segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Por uma espiritualidade do cuidado / For a spirituality of care / Por una espiritualidad de cuidado


A vida necessita de cuidado. Isso quer dizer que toda forma de vida importa. O cuidado implica em cuidar e ser cuidado, em pensar e agir para que todos tenham acesso a condições favoráveis de vida. A maneira com que cuidamos uns dos outros nos remete a romper os limites da indiferença e a buscarmos desenvolver uma nova espiritualidade.
A origem da palavra “cuidado” tem a ver com cura. Na tradição latina, a cura tinha a ver com relações que envolviam amor e amizade, demonstrações de preocupação com a pessoa ou com o objeto que é amado. Implica uma atitude de atenção para com o outro, mas também de inquietação com as circunstâncias que envolvem o outro. Cuidar, então, pode ser visto muito mais que uma atitude, mas um modo de ser, de se expressar e de construir relações que envolvem afetividade e discernimento.
Uma espiritualidade do cuidado implica em perceber a existência como um dom. Isso nos motiva a desenvolver gratuidade que se manifesta em expressões de louvor. Nossa existência não se basta em si mesma. Ele é resultado do cuidado amoroso divino que partilha sua própria vida na vida de tantos outros.
Uma espiritualidade do cuidado requer de nós uma atenção maior com a vida em todas as suas formas. O ser humano é o único que tem habilidade para cuidar e preservar de forma intencional o ambiente em que se dá a vida. Fomos colocados no mundo como jardineiros, e não como exploradores.
A espiritualidade do cuidado conduz ao enfrentamento da maldade. O mal no mundo está disfarçado nas relações do homem com a natureza e com seu próximo, em que um se coloca como mais forte diante do outro mais fraco. As relações de poder não podem ser ocasião para a prática da maldade, mas para difundir o bem.
A espiritualidade do cuidado se realiza historicamente imersa no contexto da cultura. A força do trabalho criativo é o modo como o ser humano é capaz de interferir na natureza. A humanidade recebeu a natureza criada como um dom e Deus a convoca para unir-se a Ele no cuidado da natureza através do trabalho. O Criador sabe o valor do trabalho, o reconhece como cansativo e sabe que a força humana do trabalho é limitada. Por isso Ele também nos chama a tomarmos parte do seu descanso a fim de renovarmos nossas forças a partir dele.
A espiritualidade do cuidado desenvolve a compreensão de que a realidade do mundo e das coisas é plural, que Deus ama a diversidade e que a graça divina é multiforme. Conhecer a pluralidade e a diversidade da criação e da vida em sua totalidade é impossível. Por essa razão, é preciso desenvolver uma abertura para o novo, para o diferente e até para o imponderável. Não fomos chamados para a uniformidade, mas para vivermos em unidade em meio à pluralidade.
A espiritualidade do cuidado toma como pressuposto a imitação de Cristo. É preciso ver em Jesus de Nazaré a revelação do Deus que esvazia-se de si mesmo para se fazer humano. A fé em Jesus é um exercício de esvaziamento de si, e não de um “enchimento” ou de acumulação, mas um abandono daquilo que nos desumaniza para que possamos nos tornar tão humanos como Jesus foi.
A espiritualidade do cuidado nos remete a uma ética que envolve cuidar do outro numa relação de mutualidade, permitindo que ele cresça e seja o que é. A ética do cuidado é o que nos leva a desenvolver a paciência, a tolerância, a solidariedade, a generosidade, a humildade e a confiança em relação ao outro. E isso se dá tanto em relação a uma pessoa quanto a uma comunidade, tanto em relação a uma coisa quanto a uma ideia e também tanto em relação à natureza quanto ao sagrado e ao transcendente.
Leia também: Princípios para uma teologia do cuidado >>.
Leia também: Lucas, o evangelho do cuidado >>.

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