A atuação dos movimentos pentecostais envolve
muito mais que o uso da linguagem, da experiência de culto e do carismatismo.
Os muitos pentecostalismos, que deve incluir também os neopentecostais, têm
desenvolvido discursos e práticas relativos a questões sociais que os segmentos
mais progressistas não se deram conta: pautas morais, como rejeição ao aborto e
às uniões homoafetivas; a demonização do espiritismo e da religiosidade
afro-brasileira, e práticas mercadológicas e comunicacionais.
Há um tipo de pentecostalismo com mais
penetração entre jovens de classe média, e há um movimento pentecostal que tem
mais adesão nas comunidades mais carentes. Esses movimentos não se misturam.
Andando pelas periferias dos grandes centros constata-se sem muita dificuldade que o pentecostalismo conquistou mais
fiéis do que as Comunidades Eclesiais de Base da Teologia da Libertação e de
qualquer outro segmento religioso.
O cristianismo, de um modo geral, tem
se tornado mais carismatizado e mais pentecostalizado. A presença pentecostal é
uma marca desse tempo. É um movimento que tem sua origem nos grupos cristãos pertencentes
a igrejas protestantes históricas dos Estados Unidos que buscavam uma renovação
espiritual, no final do século XIX e começo do século XX. A ênfase era
desvendar a obra do Espírito Santo e aprofundar essa experiência a partir da
manifestação do falar em línguas estranhas, semelhante ao episódio ocorrido
entre os primeiros cristãos e narrado no livro de Atos dos Apóstolos. Esse
episódio ocorreu no dia de Pentecostes, uma data do calendário judaico.
A primeira experiência pública dessa
manifestação aconteceu historicamente em 1906, na igreja da rua Azusa, em Los
Angeles, Estados Unidos. A propagação dessa experiência se deu sob a forma de
contágio, na medida em que pessoas que visitavam aquela igreja e recebiam a
manifestação do dom de línguas tornavam-se propagadores da mensagem dessa
experiência para diversas partes do mundo.
Aquela igreja chamava-se Missão
Apostólica da Fé, mas em 1914 passou a chamar Assembleia de Deus. A Missão da
rua Azusa é, por assim dizer, a mãe do movimento pentecostal. O trabalho dessa
missão influenciou os principais pregadores que deram início ao movimento
pentecostal no Brasil. Primeiramente, com o missionário Louis Francescon, que
iniciou a Congregação Cristã do Brasil em São Paulo, em 1910. Depois, com
Gunnar Vingren e Daniel Berg, que iniciaram a Assembleia de Deus no Brasil, em
1911, na cidade de Belém, Pará.
Uma das características da religiosidade
pentecostal é procurar uma aproximação aos ensinamentos e ao estilo de adoração
dos primeiros cristãos, com uma interpretação literal e alegórica da Bíblia. O
termo pentecostal hoje abrange uma diversidade de grupos e igrejas, diferentes
em termos de perspectiva teológica, formas de organização, costumes e
liturgias. Trata-se de um movimento descentralizado, sem qualquer controle ou
hierarquia, que pode estar presente em qualquer grupo cristão. O mais correto
seria nos referirmos a pentecostalismos.
O fator comum é a ênfase na
experiência do charisma, ou dom,
recebido como uma experiência de iniciação, chamado de batismo do Espírito
Santo. O pentecostalismo é um movimento essencialmente urbano. Outro aspecto
relevante é que o movimento pentecostal teve sua origem em igrejas formadas por
negros e pessoas de baixa renda, e ganhou maior projeção entre os mais pobres e
excluídos da sociedade. Esse fato pode ser observado inclusive em sua expansão
na América Latina. Também é preciso ressaltar o papel da mulher, que ao longo
dos anos tem participado cada vez mais da vida eclesial da igreja, assim como
os leigos, embora ainda haja uma resistência ao seu papel como pastora ou
pregadora em alguns grupos. Há igrejas neopentecostais lideradas por mulheres,
como bispas e apóstolas. Antes, elas eram tratadas apenas como profetizas,
missionárias ou líderes de círculo de oração. Hoje, elas ocupam também os
púlpitos, o que de início era proibido.
