terça-feira, 25 de junho de 2019

Capitalismo como religião / Capitalism as a religion / Capitalismo como religión


Há uma religião a ser percebida no capitalismo, essa é a afirmação com a qual Walter Benjamin inicia um pequeno fragmento de texto, sob a forma de um artigo, no qual identifica formas religiosas de organização do capitalismo. Diferentemente do que propôs Max Weber – ao considerar que o capitalismo foi condicionado pela religião cristã –, Benjamin compreende que o capitalismo se desenvolveu, no Ocidente, como um “parasita no cristianismo” na medida em que a religião cristã, especialmente com a reforma protestante, se converteu em capitalismo.
O artigo é de 1921, mas se tornou público apenas em 1985, com a publicação de textos inéditos do pensador da Escola de Frankfurt. Desde então, tem sido objeto de análise de pensadores como Giorgio Agamben e Michel Lowi. Esse artigo foi publicado em português pela primeira vez no jornal A Folha de São Paulo, em 18 de setembro de 2005 (no caderno Mais). Posteriormente, Michel Lowi fez uma coletânea de textos de Walter Benjamim, publicada em 2013, dentre os quais se encontra o Capitalismo como religião, que inclusive dá título ao livro.
Para Benjamin, as funções sociais exercidas pela religião hoje são marcadas pelo capitalismo, em que procura se envolver com as mesmas preocupações que a religião se ocupa, ou seja, daquilo que gera angústia, inquietação, sofrimento e também de realização pessoal. Há três traços que identificam a estrutura religiosa do capitalismo. O primeiro trata-se do fato de que o capitalismo é uma religião de mero culto, sem dogma e sem teologia, voltada exclusivamente para seu objeto de adoração. O segundo é que esse culto é permanente, sem piedade e sem esperança, visto que envolve uma tensão constante. E em terceiro, é um culto culpabilizador, em que a culpa nunca é expiada, o que implica o próprio Deus nessa culpa. O que poderia ser um quarto traço dessa religião é o modo como o deus do capitalismo se mantém oculto, como uma divindade imatura, que se faz presente em meio à culpabilização.
No capitalismo como religião, o banco ocupa o lugar do templo e do sacerdote, o mercado transforma-se em lugar de encontro para purificar as culpas, a esperança é voltada para o consumo, a fé é tratada como crédito e o dinheiro ocupa o lugar de Deus. Os três pensadores da suspeita do século XIX já alertavam para essas formas religiosas do capitalismo. Freud identificou que o capitalismo expressa o nosso desejo, em que o capital funciona como recompensa para o inferno do inconsciente. Karl Marx compreendeu que o capitalismo é uma religião do cotidiano, que trata a culpa como dívida. Um capitalismo não convertido se torna um socialismo. E Nietzsche identificou que o ideal do capitalismo é representado pela figura do super homem como modelo ideal de afirmação da humanidade.
O fim dessa religião é o desespero. Não se trata mais da reforma do ser, da reconciliação do homem consigo mesmo ou com o sagrado, mas sim sua destruição. Para Giorgio Agamben, o capitalismo não só é de fato uma religião, como é a pior e a mais implacável delas, que não conhece redenção nem trégua e que rege tudo pelo poder do dinheiro. Desse modo, o capitalismo governa o mundo aproveitando-se da esperança das pessoas no consumo, fixando o crédito que cada um pode desfrutar e o preço que deve ser pago por isso.
Apesar disso tudo, o capitalismo exerce um fascínio sobre as pessoas em geral. Porém, há dois problemas que cercam o debate atual: primeiramente, há uma crítica exacerbada com relação às formas com que o capitalismo se configura no século XXI (sobretudo o capitalismo financeiro) e, em segundo lugar, há ao mesmo tempo uma crescente preocupação com a redução da desigualdade social e das privações do acesso ao consumo e ao bem-estar para as populações mais carentes. Fala-se inclusive da formulação de um capitalismo mais inclusivo. De um lado, encontramos a aspiração desenvolvimentista que domina as políticas econômicas do mundo que se baseia no incentivo ao consumo, mas também, por outro, acreditamos que o bem-estar que todos buscamos resulta no acesso a um aparato tecnológico que se sofistica cada vez mais, que deveria ser universalizado.
Historicamente, a mentalidade que deu base ao surgimento e fortalecimento do capitalismo se funda no pensamento liberal. O liberalismo clássico afirmava que todos devem ter garantias iguais de direito de propriedade e de expressão de ideias, com suas bases humanistas. Nesse sentido, somos todos liberais em princípio. Entretanto, desde a década de 1970, há uma advertência que cada vez mais se intensifica de que os recursos existentes são limitados. Isso deu lugar ao neoliberalismo que procurou desde então demonstrar que não há garantias de conhecer os limites de nosso conhecimento a respeito das relações de consumo. O que resta como esperança é a fé no mercado. O neoliberalismo é a exaltação da liberdade individual e da satisfação do desejo pelo consumo.
Podemos falar de um pós-capitalismo ou do seu fim? Antes, porém, é preciso levar em conta que todas as alternativas do século XX ao capitalismo fracassaram. Então, como vencer a lógica do mercado sem reeditar aquilo que foi a tensão histórica do capitalismo, entre servidão e dominação? Num primeiro momento, é hora de fazer o caminho inverso da máxima de Karl Marx sobre a Filosofia: “Os filósofos apenas interpretam o mundo, a hora é de mudá-lo”. E o mundo passou por um processo de mudanças muito rápido no século XX. Agora é a hora de repensar essas mudanças. Mas também é hora de mudar as atitudes frente às transformações, propondo uma nova agenda para o mundo capitalista, tais como: a universalização de direitos essenciais nas áreas de saúde e educação, a otimização dos transportes públicos acessíveis a todos, a preocupação com a garantia de renda mínima para todos os cidadãos, a preservação dos recursos naturais e de um mundo sustentável para as gerações futuras.

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