Recomeçar é uma decisão que implica coragem e disposição.
Embora seja da natureza a sua renovação, começar de novo, tentar outra vez ou
ter uma segunda chance são oportunidades que envolvem a nossa condição humana
de estar aberto para novas possibilidades, mesmo quando enfrentamos fracassos,
perdas ou derrotas.
A letra da música escrita por Paulo Vanzoline em 1962,
eternizada na voz de Maria Betânia e de outros cantores, lembra a gente disso:
“Reconhece a queda e não desanima. Levanta, sacode a poeira e dá a volta por
cima”. A decisão de recomeçar, porém, não é fácil. É preciso encarar a dor, o
medo e até a solidão que marcaram a destruição de um sonho, de um projeto, de
um relacionamento e de uma trajetória de conquistas que precisam ser
recomeçados.
Na natureza, as árvores precisam perder suas folhagens para
poderem florescer. Muitas vezes, no processo de recomeçar, é preciso abrir mão
de determinadas condições para que possamos experimentar a vida de outro modo. Trata-se
de um tempo para rever nossos valores, nossas estratégias, nossos conceitos e
até os nossos propósitos. O maior equívoco que se pode ter é tentar fazer a
mesma coisa outra vez cometendo os mesmos erros.
O pensamento humano está repleto de ideias sobre recomeços,
como uma lei do próprio universo em que tudo se renova como um ciclo na
perpétua manutenção da vida. Por isso, recomeçar é revigorante, traz em si uma
sensação de liberdade e de abertura para o que está adiante. É como uma
disposição para seguir em frente e experimentar novas possibilidades de se
realizar.
Nas religiões orientais, como no hinduísmo e zen-budismo,
fala-se dos ciclos da vida. O tempo não é linear, é cíclico e se repete
constantemente. A circularidade da vida é marcada pelo eterno retorno, como um
renovar constante.
Na mitologia grega, encontramos o mito de Sísifo, um
personagem controverso que era capaz de enganar os próprios deuses e a morte.
Quando morreu, sua alma foi considerada rebelde e condenada a rolar por toda a
eternidade uma enorme pedra de mármore até o cume de uma montanha. O problema
era que, toda vez que estava quase chegando ao topo, a pedra rolava montanha
abaixo de volta ao início. E Sísifo tinha que reiniciar o esforço de levá-la
para cima.
Albert Camus viu no mito de Sísifo a representação da
existência humana na busca do sentido da vida, mas que se depara com um mundo
ininteligível, dominado por crenças e ideologias. Diante da falta de sentido
para a vida, a melhor solução não deveria ser o suicídio, mas a capacidade de
se revoltar.
Na Filosofia, desenvolveu-se a noção de Eterno Retorno para
se referir ao fato de que toda existência é marcada pela recorrência. Esse
conceito já se encontrava presente em Heráclito e nos pitagóricos, pensadores
pré-socráticos no século V AEC, e também no estoicismo. Friedrich Nietzsche,
porém, elaborou a teoria do Eterno Retorno para indagar se seríamos capazes de
suportar uma vida em que nossas experiências de prazer e dor pudessem se
repetir eternamente. Essa condição serve como um desafio ético para que
possamos desejar viver de maneira digna e a nos conduzir a uma reflexão mais
profunda sobre os valores que norteiam a vida.
A Bíblia também fala de recomeços. No livro de Eclesiastes,
encontramos essa afirmação: “O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará
novamente; não há nada novo debaixo do sol” (Eclesiastes 1.9). Esse texto traz consigo a ideia de que,
apesar de todas as mudanças que a vida possa experimentar, permanecemos os
mesmos. O profeta Jeremias lembra que a misericórdia divina se renova para
continuar sempre ao alcança daqueles que Deus ama: “Graças ao grande amor do Senhor é que
não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se
cada manhã; grande é a tua fidelidade!”
(Lamentações 3.22,23).
A mensagem bíblica nos lembra de que recomeçar é uma
possibilidade até mesmo para os que podem ser considerados justos: “Pois ainda
que o justo caia sete vezes, tornará a erguer-se, mas os ímpios são arrastados
pela calamidade” (Provérbios
24.16). E diz ainda que Deus não se encontra alheio aos recomeços: “O Senhor
ampara todos os que caem e levanta todos os que estão prostrados” (Salmos 145.14).
Os evangelhos apresentam a mensagem de Jesus que propõe uma
nova oportunidade de vida a partir do seguimento de seu exemplo e da prática de
seus ensinos. O Novo Testamento nos diz que Deus está preparando novos céus e
nova terra. Por isso: “Todavia, de acordo com a sua promessa, esperamos novos
céus e nova terra, onde habita a justiça” (2 Pedro 3.13).
O poeta Roberto Gaefke registrou: “Recomeçar é dar uma nova
chance a si mesmo… É renovar as esperanças na vida e, o mais importante: acreditar
em você de novo” (esse texto, que também se chama “Faxina da alma”, tem sido
atribuído a Carlos Drummond de Andrade por engano). A vida é um eterno
recomeço. Pode ser um novo dia que se inicia, um novo mês, um novo ano, uma
nova descoberta, um novo relacionamento, um novo emprego. Enfim, a vida está em
aberto, só precisamos nos permitir tentar mais uma vez, fazer de outro modo,
acreditar nas novas possibilidades.
Apenas precisamos lembrar que tudo vai recomeçar muito melhor
ResponderExcluir