quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Eleição de Trump: democracia e retrocesso / Trump's Election: Democracy and Recession / Elección de Trump: la democracia y retroceso

A eleição de Donald Trump para a presidência da principal potência econômica mundial é a vitória de uma tendência que pode ser verificada em várias partes do mundo: a construção de um discurso populista de direita que rejeita as transformações sociais e econômicas que o mundo vem experimentando. É a vitória de alguém que tem desafiado os novos valores que vêm sendo construídos para dar conta de um mundo mais solidário e plural. O discurso reacionário de ódio encontrou ressonância em uma camada da população que teme sofrer perdas econômicas e de identidade com tais mudanças.
A sombra da tragédia de 11/9 desencadeou a explosão eleitoral do 9/11. O medo das incertezas falou mais alto. Isso não é o fim do mundo. Mas sãos os sinais do fim do mundo tal como o conhecemos até agora. O levantamento das forças de extrema direita e conservadoras no mundo inteiro é uma consequência de algo maior, que tem a ver com a crise pela qual o capitalismo global passa.
Uma nova classe média que luta para sobreviver se sente ameaçada pelas mudanças de valores e crescente transferências dos centros de poder. O que mais importou nessas eleições não foi o programa de governo, mas o resgate da dignidade perdida e a reafirmação dos valores tradicionais que estão ameaçados. A campanha foi marcada por pronunciamentos inflamados, em que predominou o ódio e o descontentamento com ações mais à esquerda que vinham desagradando a um setor da população pouco ouvido: a tal classe média.
O eleitor de Trump é branco, de classe média e evangélico/protestante. Quem votou em Trump tinha uma certa intencionalidade, que é de demonstrar que a maneira como as mudanças vêm acontecendo provoca medo e insegurança. É preferível aliar-se a alguém que tenha um discurso voltado pela defesa de valores tradicionais e resgate da identidade nacional do que em alguém que simbolize aquilo que provoca as incertezas deste tempo. Mesmo que seja alguém deplorável. E foi o que aconteceu nas eleições norte-americanas: o eleitor conservador votou em Trump, com seu discurso reacionário, e rejeitou Hillary, com seu discurso da política do sistema vigente. Só a história julgará se esse ato foi acertado.
Em sintonia com os resultados da eleição norte-americana, acontecem outros movimentos no mundo: a vitória da direita na Argentina, a resistência de direita na Venezuela, o golpe jurídico-parlamentar no Brasil, a vitória do “não” no referendo do acordo de paz na Colômbia, a crise dos refugiados, o fenômeno do Brexit, o enfraquecimento da liderança de centro-esquerda na Alemanha, os ataques terroristas na Europa, para citar alguns.
A crise do capitalismo é global, mas os seus efeitos são localizados. O capitalismo demonstra sinais de fracasso com o crescimento das desigualdades sociais no mundo e a consequente concentração de renda. Daí as políticas internacionais penderem entre o livre comércio e as práticas protecionistas, entre a garantia do direito das minorias e o fortalecimento das ideias liberais, entre o atendimento da necessidade dos mais vulneráveis e a construção de barreiras para impedir o acesso aos centros de poder.
A sociedade construída sob a égide do capitalismo vai ruindo aos poucos. O conceito de estado nacional também vai demonstrando seu caráter autenticamente burguês e liberal. O mundo é um grande navio à deriva em mar desconhecido. Os instrumentos para retomar o rumo são complexos e as manobras para reorientar a navegação são trabalhosas. E a gente vai descobrir logo, logo que isso não é tarefa para um só. Porém, ainda vai levar um tempo para a tripulação entender que estamos todos no mesmo barco, que o resgate dele depende do empenho e da consciência de cada um (Foto: Larry Smith/EPA).

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