sábado, 19 de novembro de 2022

Racismo e Reforma Protestante / Racism and Protestant Reformation / El racismo y la Reforma Protestante

O protestantismo assistiu a história da escravidão negra com um misto de crítica, de passividade e de silenciamento em relação às práticas que produziram toda sorte de desumanidade, genocídio e preconceito. Poderíamos afirmar que os vínculos com o racismo são históricos, quer seja por uma relação conivente com a formação do discurso racista, quer seja pela omissão em seu combate, quer seja pela sua validação.

Embora teólogos como John Wesley tratassem a escravidão como uma aberração, não foram poucos que encontravam justificativas bíblicas para a dominação, assim como não foram poucos os líderes religiosos que se calaram diante da violência contra indígenas e negros, tanto na América Latina quanto na África.

A escravidão negra foi um empreendimento global levado a efeito, sobretudo, a partir do interesse de nações de base protestante, como a Alemanha, a Holanda, a Dinamarca e a Inglaterra. Entretanto, a efetivação de seu emprego se deu a partir das colônias controladas por nações católicas e protestantes, incluindo-se a França, a Espanha e Portugal.

Para entender a dinâmica do racismo em meio às teses reformistas de liberdade e de afirmação dos princípios das Escrituras que proclamam a universalidade da condição humana, é preciso levar em conta o que estava por trás de toda argumentação. Podemos apontar três questões teológicas que afetam a relação do protestantismo e a escravidão negra.

A primeira questão é de natureza antropológica: o que é o ser humano? É preciso observar o modo como a cultural ocidental desenvolveu a identificação do negro como pessoa de segunda categoria, com limitações intelectuais e espirituais. O Vaticano levou quase dois séculos discutindo se o indígena na América Latina poderia ser considerado como ser humano. Ainda no século XIX, antropólogos funcionalistas discutiam se os negros do Sul da África eram algum elo perdido no desenolvimento do Homo Sapiens.

A segunda questão é de natureza política: o que é colonização? O processo de colonização é uma invenção do capitalismo moderno, como base no liberalismo econômico, que definia os territórios conquistados como propriedade dos conquistadores. A colonização foi definida por três construtos ocidentais: o capitalismo, o patriarcado e o cristianismo.

E a terceira é de natureza moral: o que é pecado? A partir da ideia de que não há pecado ao sul da linha do equador, houve uma licença para toda sorte de exploração, dominação e extermínio dos povos originários dos territórios conquistados. Primeiramente com a lógica do escravagismo, que define o trabalho como castigo e punição. O trabalho é para negros. Quem não se submete ao trabalho servil é indolente e preguiçoso. Aos brancos, porém, cabe serem sustentados pelo Estado. Posteriormente, essa mentalidade se converteu em cerceamento dos direitos do trabalho e supervalorização do rentismo.

A relação entre protestantismo e escravidão envolve as perspectivas políticas e econômicas que sustentam o racismo, a intolerância às religiões de matriz africana, o preconceito e violência contra a mulher e a rejeição das pautas que colocam em risco a hegemonia branca e ocidental.

O supremacismo branco, o racismo, a xenofobia e outras intolerâncias e preconceitos que neguem, anulem ou apaguem a diversidade humana são incompatíveis com a mensagem do evangelho. Quando a Bíblia afirma que Deus amou o mundo de tal maneira, isso implica compreender cada pessoa em sua condição, respeitando a beleza da multiforme condição humana.

O caminho do pluralismo e do respeito à diversidade reclama um diálogo a partir das epistemologias do Sul, que implica a decolonização de todo o saber que dá validação à intolerância e ao racismo, que resgate os valores dos povos originários da América Latina e das comunidades tradicionais formadas pelos povos africanos.

Foto: Estadão, 2015.

(Texto apresentado durante a Consulta Teológica FTL Brasil “Revisitando a Reforma Protestante desde a América Latina”, em 19/11/2022).

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