A notícia que chega ao Brasil e ao mundo na manhã do dia 24
de fevereiro é que o governo russo deu ordens para que suas tropas avancem
sobre as áreas controladas por separatistas na Ucrânia. É o início da guerra
entre os dois países. O conflito entre a Ucrânia e a Rússia vai além de uma
disputa de fronteiras. Envolve as principais forças militares globais,
controladas de um lado pelo ocidente e, de outro, pela própria Rússia e os
membros da antiga União Soviética.
Não é a primeira vez, desde o fim da Segunda Guerra Mundial,
que uma potência invade o território de um país. Da mesma forma, não é a
primeira vez, desde o período da Guerra Fria, que um conflito dessa magnitude
coloca em xeque interesses e forças ocidentais e as potências orientais como as
da Rússia e a China. O que há de novo nesse conflito é o uso da OTAN –
Organização do Tratado do Atlântico Norte, a antiga coalizão de defesa de um
conglomerado de países ocidentais, para que o Ocidente amplie sua esfera de
ação, avançando para mais próximo das atuais fronteiras russas, estabelecendo
bases no leste europeu.
Há algumas feridas históricas que ainda não foram superadas.
Uma delas é que a tensão entre capitalismo e comunismo continua regendo as
relações internacionais, embora a chamada “cortina de ferro” tenha caído em
1991. Outra é que os Estados Unidos da América deixaram de ser a principal
força bélica no mundo, perdendo para as potências da Rússia (que já foi
comunista) e da China (que ainda mantém um comunismo “de mercado”). E o próprio
fato de a OTAN estar envolvida nesse conflito dá indicativos de que, com o fim
do Pacto de Varsóvia, o mundo ficou mais vulnerável às pressões do Ocidente e
dos poderes dominados por interesses capitalistas.
A humanidade chegou ao século XXI mais suscetível aos
conflitos internacionais. Alguns teóricos da chamada “Guerra Justa” até
procuram justificar a necessidade de conflitos armados em face da pluralidade
de estados e nações. Entretanto, a guerra nunca se justificou em tempo algum, a
não ser pelos interesses de poder por parte de governos que querem ampliar sua
esfera de ação. Não há justificativa moral para a guerra, nem mesmo para as
guerras religiosas. Ela é resultado do exercício do poder.
Santo Agostinho foi um dos primeiros a constatar esse aspecto
da guerra. Para ele, todas tinham como causa primeira a ação de uma pessoa que
exerce o poder e, como consequência, o desejo de causar dano ao outro a fim de
alcançar os objetivos de poder. Não importa se as razões são boas ou más. Elas
sempre promovem violência, crueldade e vingança. As marcas que a guerra deixa
são as da brutalidade humana, da selvageria e do orgulho de exercer domínio
sobre o outro.
Nos tempos atuais, as guerras se justificam pela necessidade
de se ampliar mercados e estabelecer relações que viabilizem o modo de produção
e de consumo a partir da mentalidade do capitalismo. Não se trata de um personalismo
ou de poder totalitário de um líder, mas de garantias para que bens e produtos
circulem conforme interesses das potências. No caso do conflito entre Ucrânia e
Rússia, está em questão a produção e o consumo do gás natural. Atualmente, EUA
e Rússia são os principais produtores desse commodity e a Europa seu principal
mercado.
A guerra entre Ucrânia e Rússia não faz sentido para o
mundo. Mas não se pode esquecer o complexo contexto histórico nas relações
entre esses países. O conflito rompe acordos e tratados internacionais e pode
ser identificada, pelas normas internacionais formalizadas pela ONU, como uma
agressão por parte da Rússia a uma nação independente, uma violação ao princípio
da autodeterminação dos povos. Entretanto, a interferência dos interesses
ocidentais não pode ser esquecida, sob o risco de uma compreensão deturpada
desse conflito.
Um século depois de vencer uma pandemia e 80 anos após
encerrar a Segunda Guerra Mundial, a humanidade demonstra que não se aprendeu
nada em termos de relações humanitárias. Para quem achava que sairíamos
melhores da pandemia, o cenário de mais uma guerra global expõe a fragilidade
das relações internacionais. O tabuleiro político e econômico do mundo continua
colocando em risco a vida de pessoas em condições de vulnerabilidade e fazendo
mais vítimas.
Há quem defenda que a guerra é uma necessidade. Clausewitz e
Marx viram nela uma expressão sanguinária da racionalidade humana. Embora a
guerra nunca aconteça como um fenômeno isolado do cenário político e econômico
do mundo – ela é resultado de uma pluralidade de fatores –, é sempre consequência
da insanidade humana. Exatamente porque requer derramamento de sangue.
Nenhum comentário:
Postar um comentário