sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Lucas, o evangelho do cuidado / Luke, the gospel of caring / Lucas, el evangelio del cuidado


De todos os quatro evangelistas, Lucas é o que mais se ocupa com questões sociais e humanas. Ele elaborou suas narrativas a partir de uma investigação que pudesse dar conta de duas preocupações básicas, que permeiam toda a compreensão sobre a vida e ensino de Jesus. A primeira delas é a universalidade da salvação, a ideia de que Deus não rejeita a ninguém. A segunda é a preocupação com os grupos excluídos e marginalizados da sociedade.
O nome autor do terceiro evangelho não está incluído entre os apóstolos. Ele foi um companheiro de Paulo em muitas de suas viagens, mencionado como o “médico amado”. A tradição histórica ensina que Lucas era sírio, que exercia a função médica, provavelmente era solteiro e viveu até os 84 anos. Serviu como um historiador do grupo apostólico, mas também há registro de que exerceu um trabalho iconográfico, como pintor. Alguns estudiosos o têm como uma das testemunhas oculares de Jesus, sendo um dos participantes dos setenta discípulos. Ele nos deixou duas obras escritas, o evangelho que leva o seu nome e Atos dos Apóstolos. Entretanto, seu acesso às fontes dos relatos sobre Jesus é um pouco tardia em relação a Mateus e Marcos.
A afirmação de que Lucas é o evangelho do cuidado não é comum aos principais teólogos e estudiosos do terceiro evangelho, mas ela se torna possível por causa do interesse de demonstrar alguns princípios que envolvem o cuidado. Primeiramente, o evangelho demonstra que Jesus é expressão do cuidado divino pela humanidade perdida. Em segundo lugar, podemos encontrar as várias histórias de cuidado de Jesus com gente que sofre, doentes, excluídos e desprezados. E em terceiro lugar, os ensinos de Jesus que desafiam seus discípulos e seguidores a exercerem cuidado com pessoas vulneráveis.
A própria forma como Jesus viveu serve como metáfora do cuidado. Durante toda a sua vida Jesus cuidou de pessoas, importou-se com as suas necessidades delas e exerceu compaixão. Até durante a crucificação, compadeceu-se dos seus algozes, intercedendo pelo perdão deles. Jesus é aquele que cuida do humano, que adentra a esfera humana ao assumir plenamente a sua natureza.
Ao considerar Lucas como o evangelho do cuidado, é possível construir uma Cristologia do cuidado, que parte do princípio de que Jesus é a revelação do cuidado de Deus pela vida. E de um modo específico, o cuidado de Deus com a vida se reflete na maneira como Jesus se ocupa com a dor e o sofrimento humano.
A maior expressão do cuidado divino se dá na história de Jesus de Nazaré. Por essa razão, o evangelho é a boa notícia do cuidado de Deus por nós. Como Boa Nova, é para ser anunciada a todos as pessoas a fim de alcançar todas as dimensões humanas e sinalizar o cuidado divino. E Lucas registra isso através das muitas narrativas repletas de pessoalidade e de compromisso com o cuidado com as pessoas.
O Evangelho de Lucas desenvolve uma narrativa que realça o cuidado universal de Deus sobre a humanidade. Jesus nasceu para salvação de todos. Sua vida foi dedicada ao cuidado com a vida. Ele ensinou seus discípulos a cuidarem da vida. Tratou da família como um espaço de cuidado. Cuidou da dor e do sofrimento como prioridade das pessoas através da cura e da libertação. Enfatizou a justiça como forma de cuidar das desigualdades sociais. Jesus também se ocupou do futuro na perspectiva da esperança como forma de cuidado.
Em toda a narrativa de Lucas, fica evidente que Jesus assume em sua vida uma posição a respeito do que aflige as pessoas e provoca as profundas desigualdades sociais: é a ilusão de se procurar dar conta das aflições da vida por meios próprios. Jesus ressalta o valor do cuidado tanto no que diz respeito ao modo como Deus vem a nós quanto à maneira de cuidar uns dos outros. O cuidado se contrapõe ao individualismo e ao egoísmo, e é o que nos remete à vida em comunhão. A regra universal de Jesus para o cuidado é expressa na afirmação: Como vocês querem que os outros lhes façam, façam também vocês a eles” (Lucas 6.31).

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