O dia de hoje ficará marcado pelo pior atentado
cometido contra a República Brasileira desde a sua redemocratização. Podemos
chamar esse dia como o 8 de janeiro, quando um crime foi praticado contra a
democracia, apesar de largamente prenunciado desde a divulgação dos resultados
das eleições de 2022. Curiosamente, esse episódio acontece 2 anos e 2 dias
depois da invasão do Capitólio, nos Estados Unidos da América, por apoiadores
de Donald Trump. Aqui, vândalos e arruaceiros simpatizantes de Bolsonaro
invadem os principais prédios do governo brasileiro: O Congresso, o Palácio do
Planalto e a sede do STF.
O mais correto seria chamar esses manifestantes de
terroristas pela quantidade de danos causados ao patrimônio público e a
depredação das principais sedes governamentais, do centro do poder. Não são,
nem nunca foram, movimentos pacíficos ou de acordo com a Constituição, como
afirmou nesta semana o atual Ministro da Defesa do Governo eleito. São pessoas
dispostas a praticaram atos de violência para imporem sua vontade política
sobre uma nação inteira, desrespeitando assim o processo democrático.
Os manifestantes não agiram voluntariosamente.
Houve uma articulação em várias partes do país, mobilizando ônibus e fomentando
discursos de ódio, para trazer pessoas dispostas a promover o que os líderes
vinham chamando de “guerra”. Além disso, pela natureza e forma de organização, pressupõem-se
que haja financiadores e mentores dessa ação tramada para causar insegurança e
colocar em xeque a autoridade do governo recém-empossado.
O Ministério da Justiça se preveniu convocando a
atuação da Guarda Nacional. Porém, o Governo do Distrito Federal, cujo atual
Secretário de Segurança é o ex-Ministro da Justiça de Bolsonaro, se mostrou
leniente diante das ameaças dos atentados que se viram neste domingo. A própria
polícia do Distrito Federal ofereceu apoio aos manifestantes em dado momento
para que se aproximassem da Praça dos Três Poderes.
Esses atentados já haviam sido previstos por
cientistas políticos e analistas desse momento histórico. Com base em outros
acontecimentos, como a Noite dos Cristais do nazismo, as marchas fascistas na
Itália e até mesmo a invasão do Congresso norte-americano em 6 de janeiro de
2021, era fácil imaginar que a sucessão de atos golpistas após o resultado das
eleições iria resultar no que vimos.
Desde o dia 31 de outubro de 2022, assistimos à
perpetração de diversos atos criminosos que não receberam o tratamento de
acordo com a lei, como o bloqueio em rodovias, acampamentos em áreas militares,
noite de vandalismo em Brasília, diversos atos de violência contra opositores e
várias autoridades federais hostilizadas em espaços públicos. Em todos esses
atos, verificou-se a inação daqueles que têm o dever de fazer cumprir a lei,
como as polícias dos estados, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal,
o Ministério Público e até juízes.
O principal responsável pelo caos no Distrito
Federal hoje não está no país para responder criminalmente. O fato de Bolsonaro
não ter reconhecido a derrota na eleição e ter se omitido diante das
manifestações criminosas que pediam ações inconstitucionais acabou aumentando a
animosidade. O bolsonarismo se tornou um dos mais agressivos movimentos de
extrema-direita no mundo, reproduzindo aqui cenas lamentáveis de intolerância, de
preconceito e de desrespeito ao processo democrático.
Vai levar tempo para restaurar a normalidade. A
única saída é a afirmação do poder do Estado para a garantia da ordem, através
das aplicações dos instrumentos de regulação, como a Lei Antiterrorismo
e a Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. Fala-se inclusive na
intervenção federal na área de segurança de Brasília. A repressão direta poderia
inflamar ainda mais os ânimos, embora esse teria sido o tratamento caso os
manifestantes fossem outros.
O Brasil teve até aqui uma longa história de
repressão às manifestações de movimentos progressistas, de trabalhadores ou de
pessoas que lutam por seus direitos civis. Assistimos por décadas cenas de
truculência policial, de uso de um forte aparato repressor contra aqueles que
lutaram por direitos trabalhistas e previdenciários, por acesso à terra para
plantar, pelo direito a moradia e até manifestações estudantis. Entretanto, os
participantes dos atos terroristas de hoje são pessoas tidas como “pessoas de
bem”, conservadores e até defensores da família, da fé, da moral e dos bons
costumes. Um paradoxo diante da capacidade de se articular para cometerem a
depredação que se viu.
Talvez o dia de hoje tenha sido necessário para pôr
fim a uma hipocrisia que vinha sendo institucionalizada no país. A ideia de que
quem pedia intervenção federal, ditadura militar e golpe contra a democracia
eram pessoas pacíficas. Quem pede que se pratiquem ilegalidades como essas não
estão bem intencionados. A democracia não combina com a ruptura da lei. Antes,
para que vivamos num legítimo Estado Democrático de Direito é preciso que a lei
se aplique igualmente sobre todos. Caso contrário, nos transformaremos em uma
sociedade ingovernável.
A democracia garante direito à liberdade de
expressão, mas exige o respeito às instituições criadas para que o Estado
Democrático de Direito se realize. Esses insanos não podem ficar impunes.
(Foto: Folha de São Paulo, Evaristo Sá/AFP.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2023/01/bolsonaristas-sobem-em-teto-do-congresso-e-pm-reage-com-bombas.shtml).
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