corresponde, uma necessidade irresistível de compensação entre a vantagem de uns e a desvantagem de outros, entre a inocência e a sorte de uns e a culpa e a desgraça de outros, entre a saúde de uns e a doença de outros, e entre a vida de uns e a morte de outros. Em razão dessa necessidade, se uma pessoa foi infeliz, uma outra também quer ser infeliz; se uma ficou doente ou se sente culpada, uma outra, saudável ou inocente, também fica doente ou se sente culpada; e se uma morreu, outra, próxima a ela, também deseja morrer”.
O papel da família é manter um sistema familiar completo, preservar a integridade e assegurar a inclusão da totalidade de seus membros. Uma família saudável é, portanto, aquela que tem uma consciência mais ampla e que, por isso mesmo, se torna capaz de inclusão, integração e reconciliação dos diferentes componentes da família. Não que ela seja perfeita, mas porque se torna um espaço terapêutico para lidar com o que causa tensão.
Para que a família se transforme num espaço terapêutico, é preciso que seus membros abandonem velhos paradigmas e desenvolvam um espírito aberto para novas experiências. É preciso ter coragem para encarar sua própria história com respeito e aceitação, com gratidão por pertencer a esse sistema que é sua própria família. É preciso levar em conta que a família se reveste do sagrado, visto que é nela tivemos acesso ao direito à vida.

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