A América Latina apresenta uma grande
diversidade étnica. E isso se deve à sua formação que se deu a partir de ciclos
migratórios ao longo do tempo, desde a chamada Era do Gelo. É um engano – e uma
agressão histórica – situar a história da América Latina no período dos grandes
descobrimentos. Quando os europeus aqui chegaram, já havia uma realidade
civilizatória assim como contatos com outras etnias já havia acontecido.
De um modo geral, os ciclos migratórios
se deram por etapas: primeiramente com a formação pré-colombiana, a chegada dos
colonizadores, a diáspora africana e o que podemos chamar de migrações modernas
e contemporâneas. A América Latina tem uma história secular de fluxos milenar
que possibilitou diversidade e contradições. O aspecto multicultural e os
processos de formação socio-histórica, no entanto, carecem de um lugar epistemológico
para a problematização no âmbito das ciências humanas.
Essa diversidade de povos e raças que
formou a população latino-americana demanda uma pesquisa antropológica mais
abrangente que leve em consideração a questão das identidades latino-americanas.
Entretanto, a maneira como se desenvolvem hoje os estudos sobre a realidade
social latino-americana tem sido limitada por concepções eurocêntricas e
norte-americanas que predominam no campo da pesquisa antropológica, como também
em todas as ciências sociais e até na teologia. E isso afeta diretamente o
reconhecimento e o tratamento do fenômeno a respeito dos povos originários.
Um novo debate em torno da questão
latino-americana deve levar em consideração problematizações acerca da noção do
que é América, do que vem a ser latino e também a ideia do que é indígena. As
propostas mais difundidas dão conta de que os povos originários das Américas
são descendentes tanto de asiáticos, quanto de europeus e africanos. Uma das
teorias mais difundidas é a das correntes migratórias através do Estreito de
Bering, entre 24.000 e 9.000 anos atrás, com evidências em estudos
antropológicos e arqueológicos. Entretanto, há uma ruptura epistemológica, que
se deu com a descoberta do fóssil de Luiza.
Interessante constatar que o primeiro
mapa do continente feito pelos descobridores trazia o nome “América” na parte
sul. O continente como num todo (Norte, Centro e Sul) era chamado na Europa de
“Novo Mundo”. Posteriormente, os mapas designariam todo o continente do Novo
Mundo como América. Era uma alusão a Américo Vespúcio, explorador italiano que
descreveu pela primeira vez a “descoberta” de Colombo não era a costa da Ásia,
mas um novo território desconhecido os europeus. Mas no século XIX, o nome
passaria a ser aplicado apenas aos Estados Unidos, após a chamada “Doutrina
Monroe”, primeiramente com a designação de norte-americano e, posteriormente,
como simplesmente América ou americano.
A América do Sul passou a ser, então,
tratada como América Latina, com uma carga de discriminação e depreciação.
Desde então, passou-se a designar de americano tão somente o cidadão dos
Estados Unidos da América e de latino-americano a todos provenientes a partir
da fronteira com o México. A parte sul do continente perdeu o seu nome e sua
identidade, mas ganhou nova significação com a denominação de latina, por sua
origem espanhola, portuguesa e francesa, ao contrário da formação do norte, de
origem anglo-saxônica, dinamarquesa, holandesa. Todas as tentativas de formar
uma unidade americana, como o movimento pan-americano de Simon Bolívar no
século XIX, fracassaram. Em grande parte em função da oposição dos Estados
Unidos à formação de um bloco de estados na parte sul da América.
Alguns problemas a respeito do
tratamento das profundas mudanças experimentadas no interior das diversas etnias
latino-americanas:
a) A formação da América Latina foi
submetida a um mesmo processo histórico em que estão em questão tanto o
conservadorismo como o progresso, que é o colonialismo.
b) Os interesses de uma elite
financeira, rural e industrial estão conjugados entre si e com os interesses da
burguesia. Não há um conflito de classes nesse sentido, mas uma parceria. Os
questionamentos da estrutura social partem dos movimentos populares.
c) A América Latina emerge com sua
diversidade cultural e étnica, suas linguagens, seus fatos políticos e sociais,
sua relação com a natureza como elementos orientadores da luta frente à
exploração do capitalismo global.
