Uma
das tarefas do fazer teológico é pensar a Teologia em sua relação com a
cultura. A cultura é um sistema de significados e, como tal, é próprio de nossa
condição humana. É a cultura que faz da pessoa um ser humano. A partir da
cultura, a vida em sociedade se organiza e se percebe a realidade vivenciada. Isso
de dá pelo fato e a cultura se realizar através das representações e das ações
das pessoas em um grupo social. O ser humano é o grande ator da cultura.
A
cultura se expressa na história e em meio às vivências sociais. As ações
humanas são histórica e socialmente orientadas, por isso é que as práticas das
comunidades humanas ao longo do tempo deixam seus vestígios. Como um movimento
que questiona valores e comportamentos vigentes na cultura, o cristianismo
possui um vínculo histórico e cultural de modo a propor novas possibilidades de
relações humanas.
Nesse
sentido, o cristianismo se expressa como contracultura, e não contra a cultura,
a favor da cultura ou mesmo acultural. E, por ser uma contracultura, o cristianismo
contesta os valores que se opõe ou se distinguem do fenômeno cultural, como o
individualismo, o consumismo, o materialismo e a falta de pensamento crítico.
Dessa
forma, a Teologia compreende as manifestações culturais, especialmente a arte, como
expressões do cuidado de Deus com a humanidade. Um dos aspectos relevantes da
relação entre Teologia e cultura é que ela contribui para a formação de um
compromisso de expressar a fé no contexto de uma cultura, nunca fora dela.
A
discussão sobre Teologia e cultura requer domínio de alguns conceitos
fundamentais. Um deles é o de secularização, que envolve o esvaziamento do
sagrado, sobretudo na cultura ocidental e Moderna. Outro conceito é o da globalização
como um processo de integração cultural que foi acentuado a partir da Revolução
Industrial e ganhou novos contornos com a era da informática. E tem ainda o
conceito de enculturação, que trata da influência recíproca entre fé e cultura.
Via
de regra, a Teologia lida com duas constatações sobre a relação com a cultura. O
primeiro é o de que Deus está no controle da história. Não se trata de uma noção meramente determinista, mas parte da
compreensão de que os propósitos divinos se realizam na história. Parte da
ideia de que nem sempre aquilo que parece negativo aos nossos olhos é ruim aos
olhos de Deus, pelo fato de que ele pode usar nossas situações adversas para
cumprir seus propósitos. Outra constatação é que a cultura secularizada é oposta
aos propósitos divinos. A fé está sempre em confronto com a cultura dominante e
muitas vezes pode ser encarada como uma ameaça.
A
teologia envolve dois elementos estruturantes: o texto bíblico, representativo
de uma cultura, e o contexto cultural, representativo da cultura dos leitores. De
um modo geral, a teologia lida com o fato de que a Bíblia tem um valor
supracultural e atemporal. Isso quer dizer que os princípios e valores que
orientam a condição humana em cada cultura apontam para a necessidade de uma
relação com o transcendente, e isso interfere na interpretação dos textos
sagrados em um dado momento.
Chamamos
de supracultura as disposições culturais que transcendem à própria cultura,
visto que esta reflete a situação de tensão da ambiguidade humana em meio às situações
vividas, na medida em que cada um procura construir caminhos para estabelecer
relações com o sagrado. Do ponto de vista teológico, a cultura é uma
representação de nossa interioridade: nossas angústias, nossas esperanças,
nossos temores e nossos desejos. É da natureza humana ter uma abertura para o
que está além de si mesmo. Neste anseio pelo eterno e pelo inefável, o homem se
dá conta de sua finitude e de sua condição limitada ao expressar suas
histórias, seus rituais, seus relacionamentos, suas tecnologias e suas crenças.
Por
essa razão, a humanidade procura eternizar sua cultura – a partir das relações
comunitárias – para encontrar algum fator que lhe dê segurança diante de suas
dúvidas, diante do mal, diante da dor e diante da morte. Quando a Teologia aborda
o conceito de cultura, ela nos ajuda a encontrar maneiras de atribuir sentido
para a vida, de buscar caminhos para o resgate do que há de humano em nós e de
construir um caminho para restaurar a relação perdida com Deus e consigo mesmo.
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