“‘Qual destes três você acha que foi o próximo do
homem que caiu nas mãos dos assaltantes?’ ‘Aquele que teve misericórdia dele’,
respondeu o perito na lei. Jesus lhe disse: ‘Vá e faça o mesmo’” (Lucas 10.36,37).
Como reconhecer alguém que é misericordioso? Com quem ele se
parece? Qual a sua identidade? A primeira resposta é que ele não se parece em
nada com uma pessoa religiosa, embora a misericórdia seja a principal ênfase da
religião. O sentimento religioso nasce de uma experiência de acolhimento e
pertença que envolve compaixão, perdão, esperança e amor.
Quando Jesus foi indagado por um especialista em leis sobre
como se deve fazer para ter uma vida plena, ele respondeu com duas perguntas:
“como está escrito na lei? [...] Como você a lê?” Parece que Jesus queria que
ele refletisse um pouco mais sobre sua conduta e a maneira como fazia suas
escolhas. A questão que envolve a vida mais significativa tem a ver com o
conjunto de saberes e de intencionalidades com que olhamos para nossa relação com
Deus e o mundo. Isso orienta as leituras que fazemos tanto da Bíblia como da
realidade. Trata-se, portanto, de um problema de hermenêutica.
O especialista em leis, que era um perito nos textos
sagrados, acostumado a interpretá-los e a aplicar seus princípios às situações
da vida, deu uma resposta inteligente. Ele disse que a lei recomenda a amar a
Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. E mais: estes são os
maiores mandamentos da lei de Deus aos homens. E Jesus concordou com isso. E disse
ainda que se ele colocasse em prática aquela maneira de ler a lei divina,
viveria.
O problema é que o especialista em leis não sabia quem era o
seu próximo. Ele era capaz de entender Deus, mas não sabia quem era o seu
próximo. Ele conseguia entender a si mesmo, mas não sabia reconhecer seu
próximo. Este é o ponto: quem é o outro por quem eu devo amar? Aí está a
questão hermenêutica da misericórdia. A pessoa que consegue identificar o outro
é uma pessoa misericordiosa. O contrário disso é egoísmo.
A parábola do bom samaritano exemplifica bem isso. Nessa
parábola, uma pessoa foi assaltada na estrada. Os assaltantes a espancaram e a
largaram nua e quase morta. Passou um sacerdote e um levita, que eram religiosos,
e nada fizeram para ajudar aquela pessoa. Mas um samaritano a socorreu, levou
para um lugar segurou e pagou por todo o seu cuidado. Jesus fez um jogo de
interpretação: de um lado, estavam aqueles religiosos que tinham o dever de
agir com misericórdia; de outro, o samaritano, que já em si era uma definição
discriminatória, que era de um povo desprezado e mal visto.
E então, quem era o próximo daquela vítima? A resposta não
deixava dúvidas: aquele que agiu com misericórdia. Isso deve nos levar a
entender que: pessoas misericordiosas agem em favor dos mais vulneráveis;
pessoas misericordiosas têm uma compreensão de Deus e da realidade a partir das
vítimas; pessoas misericordiosas submetem todas as suas ações, agenda e
capacidade para atender a necessidade do outro, não importa quem seja.
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