Numa proposta de uma perspectiva geográfica
dos povos originários, podemos identificar: os povos da América Central ou
Mesoamérica (toltecas, astecas, maias); os povos andinos ou das terras altas (incas,
quíchuas, aymaras, mapuches); os povos do Brasil ou das terras baixas (tupis-guaranis,
tapuias, aruaques, maipurés, caraíbas); e os povos do Sul ou do Gran Chaco (chiriguanos,
guaycurus, mataco e vilelas).
O estudo dos povos originários tem se
dado por diversas marcas antropológicas, mas essencialmente se direciona a
partir da análise das grandes famílias linguísticas. Até o momento, eles
apontam para uma pluralidade de formas de organização, de linguagens, de cultura
e de religião. As análises a partir dos grandes grupos de povos originários
remanescentes que estão mais avançadas correspondem aos Aymaras, Quíchuas,
Guaranis e Mapuches.
A aproximação com a cultura e a
religiosidade dos povos originários se dá em meio a um ambiente de tensão e
conflitos desde a colonização. E um dos fatores de maior dificuldade diz
respeito ao aspecto religioso. Primeiramente pelo fato de que a religiosidade
dos povos originários das Américas tem sua forma própria de realização, que não
se dá pela sistematização teológica e acadêmica da teologia ocidental. Mas
também se deve à realidade de que não existe um mapeamento das expressões
religiosas dos povos originários.
Os pesquisadores de um modo geral têm
encontrado muita dificuldade para enquadrar a religiosidade ameríndia aos
padrões de pensamento ocidental a respeito da religião, tanto pelo ineditismo
da pesquisa científica da experiência religiosa dos povos originários em face
da tradição oral, quanto pela repressão às expressões religiosas e à mitologia
das civilizações pré-colombianas.
Uma das primeiras contribuições no
campo da pesquisa antropológica foi a do francês Claude Lévi-Strauss, quando
viveu em São Paulo. Ele demonstrou que aquilo que os europeus chamavam de
“pensamento selvagem” tem uma lógica própria que não é estranha ao pensamento
ocidental. Em sua antropologia estrutural, procurou investigar traços
universais da cultura, como o mito, a linguagem e o uso de símbolos.
Atualmente, há muitos esforços para a
elaboração de uma teologia índia, para demonstrar o saber acerca de Deus
presente na cultura, como uma gramática que permite novos diálogos e caminhos
de libertação. Há um movimento acadêmico a fim de se dar voz às teologias
índias. O que se pretende não é um retorno às religiões indígenas, mas um modo
de compreender nossas origens e elaborar uma visão de mundo em que elas servem
como referencial de uma identidade mais profunda.
Como traços comuns da religiosidade
dos povos originários, podemos destacar a atividade comunitária, a relação com
a natureza como espaço vital e a relação respeitosa com o sagrado e o mistério.
Esses traços conduzem a uma perspectiva teológica desses mesmos povos, marcada
pelo politeísmo, animismo, costumes xamânicos e práticas de ofertórios e
sacrifícios. Em muitos desses casos, o termo “teologia” é inadequado para
descrever a religiosidade ameríndia.
O contato dos europeus com o chamado
“Novo Mundo” e os enfrentamentos coloniais trouxeram grandes transformações
etnográficas. Mesmo porque o processo colonizador se deu por critérios que mais
se aproximavam de uma invasão, por conta da exploração, do extermínio e até da
evangelização. Daí a necessidade de uma proposta decolonial, sobretudo a de
Boaventura de Sousa Santos de pensar a partir do Sul, de lançar um desafio de
superar a mentalidade colonial, capitalista e católica engendrada pelos
europeus. Essa proposta decolonial aponta para o resgate e afirmação do princípio
do Bem Viver.
Leia também:
Nenhum comentário:
Postar um comentário