domingo, 12 de outubro de 2014

Celebrar a vida / Celebrate life / Celebrar la vida

O maior desafio de ser cristão hoje não é enfrentar a oposição de ateus ou seguidores de outras crenças. Não é o embate com grupos de defesa de direitos individuais diante de afirmações morais de grupos fundamentalistas. Não é nem mesmo a rejeição à fé que a secularidade vem promovendo nos meios de comunicação. O maior desafio para ser cristão hoje é a indiferença.
Quando se fala de indiferença, isso está relacionado tanto à maneira como o pensamento contemporâneo trata a questão de Deus, quanto ao modo como cristãos vivem no mundo. Explicando melhor. O mundo atual aprendeu a viver sem a compreensão de Deus como uma hipótese válida para explicar a complexidade da vida. Além disso, ser cristão e não ser cristão hoje envolve uma assimilação de valores seculares que não dá mais para diferenciar o que orienta as escolhas das pessoas.
O apóstolo Pedro disse certa vez: Vivam entre os pagãos de maneira exemplar para que, naquilo em que eles os acusam de praticarem o mal, observem as boas obras que vocês praticam e glorifiquem a Deus no dia da sua intervenção. 1 Pedro 2.12. Parece que esse era um problema também na época do começo do cristianismo. Cristãos que orientam sua vida pelos mesmos valores que uma sociedade secularizada tornam-se indiferentes aos apelos do evangelho para o exercício da missão.
Há alguns que poderão olhar para essa afirmação de Pedro como uma advertência moral, porém o que está em jogo quando o assunto é viver é a capacidade de levar em conta as circunstâncias em que se dá a nossa existência. Talvez isso leve até a pensar que fazer as coisas certas resulta em uma vida melhor e encoraja outros a que façam o mesmo. Entretanto, essa conclusão é precipitada e equivocada.
Viver é uma experiência rara, única. A vida está aí, dada para ser vivida em meio às circunstâncias concretas do mundo, no qual estamos inseridos. É o que nos remete ao sentido do ser-aí – o dasein de Martin Heidegger. Cada um é uma história que está acontecendo e caminha para um final. Isso corresponde a uma angustiante ambiguidade: quando se olha para o futuro, temos uma indeterminação; mas quando olhamos para o passado, vemos o que nos determina e confere significado, de tal modo que a cada passo dado a história se transforma. Por essa razão, Riobaldo – o personagem de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa – dirá: “Moço, viver é muito perigoso”.
Viver é a melhor dádiva que recebemos, e viver de acordo com os propósitos de Deus é fazer dessa dádiva uma oportunidade única de realização pessoal e de encontro. Vivemos melhor quando experimentamos a vida na vida de Deus. Uma vida nessa dimensão desperta o sentido celebrativo. Isso é adoração. É no curso da vida que somos chamados a uma experiência de encontro com Deus, na pessoa de Jesus Cristo, que nos remete a um encontro com o próximo em missão. E essa é uma vivência que se atualiza e se renova a cada dia, de modo que viver é estar sempre aberto para o novo.
Viver desse modo para o cristão é viver a dispensação da graça. Quando se vive a vida de Deus, descobre-se que não existimos para nós mesmos, mas para o cumprimento da missão. Isso nos remete a um deslocamento, que vai da minha autossatisfação para a realização do encontro, que parte do individualismo para a vida em comunhão. O que nos permite fazer este deslocamento é a fé como experiência individual que se expressa coletivamente. Missão não é oferecer um espetáculo para a admiração de todos, mas ser a comunidade dos que celebram a vida por que a experimentam na fé no Deus vivo.
Isso deve orientar uma nova vida em comunidade, ser a igreja de Deus no mundo. A igreja que não assume a missão de Deus em sua vida comunitária, como sua forma de ser no mundo, torna-se como um clube religioso, fechado em si mesmo, insensível às dores do mundo. Ela pode até ser espetacular em suas celebrações – o que é bom e deve ser sempre buscado e aperfeiçoado – mas será sempre um lugar de fuga, nunca um lugar de esperança e acolhida. Será mais um esconderijo, e não um lugar de descanso para tratar das dores da vida.

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