Há uma religião a ser percebida no
capitalismo, essa é a afirmação com a qual Walter Benjamin inicia um pequeno
fragmento de texto, sob a forma de um artigo, no qual identifica formas religiosas
de organização do capitalismo. Diferentemente do que propôs Max Weber – ao
considerar que o capitalismo foi condicionado pela religião cristã –, Benjamin compreende
que o capitalismo se desenvolveu, no Ocidente, como um “parasita no
cristianismo” na medida em que a religião cristã, especialmente com a reforma
protestante, se converteu em capitalismo.
O artigo é de 1921, mas se tornou
público apenas em 1985, com a publicação de textos inéditos do pensador da
Escola de Frankfurt. Desde então, tem sido objeto de análise de pensadores como
Giorgio Agamben e Michel Lowi. Esse artigo foi publicado em português pela
primeira vez no jornal A Folha de São
Paulo, em 18 de setembro de 2005 (no caderno Mais). Posteriormente, Michel Lowi fez uma coletânea de textos de
Walter Benjamim, publicada em 2013, dentre os quais se encontra o Capitalismo
como religião, que inclusive dá título ao livro.
Para Benjamin, as funções
sociais exercidas pela religião hoje são marcadas pelo capitalismo, em que
procura se envolver com as mesmas preocupações que a religião se ocupa, ou
seja, daquilo que gera angústia, inquietação, sofrimento e também de realização
pessoal. Há três traços que identificam a estrutura religiosa do capitalismo. O
primeiro trata-se do fato de que o capitalismo é uma religião de mero culto, sem
dogma e sem teologia, voltada exclusivamente para seu objeto de adoração. O
segundo é que esse culto é permanente, sem piedade e sem esperança, visto que
envolve uma tensão constante. E em terceiro, é um culto culpabilizador, em que
a culpa nunca é expiada, o que implica o próprio Deus nessa culpa. O que
poderia ser um quarto traço dessa religião é o modo como o deus do capitalismo
se mantém oculto, como uma divindade imatura, que se faz presente em meio à
culpabilização.
No capitalismo como religião, o banco
ocupa o lugar do templo e do sacerdote, o mercado transforma-se em lugar de
encontro para purificar as culpas, a esperança é voltada para o consumo, a fé é
tratada como crédito e o dinheiro ocupa o lugar de Deus. Os três pensadores da
suspeita do século XIX já alertavam para essas formas religiosas do
capitalismo. Freud identificou que o capitalismo expressa o nosso desejo, em
que o capital funciona como recompensa para o inferno do inconsciente. Karl Marx
compreendeu que o capitalismo é uma religião do cotidiano, que trata a culpa
como dívida. Um capitalismo não convertido se torna um socialismo. E Nietzsche identificou
que o ideal do capitalismo é representado pela figura do super homem como
modelo ideal de afirmação da humanidade.
O fim dessa religião é o
desespero. Não se trata mais da reforma do ser, da reconciliação do homem
consigo mesmo ou com o sagrado, mas sim sua destruição. Para Giorgio Agamben, o
capitalismo não só é de fato uma religião, como é a pior e a mais implacável delas, que
não conhece redenção nem trégua e que rege tudo pelo poder do dinheiro. Desse
modo, o capitalismo governa o mundo aproveitando-se da esperança das pessoas no
consumo, fixando o crédito que cada um pode desfrutar e o preço que deve ser
pago por isso.
Apesar disso tudo, o capitalismo
exerce um fascínio sobre as pessoas em geral. Porém, há dois problemas que
cercam o debate atual: primeiramente, há uma crítica exacerbada com relação às
formas com que o capitalismo se configura no século XXI (sobretudo o
capitalismo financeiro) e, em segundo lugar, há ao mesmo tempo uma crescente
preocupação com a redução da desigualdade social e das privações do acesso ao
consumo e ao bem-estar para as populações mais carentes. Fala-se inclusive da
formulação de um capitalismo mais inclusivo. De um lado, encontramos a aspiração
desenvolvimentista que domina as políticas econômicas do mundo que se baseia no
incentivo ao consumo, mas também, por outro, acreditamos que o bem-estar que
todos buscamos resulta no acesso a um aparato tecnológico que se sofistica cada
vez mais, que deveria ser universalizado.
Historicamente, a mentalidade
que deu base ao surgimento e fortalecimento do capitalismo se funda no
pensamento liberal. O liberalismo clássico afirmava que todos devem ter garantias
iguais de direito de propriedade e de expressão de ideias, com suas bases
humanistas. Nesse sentido, somos todos liberais em princípio. Entretanto, desde
a década de 1970, há uma advertência que cada vez mais se intensifica de que os
recursos existentes são limitados. Isso deu lugar ao neoliberalismo que procurou
desde então demonstrar que não há garantias de conhecer os limites de nosso
conhecimento a respeito das relações de consumo. O que resta como esperança é a
fé no mercado. O neoliberalismo é a exaltação da liberdade individual e da
satisfação do desejo pelo consumo.
Podemos falar de um
pós-capitalismo ou do seu fim? Antes, porém, é preciso levar em conta que todas
as alternativas do século XX ao capitalismo fracassaram. Então, como vencer a
lógica do mercado sem reeditar aquilo que foi a tensão histórica do capitalismo,
entre servidão e dominação? Num primeiro momento, é hora de fazer o caminho
inverso da máxima de Karl Marx sobre a Filosofia: “Os filósofos apenas
interpretam o mundo, a hora é de mudá-lo”. E o mundo passou por um processo de
mudanças muito rápido no século XX. Agora é a hora de repensar essas mudanças.
Mas também é hora de mudar as atitudes frente às transformações, propondo uma
nova agenda para o mundo capitalista, tais como: a universalização de direitos
essenciais nas áreas de saúde e educação, a otimização dos transportes públicos
acessíveis a todos, a preocupação com a garantia de renda mínima para todos os
cidadãos, a preservação dos recursos naturais e de um mundo sustentável para as
gerações futuras.
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