O desenvolvimento do pentecostalismo
no Brasil, e de um modo geral na América Latina, pode ser compreendido através
de três etapas:
a) O pentecostalismo clássico – de
1911 à década de 1950, com a Congregação Cristã do Brasil e a Assembleia de
Deus.
b) O pentecostalismo de segunda
geração – através da expansão com as campanhas de evangelização pelo interior
do país, que resultaram no surgimento da Igreja do Evangelho Quadrangular e da
Igreja o Brasil para Cristo. Em 1960, surgem novos grupos, como a Igreja de
Nova Vida, a Igreja Deus é Amor e a Casa da Bênção.
c) Os neopentecostais – a partir da
década de 1970, como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja
Internacional da Graça e a Igreja Renascer em Cristo.
A expansão dos grupos pentecostais se
dá a partir das rupturas internas das igrejas, que se dividem por motivos
políticos, doutrinários ou morais, dando lugar hoje a uma infinidade de igrejas
autônomas que se espalham por todas as localidades. O movimento pentecostal
afetou diretamente a vida das chamadas igrejas protestantes históricas,
promovendo movimentos de renovação em muitas delas e dando origem a novas
igrejas pentecostalizadas, ou igrejas renovadas.
Mas, mais do que isso, a participação
dos pentecostais na sociedade tem afetado diretamente várias áreas, desde a
relação com a criminalidade – interferindo na maneira de tratar ex-criminosos
que se convertem – até a definição de candidaturas e de pautas políticas para o
país. Entre os muitos pentecostalismos, inclusive os neopentecostalismos, há um
projeto único de poder que inclui uma forma de entender os Direitos Humanos de
forma relativa, de tratar o estado laico com restrições, de suspeitar quanto a
dinâmica do Estado Democrático de Direito, de questionamento da garantia dos
direitos das minorias, principalmente em relação às pautas identitárias, às
questões de gênero e direitos reprodutivos, e de intolerância religiosa. Mas,
acima de tudo, esse projeto de poder é alinhado aos interesses da direita, com
um viés de demonização de qualquer ideologia de esquerda.
A influência do pentecostalismo e do
neopentecostalismo aponta para o fato de que esses movimentos se apresentaram
como uma resposta imediata ao crescimento da miséria provocada pelos muitos
regimes de exceção na América Latina. Nesse sentido, adotaram um caráter
fundamentalista para oferecer algumas respostas religiosas que permitem, ao
menos em curto prazo, uma eficiente superação da crise. Trata-se de um tipo de
fundamentalismo religioso que ajuda a enfrentar a experiência de crise com uma
resposta absoluta a situações relativas de forma imediata. Os pentecostalismos
dessa natureza também têm a capacidade de transformar uma experiência de crise
em uma aquisição de poder. Uma crise social ou pessoal se converte em uma
experiência religiosa de poder. Os conflitos sociais se projetam como
expressões e interferências do sobrenatural, que contrapõem o bem e o mal. A
mensagem pentecostal e neopentecostal é de cunho escatológico
dispensacionalista, prometendo uma intervenção repentina do poder de Deus
diante dos males do mundo.
Podemos afirmar que nos movimentos
pentecostal e neopentecostal se encontram setores sociais com interesses
econômicos neoliberais e com um programa político de incorporação do Brasil e
da América Latina à cultura norte-americana. Nesse sentido, esses movimentos,
juntamente com o fundamentalismo evangélico que está presente nas igrejas
protestantes históricas, é ao mesmo tempo cúmplice de exploradores e
explorados, de dominadores e despojados, das elites e da pobreza. Por isso, o
ecumenismo que se mostra impossível em termos eclesiológicos e doutrinais
torna-se viável diante desse projeto de poder. São superadas paulatinamente as
velhas fronteiras confessionais, de forma que os movimentos se juntam para
polarizar em um ecumenismo do poder e um projeto político de controle da vida.
O resultado é que a maioria dos fieis desse segmento votou a favor da
ultradireita nas eleições de 2018.
Publicado
no site do Coletivo Bereia, em 16/12/2019. Acesse: https://coletivobereia.com.br/pentecostalismos-e-participacao-politica-implicacoes-do-caso-do-bonde-de-jesus/
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